Antes, éramos luzes, neste solo contaminado, trevas! Não que goste de me ver entre as profanações, minha alma titubeia e se afoga, o corpo se entrega ao desvario, e estarei sempre no recreio do inferno, na enfermidade! Só que não me fazem livre o dogma e nem a santidade da razão, são todos porcos. Serei a heresia! A heresia é sã e o fanatismo não! Meu testemunho vai de encontro aos pudores atrofiantes do domínio das pulsões, meu gozo será de extremo prazer. Viva o desbunde! Que seja ingênuo! Pouco importa!
Neste tempo de demência santa, serei então traficante de sonhos, de artes grotescas, de poemas idiotas! Minha feira será exposta no vernissage do Diabo, lá onde corações são devorados por cães no fogaréu! E meu riso será só gargalhadas, no vinho transbordante, no meu ácido imaginário. Serei guardião da agonia, ou ainda, outro santo do pau oco, o animal mais apavorante, viverei de pesadelos ... e tudo que era antes tão bonito, sendo hoje vistas cinzas. Logo, a resignação é sádica, é ironia, disfarce da vontade primitiva que quer tudo explodir. Não creio ser ímpio, nem tampouco franciscano, admiro todos. Mas, sou da corja dos enfermos da epidemia! Minha natureza é por demais inquieta para a resignação e nunca tive disciplina para nada.
Vou aniquilar todas as pretensões, nem a ciência e nem a Igreja responderão por mim, serei eu a própria fonte de minha plenitude ou de minha destruição. Mas, tendo a desgraça à espreita, morrerei de peste sob um manto azul, sou batizado e tenho a salvação do ar, sopro de plenos vapores! Por mim, serei imortal, pela carne, morrerei! Este é o destino inexorável, origem das aflições, a alma ferve até esgotar o corpo. Estamos todos cercados! O pelotão de fuzilamento da vida é eficiente, a morte já vem como garantia. Eis a ironia de Deus!
Em franca derrota, no abismo, estarei agonizante. Flutuarei sobre o meu cadáver alinhado entre flores com um sorriso cataléptico no rosto. Voltarei, acordarei e morrerei sufocado debaixo da terra, meus novos vizinhos serão vermes, será então a liberdade? Não creio na liberdade! Ora, discutindo sobre a liberdade seremos livres? Ou ela própria designa sua impossibilidade? Será para sempre impossível ser livre, não podemos fugir do si-mesmo, eis a enfermidade, nossa prisão, o tormento, a violência, o problema sério de existir, a doença provocada pelo estar-no-mundo.
O Senhor me deixa queimar neste inferno, não lhe devo favores. O delírio é meu altar! Sou degeneração psicodélica! O êxtase da juventude! Tento ser simples, mas a percepção é caótica, queimarei de febre, tremerei de frio, a doença será da epidemia, mais alucinações! O desastre será então o relâmpago da criatividade! Inspirações serão descargas elétricas! Minha luz nesta via apagada. E que será do mundo? Eis o enfermo! Seremos convertidos em energia depois de megatons titânicos? Não me preocupo mais, também estou doente, agora tenho respeito pela ignorância, me vejo nela, sou o mais estúpido, de festas arrombadas, não tenho dinheiro, me torno pilantra.
Lendo todos os filósofos pragmáticos, tentando curar a minha falta de praticidade, serei megaespeculador até que os megatons me desintegrem, e depois, aí sim, poderei contemplar o universo nu e livre da humanidade, e já não serei eu que estarei ali, e então, será a liberdade? Não sei, quero que tudo vá para o inferno! A existência é, na verdade, um imbróglio, não sou pessimista, só reclamo, não tenho o que fazer. Também nunca serei livre.
A natureza humana é dúbia e confusa, espero talvez um céu a posteriori, mas vivo aqui e agora, e é onde o infinito se torna, e onde nos confundimos e o conflito se funda, mas, conheço este mundo ainda muito pouco, sei muito mais do sonho. Mesmo que caminhe enfermo como o mundo, creio na verdade, não nas que são impostas, creio no discurso do silêncio, a contemplação do momento, o qual é instante raro.
