PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 5 de agosto de 2012

VISIONÁRIOS

Canto de guerra
nas odes fantasmas
do coração.

A nuvem doira ao sol
na terra dos ilhados,
o Monte Meru
é a espinha dorsal
do universo,
tal que se compõe
de nervos, veias
e sangue matinal.

O bravo soldado da
estrela brilhante
dá o grito
que ninguém
ouve.

A pena do poeta
quer morder
a nuca
do livreiro,
lamber a orelha
de um editor,
correr no espasmo
de um susto
ao reconhecimento
dos poemas
que caem
de saudade.

O poema-estrela
decompõe
sua estrutura
sem mérito,
seu esquema
sem conceitos,
sua vulgaridade
sem estilo.

O poeta calcula
na sombra azul
do castelo
o romance
perfeito
na lâmina
que corta
a sua carne,
no delírio
que corta
a sua alma,
na velocidade
que corta
o tempo.

Eis o dia nascido
para o martírio
de meus silêncios
em economia de versos
demudados pelo sol
que nasce em aurora
nos ares do calor.

A descoberta da chama
que traz a vidência
corrompe a obra
levitada nos canhões
da guerra fratricida,
e a pólvora revela
o desejo de um fogo
que rompe o verso
em febre, despudor
e o sangue da honra
em puro holocausto.

As gaivotas pousam
na beira do mar
com a areia em
seus bicos
e os peixes
são liquidados
na fome brutal
de um albatroz.

Uma cigana na noite
de verão lê a minha mão
como se o corte da
linha da vida
fosse o enigma
supremo
das voltas
que dá o meu
coração.

As lamúrias de minha sede
se sobressaem na vida
em que o coração flutua,

e a tempestade no deserto
puxa toda a areia
que se acumulou
nos porões da alma,
que enternece
a poesia
de luz e semeadura
infinda
no arrebol
de minhas tão
sonhadas
montanhas
de frio,

quando a noite
na floresta negra
anuncia
em seus vales
a memória
perdida
na névoa
da miragem
que vê
um oásis
como luta
visionária
pelo futuro
em arcanos
esotéricos.

O amor envolve
o meu corpo
na música
pelo sol
rimado
pelo desejo,

e pela lua
no sentimento
brutal
do que vejo.

É o mesmo sentido
da honra
que reina
na poesia
pela luta
infinita
de estar vivo
como o pássaro
da lenda
nos altares,

por estar vivo
com o coração
posto dentro
das batidas
em meu sangue
sequioso
pela eternidade,

e o amor dançando
em volteios
na ilusão
dos sentidos.

A dor sempre será
o mesmo corte
no coração
e o mesmo corte
na carne,
a fratura do corpo
com ossos aniquilados,
e o vazio da alma
com luzes de névoa
na selva do poema
que some nos vãos
às margens escuras
dos ritmos
e no lado oculto
das visões.

O visionário um dia
irá repousar
na paz dos justos,
pois a justiça
é o nervo existencial
de que fala
o poema.

04/08/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)




A METAMORFOSE DO RIO

Passando pelo velho rio caudaloso,
escuto as estórias e lendas,
um espírito zombeteiro
flutua na nascente
com flores de cobre
e desandando a falar
dos horrores da floresta.

Uma mesma fonte
mata a sede
dos cavalos.

Um mesmo rei
corta as cabeças
dos súditos.

Eu atravesso o sistema
com a náusea do dinheiro
nos pés da revolução.
Eu saúdo Che enquanto
canto em gestos
a queda espiritual
dos andarilhos.

O rio estranho da iluminação
me invade todas as cores
em todos os meus poros
com o arrepio do miasma
na pele bronzeada,
e os cavalos correm
tresloucados.

Pescando entre régios elementos
de vinha e sarça,
o fogo venera
a luz incontida
do mundo.

Os carros na distância
batem e capotam
por aí depois
da noitada
frenética.

Eu dou uma galimatia
e depois um salto
no escuro.
As trevas são noites sem fim
no inverno dos amantes.

O rio corre impassível,
o espírito zombeteiro
se desfaz em fumaça
e cai um lençol branco
sobre a água,
logo ele fica vermelho
e o rio fica vermelho.

A água transmuta em vinho,
o vinho do sangue da juventude
na ponta da espada
que quer poesia
no espelho d`água
do rio que se perde
no mar do infinito.

04/08/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

NOTAS LISÉRGICAS

As latitudes corroem
todas as direções
longitudinais.

Creio no salmo e no provérbio
vestidos de vermelho.
A cor-furta grita
embalsamada
de fera,
como as cartas de jogatina
entre fumadores de ópio.

Vasta a flora da poesia
muda úmida descida
aos porões da guerra,
ditaduras de febres
com arapongas
anotando tudo,
e vi, no ritmo denso da polca,
extravios de cartas
no magma da História.

O fauno irritado
numa nuvem de LSD
desceu ao inferno da Terra
com plantas carnívoras,
comi uma flauta em seus chifres
e um ódio animal
aflorou
nas luzes
de uma
bad trip.

O norte fica ao sul
da montanha,
o leste é conflagrado
no oeste desconhecido,
e o centro do mundo
é o fogo-círculo
que vigora e arde
nas sete estrelas
do pau-de-arara,
gritos são ouvidos
e as orelhas temem
o sangue de Van Gogh.

Na estrada de terra batida
ainda está bruta
a cova indigente.
Na beira do despenhadeiro
eu vejo bêbado
uma música
de sonho
como
uma "lullaby"
for today.

