“A imagem total do filme é o produto da montagem.”
Sergei Mikhailovitch
Eisenstein nasceu em Riga, em 23 de janeiro de 1898, e foi um dos maiores
cineastas do século XX, se destacando sobretudo na sua mestria com a técnica de
montagem. Veio do teatro e aplicou alguns destes conhecimentos também no
cinema, aonde teve como efeito uma de suas produções escritas que ficou
conhecida como O Sentido do Filme, livro que é tema aqui desta coluna agora.
O Sentido do Filme é
uma coletânea de artigos escritos por Eisenstein durante a Segunda Guerra
Mundial. Este livro aborda as questões do passado e do futuro da montagem no
cinema à época.
O Sentido do Filme
tenta colocar a montagem como o centro tanto do cinema como de todas as artes,
técnica que será bem demonstrada como a coluna vertebral de estilo de todo o
cinema soviético até então. O livro O Sentido do Filme, junto com outro livro
de Eisenstein, A Forma do Filme, funcionam como testamentos que são, também,
uma das principais fontes para a reflexão sobre o cinema.
A montagem é um dos
elementos indispensáveis do cinema, e Eisenstein, em O Sentido do Filme, lhe
dará um status importante e a colocará como um dos eixos principais do pensamento
sobre o cinema, sem, contudo, deixar de revelar seu aspecto prático, e não só
como teoria da percepção ou quejandos.
O que Eisenstein
propõe como o eixo do que significa a montagem para o cinema e as demais artes
é que ela “impõe a necessidade da exposição coerente e orgânica do tema, do
material, da trama, da ação, do movimento interno, da sequência cinematográfica
e de sua ação dramática como um todo.”
E nisto Eisenstein
deixa claro o efeito lógico principal da montagem que consiste no fato de que
“dois pedaços de filme de qualquer tipo, colocados juntos, inevitavelmente
criam um novo conceito, uma nova qualidade, que surge da justaposição.” E esta
justaposição faz o produto, que é muito mais do que a soma das partes, mas uma
qualidade nova que surge desta inicial combinação. A montagem, neste ínterim,
se faz voltada ao conteúdo do todo, das necessidades gerais e unificadoras.
Cada fragmento da
montagem, então, contribue como uma dada representação particular do tema
geral, que incide igualmente em todos os fotogramas, e a justaposição, por sua
vez, cria e faz surgir aquela qualidade geral em que cada detalhe teve
participação, e que reúne todos os detalhes num todo, totalidade de qualidade
nova em que o tema cinematográfico é apreendido. A imagem total do filme é o
produto da montagem.
No processo
criativo, por sua vez, para além do aspecto técnico e perceptivo da montagem,
temos que, diante da visão interna, da percepção do autor, paira uma
determinada imagem, que personifica emocionalmente o tema do autor.
Representações parciais são justapostas produzindo uma qualidade nova que
atinge o espectador, imagem que foi concebida pelo artista criador, e o nexo
artista-espectador no cinema se realiza pelo efeito desta qualidade superior da
montagem que surge de pedaços de fotogramas.
A linha de
raciocínio é a de que Eisenstein quer, o
tempo todo, deixar evidente que o produto da montagem tem a função de colocar a
imagem do tema com fidelidade à concepção do autor ou do que o artista imaginou
como efeito daquele filme ou obra sobre o espectador, leitor ou ouvinte.
Em O Sentido do
Filme temos também uma tentativa ou um pequeno relatório de possíveis teorias
da percepção, que vão das relações entre cor e som, ou o feixe oculto que
relaciona num todo as emoções, timbres, sons e cores. Tudo isso passa desde as
experiências artísticas como no poema das Vogais de Rimbaud, em que as letras
ganham cores, e estas cores, imagens de sentimentos ou sensações, a relação
entre sons ou notas musicais e uma cor específica, como também por exemplos de
anomalias como a sinestesia em que há uma relação direta entre som e cor no
cérebro humano.
Na arte, não são as
relações absolutas as decisivas, mas as relações arbitrárias dentro de um
sistema de imagens ditadas pela obra de arte particular. O problema nunca será
resolvido por um catálogo fixo de símbolos de cor, mas a inteligibilidade
emocional e a função da cor surgirão da ordem natural de apresentação da imagem
colorida da obra, coincidente com o processo de moldar o movimento vivo de toda
a obra.
Mesmo no raio de
limitações das cores preto e branca, como ainda eram produzidos os filmes na
época de Eisenstein, um desses tons de cor não ganha valia de imagem absoluta,
podendo assumir até significados contraditórios, tudo dependendo, na verdade,
do sistema geral de imagens pelo qual se optou para o filme em particular. Tais
jogos de cores podem ser exemplificados em dois filmes de Eisenstein, como O
Velho e o Novo e Alexander Nevsky.
No primeiro filme, o
preto foi associado a tudo de reacionário, criminoso e ultrapassado, enquanto o
branco foi a cor que representava a felicidade, vida, novas formas de
administração. Em Alexander Nevsky, por sua vez, os trajes brancos do teutônico
Ritter eram associados aos temas da crueldade, opressão e morte, enquanto a cor
preta, ligada aos guerreiros russos, descrevia os temas positivos de heroísmo e
patriotismo.
Eisenstein então
conclui seu raciocínio dizendo que “isto significa que não obedecemos a nenhuma
lei abrangente de significados absolutos e correspondências entre cores e sons,
relações entre estes e emoções específicas, mas significa que decidimos quais
as cores e sons que se adequarão melhor à dada tarefa ou emoção que queremos.”
Eisenstein, na sua
reflexão sobre as novas possibilidades surgidas com o cinema, isto é, a nova
perspectiva apresentada pelas combinações áudio-visuais, que é a de solucionar
um problema de composição totalmente novo, ele nos coloca diante desta solução
que consiste em encontrar a “chave para a igualdade rítmica de uma faixa de
música e uma faixa de imagem, tal igualdade rítmica nos tornaria capazes de
unir ambas as faixas verticalmente ou simultaneamente: igualando cada frase musical
contínua a cada fase das contínuas faixas de imagem paralelas – nossos planos.”
E o papel decisivo
desta combinação é desempenhado pela estrutura da imagem da obra, não tanto
usando correlações geralmente aceitas, mas estabelecendo nas imagens de uma
obra criativa específica quaisquer correlações (de som e enquadramento, som e
cor etc.) que sejam ditadas pela ideia e tema da obra particular. Ou seja, a
combinação dos elementos da obra não são fruto de teorias prontas sobre a
natureza de som e cor, por exemplo, mas pela necessidade artística e criativa
da obra ou filme.
O fato é que na
composição de obra criativa não se tem muito os “comos” ou “por quês”, na
verdade se trata de uma correspondência de elementos que surge na orientação de
arte, da própria obra ou filme, o que temos, quando se fala de criação
artística, na sua feitura, embora com sua técnica ou moldes próprios daquela
arte, é que o artista ou cineasta decide pelo trabalho ou obra pela sua
composição mais que por passos prévios de uma teoria ou suposta técnica, a
inflexão própria é decidida pelo artista de acordo com a sua vontade de
transmissão de uma determinada imagem geral, o trabalho da sensação produzida é
que orienta o passo e a combinação dos elementos, e não uma regra rígida com “comos”
ou “por quês”.
Como Eisenstein diz:
“Construir nossa ideia não através da inferência, mas colocá-la diretamente nos
quadros e no curso da composição.” Isto é, o pensamento do artista é
transformado em ação direta, expressada não por uma fórmula, mas por uma forma.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário: http://seculodiario.com.br/23918/14/eisenstein-o-sentido-do-filme