Não consegui afastar de minha alma a doença que me oprime, por enquanto, continuo a tomar venenos, não sinto culpa, isso é coisa de idiota. O pecado é idiota! Somos idiotas! Afinal, o erro é necessário na busca da verdade. As frases me parecem estranhas, tudo o que digo é pérfido e não merece bênção, nem peço qualquer piedade. Minhas queixas também são idiotas. Mas, tenho tempo para as tolices, prefiro escrever do que ler, a diversão é única! É quando construo toda a sordidez da minha dialética orgânica.
Não tenho régua para metros, a vida não pede medida, e logo não tenho limites! Minha vida tola pode ser salva pela literatura ou serei para sempre vício, enfermo? Ainda posso ser livre? Não escaparei, deitarei na cama suando frio e entrarei no redemoinho, sendo sempre transe onírico e letárgico que se expande inutilizado. Mesmo assim, encontro ainda alguma compreensão de toda essa loucura, apesar da minha própria incapacidade, e descanso após ter fumado erva.
Acidente de percurso! O vício é sórdido! Não consigo! Não consigo! Tenho sempre que cair! Sou inocente! Não! Não me prendam! Já não saio mais da ilusão! Estou enfermo! Todos estão! É o sacrifício das almas, este mundo! Não quero mais viver escravo! Espere! Será que levanto? Ah! Quem me dera a sabedoria, conseguiria talvez a paz, mas, a realidade é infernal! Pasmem!
Ainda sóbrio, talvez, possa dizer com mais sofisticação imagens supérfluas, mas, não invento, meu sangue jorra, tudo é reflexo! Poemas são como Jazz! O jogo se dá no inusitado, não é um processo pré-determinado, vamos quebrar todos os determinismos! Me perderei nos símbolos! Mesmo sem garantias de sobrevida, ainda aproveito mesmo assim. Viverei a vida, afinal! Mesmo que ande sombrio, me salvo pela arte. Não digo senão absurdos e não sei se me entenderão, mas, não importa, a arte sobretudo, é isso que importa, única salvação! A música! A pintura! A poesia! Todas as manifestações humanas são imbuídas da arte, quero dizer sobre a importância de toda arte, até para a cura, sejamos gratos. É a beleza sobretudo, esta salvará o mundo! Não sei e não a conheço, vivo no universo trágico, mas, espero um dia estar no paraíso.
Ainda vivo, e mesmo enfermo, sou o mesmo. Meu vício agora me expõe, viverei sob domínio hipnótico, o demônio interior é ardiloso. Estou no caos! O caos é a única realidade, não consigo mais me recordar das coisas, a corrupção dos sentidos é prejudicial. Mas, não é o mal que me aflige, é o medo de não viver o suficiente, o tempo é radical. O abismo muito mais. E o que me resta é fragmento, não alcançarei a totalidade, a velha ilusão da Metafísica! Minha loucura tratará de mergulhar no caos, no mundo! Sou demasiado onírico e talvez me perca, não acordarei a tempo de me salvar, mas quem disse que a salvação existe? Só acredito no instante, somos caóticos, milhões de conceitos nos formam, mas, meu tempo se dá na música, esta é que, talvez, me salvará da loucura. Mas, os conceitos, o esclarecimento que procuram, geram mais confusão, talvez sejamos idiotas procurando algo que não se pode ter e Deus ria de nossa cara. Não blasfemo, o que digo é verdade, mas também não digo que nada tenha sentido e função, estamos condenados a procurar eternamente o nada. É o destino novamente! A enfermidade é lógica, é o consumo, o devoramento, a gula do mercado! Heróis são ilusões! A selvageria não é ética! A fome! A fome! A fome! O que fazer? Corrompemos o mundo, o consumo é suicida, a humanidade é suicida, somos um mundo enfermo.
