PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

SONHO DA POESIA

A estória da poesia
é uma saga infinita
das brancas nuvens
negras tempestades
desertos de rubi
vermelha e plácida
onda de níquel e sedução
contra a fome
contra o ditador
sangue de cachorro
lama de leão
feroz rosnado
de rugido da visão
desesperado desespero
da coisa em si
vulcão estomacal
de noites de boemia
nas baladas das odes
de uma elegia
que culmina
num soneto concreto
de um cordel vitalício
de métrica livre
em versos brancos
na rebordosa de um haikai
de uma épica milenar
que trata os ditirambos
como fontes inesgotáveis
de tragédias gregas.

02/11/2011 Delírios
(Gustavo Bastos)

ESTATUTO DOS HIPÓCRITAS

Quem me diz que sou nada
não sabe a que horas
eu tenho dor.

Quem me diz que sou miserável
não tem calor no coração
e nem nunca dançou na chuva.

Quem diz que sou louco
não sabe da violência
que é estar num hospício.

Quem me diz que sou idiota
não consegue conceber
um pensamento idôneo.

Quem me diz que sou derrotado
não sabe do brocado
que nasce da minha pena.

Quem diz o que diz
não pensa ou fala,
repete feito matraca
um monte de infâmias
que me condenam,
poeta do gólgota,
salafrário e ladrão,
a dar boas-vindas
aos meus parcos
sentimentos
da podridão.

02/11/2011 Delírios
(Gustavo Bastos)

domingo, 30 de outubro de 2011

MORTALIDADE


           
   Um homem agônico descansa na alma pálida
   Qual seja a forma de sê-la.
   Este irônico que ri de qualquer zelo
   Que com ela se arraste.
   O frio neste instante
   É nada como sua alma sem prazer.

   Quem, de todos, diria serem pálidas
   As formas desmembradas
   Dos sentidos, das razões finitas,
   Do cérebro ígneo da dúvida?
   O agônico pasto do mundo
   Canta com seus penitentes,
   Que deixam longe o segredo
   Dos seres cósmicos,
   Preferem o sol sobre a carcaça.
   (Vem lá de cima a ilha do paraíso,
   Não esperem chegar lá).

   Este homem, vês quem é?
   Com afinco me dedicarei a matá-lo.
   Este fantasma dos fantasmas
   É o pior dos idiotas, o mais mortal
   De todos os mortais.
   Eis que é o homem que não se vê,
   A mais noturna ambição
   De querer ser alma
   Quando nela se quer o mundo,
   Poeira de mundo,
   Maravilha de coisa alguma
   Em todas as coisas.

   Qual é a agonia maior do que ignorar-se?
   Qual é a mentira maior do que ignorar-se?
   Tal é a condição humana,
   Este homem é qualquer homem.
   Tal é a falta de um si mesmo infinito
   Sem as fissuras do tempo mortal,
   Seríamos anjos?
   O dia não há de chegar, pois é amanhã.

FRAGMENTO DEIXADO NO HORIZONTE


   O que eu sei, se pouco tenho a ideia exata,
   É o enorme universo no cair dos horrores.
   O que eu sei, enfadonho artista,
   É o meu pouco exato sentimento de esperança.

   O que eu sei do mundo é um enigma
   Pouco secreto, os celestes não renascem,
   Os campos morrem como devem morrer,
   Os celestes não ouvem,
   São deuses olvidados,
   O enorme universo
   No cair dos horrores.

   Fartas nações infaustas, nações aleijadas.
   Farsa farta! Farta de mim, farta de todos!
   Descortinado o uivo do sempre,
   Deuses celestes não me veem,
   Não vêm, não copulam.

   O que eu sei não é exato, nem é mistério,
   Mistério não se deve ver,
   Cegos não devem ver,
   Surdos não ouvem gritos,
   Castrados não querem prazer,
   A carne não vai temer a carne,
   Desovaram o uivo do sempre.

   No cair dos horrores
   O enorme universo,
   Cerimônias que a ideia não consola.
   Deve estar longe a estrela,
   Deuses celestes não me veem,
   Não me ouvem porque não querem.

   Castrado foi o povo. E o mundo é pouco.
   Muito é pouco. Nações não copulam,
   Não se amam.
   O que é meu, se pouco eu tenho,
   Não é mais ou menos valoroso.
   O caráter não mede o instinto.

   Instinto: a carne quer a carne.
   Instintos copulam, corpo-a-corpo,
   Tudo é ar de luxúria, selvagem,
   Do pouco farto mundo.
   O mundo que não é muito,
   E que pouco me falta.

MAIS UM LAMENTO


                 
   Marcha a estrada na noite, atropelados como eu
   Dançam. Com as migalhas da vida perfazendo
   Todas as minhas ações, torno-a maior ainda
   Em meus pés, e o solo se reveste de flores.

   Com o sol perto da rocha, e com o céu claro,
   A estrada amanhece e continua sempre.
   Marcha agora no dia, para depois retornar ao escuro
   Sem sol, vendo apenas os montes
   Nos quais o meu amor desfalece.

   O sensível toque de altivez ressoa na febre
   E nos cartazes do tempo. Torna-se logo apatia.
   Eis a vida suprimida, por não ter o amor
   Que tanto sonhava, por não ter férias em minha
   Alma de tragédia. Por não revelar, ou esconder,
   O mais silencioso palácio dentro de mim,
   Um palácio vazio, um palácio escuro,
   Em que o sol não ousa entrar,
   Que a luz da vida já não ousa entrar,
   Que a cidade ignora,
   Palácio da noite que o silêncio afaga.

   Lembro de juventudes e de sonhos,
   Sem tê-los mais, sem o céu ou o amor,
   Restando a esbórnia solitária
   Na cidade que um dia cantou,
   Cidade que mora longe,
   Cidade em que estou.