O palhaço monta a sua lona,
o teatro dos ossos
rumina pasto
e bestialidade,
como todos os atores
o palhaço sorri
como um bebê.

O prodígio encantatório
semeia à pauladas
um homem forte.
As marafonas se deliciam
com o ventre e o karma
de suas ancas
sem moderação.

Na cadeia estava um poeta
com suas ervas e fungos
no canto selvagem
das ocas canções
do coração vazio
do nada que atravessa
ausências
quando a morte
chega.

Jogando buraco
ou pôquer,
jogando damas
ou xadrez,
jogando gamão
ou jogando
tudo fora,
boêmios querem
viajar
para a lua
como um êxtase
de ventura,
não sei o que devo
fazer.

Tenho planos demais.
Tenho sonhos demais.
Não consigo organizar
os dias em que
caio.
Não tento pegar o tempo
e subjugar
todas as minhas
angústias.

Não vou me dar bem,
não vou ficar milionário,
não farei sucesso.
Vou deglutir a propaganda
enquanto meu passaporte
não sai.

Vou espezinhar os poetaços
enquanto os meus livros
não vendem.

Vou contar anedotas
como lendas
no frontispício
de lumes
contorcidos
pelas névoas.

Vou cantar o absurdo
na minha pele rota
como um anoréxico
que sofre de morbidades
e furúnculos.

A diagnose me condenou
à eternidade da doença,
os junguianos
sofrem de kardecismo
búdico,
e o mensageiro da doença
fincou sua espada
no coração das trevas.

Enquanto o sonho se dispersa,
a vigília desperta
na hora do caos,
e a serpente morde
a viúva do céu
retirado
de seus olhos,
uma nova dança mortal
se vestiria
de vermelho
como no Sabá,
e de branco
como no Candomblé.

O juramento pela vida eterna
em parábolas
era o amor divino
com tempestades diabólicas
de um Lúcifer
indignado,
e Jesus como caminho
é a morte do corpo e da finitude.

Sentiria na carne
as dores de um anátema.
Volveria da lama
os odores do inferno.
Recitaria uma trova
de harmonia provençal.
Declararia o meu amor
pelas fadas psicodélicas.
E tocaria "Crown of Creation"
e "White Rabbit"
enquanto escreveria
novas sensações
que defloram
o verbo
num ato sacrificial
de pães ázimos.

A tolerância da insanidade
cresceria como gigante
na terra dos corpos delgados,
e a vida tomaria de assalto
o fardo da arte
para novos talentos
eclodirem
de seus ovos
como vermes
que viram anjos
depois
do apocalipse.

04/08/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)



SOME OLD SHIT

Vamos, que é a hora do afogado
na vestimenta que adorna
o ventre-matriz da lordose.

Nonagenários sonham
com novas uivadas flores,
corre o sonho do jovem
querendo a falácia
de filosofemas,
silogismo que é mentira
de paradoxos falsários.

Coma carne crua,
ande pelado pela rua.
O poeta faz a performance
num sítio escuro
com esqueletos vivos,
dança na suástica
enrolado na bandeira
dos Estados Unidos.

Mas que morfema fonético
triturou a tua língua?
Foste poeta de um ridículo
teatro de tortura?
Eu leio o jornal
e dele o sangue nobre
é um elemento-carne
sem os respingos
da alma e da arte.

Calmo, eu vou na nota
das classes de putas
diversas,
bundas,
quadris,
peitos,
nomes fictícios.

Me divirto pesquisando
sobre carros que nunca
sonhei ter,
vejo a guerra
e o sopro sufocado
da economia,
leio a página dos famosos
como se nunca
tivesse lido
senão projetos
e viagens que foram
só para fazer troça
dos pobres idiotas
e assalariados.

E o grito primal
da fera assassina
quis o coração imberbe
do poeta
como manchete
de um crime,
mas morreu de fome
e anônimo
sem carne
e sem alma.

O latrocínio dos déspotas
reuniu todas as façanhas
de presidentes impossíveis.

O mercado refreou
o caos da especulação
em suas tripas
com uma nova regulação
estatal de suas viroses
e tumores.

Como haveria de dar certo
esta sanha
por novas carteiras
de débitos infinitos?

Comam carne crua
e bebam almas nuas,
sejam anátemas
e gnósticos
e façam pacto de sangue
pela riqueza,
descansem numa cabana
na montanha
e esqueçam da vida!

O poeta não ensina
poesia e faz poema
como chora,
o poeta não é livre,
pois a liberdade
é só uma ideia
muito ideal,
e os ideais já passaram
pelo fogo da loucura.

Lograr êxito demanda
um bocado de decepções,
o amor é o principal
vilão do coração incorrigível,
podemos comprá-lo
sem saber
como vendê-lo
depois,
e a paixão nem pensa nisso,
ela quer de graça
o que custa caro,
e não reconhece
o disparate
de seu desejo.

Como poeta, ou talvez
artista de visão,
a morte não calcula
as escolhas feitas,
e a vida das escolhas
não resulta
em êxito ou fracasso,
a ponte é uma só
e  a verdade
é o que passa nela
enquanto nela estamos.

E o fim do caminho
não é nenhum fim,
uma vez que tudo
pode ser eterno
se estivermos sãos.

Leio a classificação
das palavras
num amontoado
de expressões,
e a expressão
máxima
do caminho
não é filosofia,
nem literatura,
é o sangue
e seu fluxo
que não cessa
senão
na hora
do caos.

03/08/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)