PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 2 de outubro de 2010

MEDITAÇÃO NO PALCO




I

Quantas voltas vai o meu coração dar

Até te encontrar?

Peguei a chave da noite

No acorde da lua,

Trouxe a minha viola

De vinho para beber

Com o teu olhar,

Persisto na rua para olhar bem

O teu olhar.



Quando eu esperava,

Sem notar que a espera

Era uma falta de peito e emoção,

Summertime tocava com Janis

No meu colo.



Eu estava numa peça de ação,

Perdido em festas e loucuras,

Com o doce coração sem fel,

Com a lucidez de um fumante de erva,

Eu estava numa ação desordeira,

Num concerto do verão anunciado

Ao pórtico e às estátuas do além.



Fazem anos que os mundos desabam,

E o canto frenético

Na minha alma que ri,

Com flores do sol e da amplidão,

Cortando o meu choro

Num blues bem velho.



Eu, em pouca noite,

Nem tive que percorrer

Os antros em que os vadios

Se comprazem no vício,

Eu estava em toda madrugada

Com uma certeza libertina

De tudo festejar,

Como eu era então filho da virtude

Por horas de beberagem,

Recitando Neruda e Lorca,

Sendo a alma titânica

Dos confins em que viveram

Os devotos do mito,

Eu que não sei amar muito bem

O céu e o horizonte,

Eu que gosto de me perder

Nas flores maléficas de Baudelaire,

Por me fartar na nuvem

Do espólio dos que giravam

No mar do desejo,

Como uma estrela queimando

As ordens lógicas,

Como um petardo antiaristotélico.



Era, em bem pouco tempo,

Meu coração partido,

Um batimento com o tempo

Das coisas inversas,

Que versam para o nunca distante,

Para o caminho das mudanças

De estações,

Que ouço num átimo o espírito de luz

Que me pegou desvairado,

Vento que surge no ar,

Faz de conta que é uma estória

De roubo

Nos vizinhos corações

De que tantos pecados

São conquistas,

O meu itinerário de fantasia.



II

Minha visão que sentiu

O último sentido da vida,

Minha visão da montanha do céu,

Imersão de lírica e drama,

Desta música do ar,

Miles Davis nuclear,

Para os fins de unção do verso

Que já se declarou festeiro

Até a morte,

Que já montou a ponte

Aos melhores dias da vida.



Não tive, não senti,

A surpresa da vingança,

Andava distraído

No ódio do mar aberto,

Com o sangue ferino

Para o ódio do meu ser de bronze,

Com a emoção de fluir

Para um delírio de hippies.



Uma era de amor,

Aquário que me possui

Sobe à minha janela.

Eu era o olho da chuva

E depois o olho do sol,

Eu era uma chuva

E depois virava sol.

Tua mão, mulher,

Eu a queria para o meu anel de ouro.



Indo à casa do infinito

Pelo que me mantém vivo,

Muita aventura de comédia

Para o caminho que encontrei,

Uns sentimentos caridosos

Me invadiam a alma

Que eram o vento

Dentro das minhas sensações artísticas,

Eu tinha a estética pura

No meu coração de poeta,

Desenvolvida do pranto.



Primeiro momento

Que se eterniza

Na chama do prazer carnal,

O teu corpo em fogo

Que vem ao meu corpo em fogo,

A nuvem do destino

De dois corpos prontos

Ao devaneio da noite furiosa,

A ilusão carnal

Como a verdade que irrompe,

Quando eu era jovem e sedento,

Perdido quando era necessário,

Futuro homem de artes e de paz.



Te chamei, nobre noiva da ilusão,

A tua boca que não me temerá,

O teu corpo que não me temerá,

A tua coragem que não dormirá

Em mim impunemente,

Eu te dou um poema

E eu tenho a você.

Eu sou a noite que te busca,

A boca que te afoga,

Um refém do amor das coisas,

Uma alma no calor das visões.



III

Onde foi o destino encontrar o amor?

Onde está aquela que me fez arder

No corpo que eu toquei?

Na alma na qual me derramei?

Lá longe foi, como uma noite

No sótão escondida,

Como um beijo que foge no amanhecer,

Breve correndo diante do que se deu,

Uma mansão dos hinos antigos

Com as cores da imaginação,

Foi um momento,

Há pouco tempo que foi a dor

Que um dia existiu

Na condição humana da dor,

Uma estrela que guardei em mim

Como era a noite,

E como era linda,

Como era uma menina

Dessas que vai embora

Para o palácio dos sonhos,

E onde permaneci

Na ilusão de segurá-la

Para mim.



Eu esperava a canção misteriosa irromper

Como sete espadas de metal nobre,

Investigando cada átomo das coisas indizíveis,

Como quem não dormiu na noite anterior,

Ou que derramou álcool na roupa suja,

Até um triste seria mais desenvolto

No precipício do grito,

Naquela noite passada

Às madrugadas tolas,

Como o tempo de ser malandro

Procurando fortuna,

Como um alguém

Que já muito se perdeu pelas ruas

Do desencontro,

Procurando a mulher silente

De seus delírios intensos,

A única que poderia me salvar

Do abismo de todo artista torturado

Pela existência,

Quando eu me vejo refém do que brilhou,

Quando tudo era diversão,

Quando tudo era poeira no desvario,

Nesse tempo longo e solitário

Em que vivo sem um coração

Na minha sala ou no meu quarto,

Com um pesar de estar morrendo

Sem sorrir para o dia

Quando acordo.



Faz tanta falta

Um maravilhoso descanso

Pelas músicas

Do abismo que sinto?



Se faz tanta noite

No meu eterno pecado,

Quem foi arte

Para o céu que vi?

Quem era o meu sol de verão?

Quem será que virá

Da selva da cidade

Me encontrar com o tédio

Me subjugando o coração?

Quem me acordará?



Fui para a manhã

Que rumou para o norte,

O norte do céu de cima

Que descansa eternamente.

Não posso mais morrer,

Não posso mais fugir,

Não consigo ficar sóbrio.

Onde foi o castigo?

Onde foi a maldição da vida boêmia?



Venha, ó fonte me perdoar,

Porque fui insano

Ao perder a paz

Que você me daria,

Porque sonhei,

Porque existo!



Já faz muito tempo

Que o coração foi embora,

Eu adorava um parque

Das canções ébrias,

Que nem uma amante louca

Um dia pensou,

Perto da glória

Das coisas grandiosas

Que o céu guardou

Para voar no salto

De uma revolução.



Summertime ainda toca

Enquanto eu escrevo

Este poema.

O coração ventila

O êxtase da canção solitária,

Tudo me invade agora.



Já tanta noite perdida

Pelas voltas das várias vidas,

Que eu poderia ter sido um assassino,

Que eu poderia ter sido um feiticeiro,

Um monge, um anarquista,

Um palhaço ou um vigarista.

Talvez me tome a loucura de um santo,

Homem pássaro

Que poderia se inebriar

E depois galgar os cimos

Do que o coração quer.



E aqui estou num último recital:

“Que ela ainda fenece em mim,

Que ela me queira,

Que regresse ao sol que me clareia,

Que ela não se esqueça

Do que no meu peito intumesce,

Paixão de adolescente.



Quero ela ela toda ela.

Mais bela que a pose para a pintura,

Mais bela que a bela do príncipe.”

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