Tudo é desenvolvimento! Será? Melhor me calar. Vivo também intoxicado, as indústrias poluem tanto quanto eu degenero o meu organismo. A ganância matará o mundo! Sequestramos a realidade, queremos tudo, não abdicaremos de nosso poder! A violência, a guerra, o bruto poder! A banalização cultural que traz a anemia criativa e a demência decorrente do comodismo tecnológico! Mesmo que sejamos cada vez mais exigidos, a vulgaridade é soberana, sempre. É a ruína de toda a incerteza. Tudo é mercado, o mundo está plastificado, me deem algo natural! Não quero saber do estado de espírito do mercado, me deem a contemplação da beleza, não quero mais a enfermidade. O vício não terá mais domínio, não estarei mais aqui, voarei, porque a plenitude me espera, e nunca mais voltarei para este mundo, ou poderá ser mais uma ilusão e, na verdade, estarei morrendo lentamente. Eis aí minha lástima, perco para a doença, cairei prostrado com o olhar catatônico, no limbo.
Caí em minha dimensão única de plenitudes e desvarios. Ouvindo “Fire” de Jimi Hendrix, um ser de cocaína pura, noite do vagar estrelado que irrita o jovem poeta com suas memórias etílicas. O flagrante o levou embora para uma esfera restante da paixão.
Oras, que horas são? O tempo desta prosa me faz cantar inutilmente para a mulher que passa e me ignora, eu sou o torpor da noite casta de sexo, farândola, faca, tesoura, copo, garrafa, relógio, objetos fúnebres sobre a minha tumba, um drink para comemorar a messe que vos deixo em meus escritos, são sinceros, sinceros e ridículos, são trevas de luz e um paradoxo flutuante.
Me lembro das tramas de Hitchcock que me envolveram de forma brutal tal como um conto de Poe. Eu li a vida de escritores e loucos, todos morreram de overdose, todos morreram por excesso de vida!
E quando estarei entre eles, no céu dos músicos? Lá onde as drogas são romantizadas com perfumes de flores e devaneio carnal? Não vou ficar aqui neste mundo sem uma vida extraordinária, não vou ficar com o terrível sonho do jardim, nem com a vã inspiração de um matadouro de santos.
Eu entendo Kurt Cobain, entendo Sid Vicious, adoro o rock`n`roll de nuas canções, sou adepto das viagens psicodélicas, sou uma floresta de arroubos e rompantes de imaturidade fatal.
Quando vejo o lugar ideal, este está no paradeiro enigmático e triste de Syd Barrett, o louco elegante. O lugar ideal é Pompéia, escutando Pink Floyd e lendo Jack Kerouac, depois me vem a insanidade de Burroughs e suas seringas, um tempo de cólera acorda com os niilistas da corja de punks sujos e bêbados brigando com skinheads anátemas.
Eu acordo do sonho dos hippies, lá estavam os doidões do Grateful Dead, vem agora o tempo me dizer que todos eles morreram, a nostalgia pode ser curada com um pouco de inalantes, a vida é uma dança macabra, e os sonhos de poeta são a passada desta dança em forma de palavras, palavras que não dizem nada de importante, mas que são palavras que harmonizam com a existência. Hoje acordei meio grunge, quero ouvir um Alice In Chains e pensar na morte da heroína, venho aqui lembrar dos heróis antissociais, estes marginais que foram devorados pelo mainstream como grandes estandartes do “born to be wild”, todos os que morreram com 27 anos, da maldição de serem atemporais, tenho no sangue o desejo destes sonhos, mas já passei pelo perigo, e agora estou são dentre os restos dos adoradores do Diabo. Tudo é passado selvagem, e a vida então vive do agora como a embriaguez da poesia, vestimenta dos revolucionários, tempo dos temerários, vida dos desregrados, sentido da arte, caos do sentimento, a intensa alma que ilumina o mundo, um dia de liberdade em Woodstock, nada mais.
O blog recebe textos do autor Gustavo Bastos. Resenhas, poemas, contos, textos livres, filosóficos e o que mais vier, sempre lutando pela valorização do escritor brasileiro e quebrando resistências e preconceitos em relação a poetas, escritores, artistas e toda classe criativa que habita o Brasil. Grato pela visita e pela leitura. Humildade sempre.