I
Quantas voltas vai o meu coração dar
Até te encontrar?
Peguei a chave da noite
No acorde da lua,
Trouxe a minha viola
De vinho para beber
Com o teu olhar,
Persisto na rua para olhar bem
O teu olhar.
Quando eu esperava,
Sem notar que a espera
Era uma falta de peito e emoção,
Summertime tocava com Janis
No meu colo.
Eu estava numa peça de ação,
Perdido em festas e loucuras,
Com o doce coração sem fel,
Com a lucidez de um fumante de erva,
Eu estava numa ação desordeira,
Num concerto do verão anunciado
Ao pórtico e às estátuas do além.
Fazem anos que os mundos desabam,
E o canto frenético
Na minha alma que ri,
Com flores do sol e da amplidão,
Cortando o meu choro
Num blues bem velho.
Eu, em pouca noite,
Nem tive que percorrer
Os antros em que os vadios
Se comprazem no vício,
Eu estava em toda madrugada
Com uma certeza libertina
De tudo festejar,
Como eu era então filho da virtude
Por horas de beberagem,
Recitando Neruda e Lorca,
Sendo a alma titânica
Dos confins em que viveram
Os devotos do mito,
Eu que não sei amar muito bem
O céu e o horizonte,
Eu que gosto de me perder
Nas flores maléficas de Baudelaire,
Por me fartar na nuvem
Do espólio dos que giravam
No mar do desejo,
Como uma estrela queimando
As ordens lógicas,
Como um petardo antiaristotélico.
Era, em bem pouco tempo,
Meu coração partido,
Um batimento com o tempo
Das coisas inversas,
Que versam para o nunca distante,
Para o caminho das mudanças
De estações,
Que ouço num átimo o espírito de luz
Que me pegou desvairado,
Vento que surge no ar,
Faz de conta que é uma estória
De roubo
Nos vizinhos corações
De que tantos pecados
São conquistas,
O meu itinerário de fantasia.
II
Minha visão que sentiu
O último sentido da vida,
Minha visão da montanha do céu,
Imersão de lírica e drama,
Desta música do ar,
Miles Davis nuclear,
Para os fins de unção do verso
Que já se declarou festeiro
Até a morte,
Que já montou a ponte
Aos melhores dias da vida.
Não tive, não senti,
A surpresa da vingança,
Andava distraído
No ódio do mar aberto,
Com o sangue ferino
Para o ódio do meu ser de bronze,
Com a emoção de fluir
Para um delírio de hippies.
Uma era de amor,
Aquário que me possui
Sobe à minha janela.
Eu era o olho da chuva
E depois o olho do sol,
Eu era uma chuva
E depois virava sol.
Tua mão, mulher,
Eu a queria para o meu anel de ouro.
Indo à casa do infinito
Pelo que me mantém vivo,
Muita aventura de comédia
Para o caminho que encontrei,
Uns sentimentos caridosos
Me invadiam a alma
Que eram o vento
Dentro das minhas sensações artísticas,
Eu tinha a estética pura
No meu coração de poeta,
Desenvolvida do pranto.
Primeiro momento
Que se eterniza
Na chama do prazer carnal,
O teu corpo em fogo
Que vem ao meu corpo em fogo,
A nuvem do destino
De dois corpos prontos
Ao devaneio da noite furiosa,
A ilusão carnal
Como a verdade que irrompe,
Quando eu era jovem e sedento,
Perdido quando era necessário,
Futuro homem de artes e de paz.
Te chamei, nobre noiva da ilusão,
A tua boca que não me temerá,
O teu corpo que não me temerá,
A tua coragem que não dormirá
Em mim impunemente,
Eu te dou um poema
E eu tenho a você.
Eu sou a noite que te busca,
A boca que te afoga,
Um refém do amor das coisas,
Uma alma no calor das visões.
III
Onde foi o destino encontrar o amor?
Onde está aquela que me fez arder
No corpo que eu toquei?
Na alma na qual me derramei?
Lá longe foi, como uma noite
No sótão escondida,
Como um beijo que foge no amanhecer,
Breve correndo diante do que se deu,
Uma mansão dos hinos antigos
Com as cores da imaginação,
Foi um momento,
Há pouco tempo que foi a dor
Que um dia existiu
Na condição humana da dor,
Uma estrela que guardei em mim
Como era a noite,
E como era linda,
Como era uma menina
Dessas que vai embora
Para o palácio dos sonhos,
E onde permaneci
Na ilusão de segurá-la
Para mim.
Eu esperava a canção misteriosa irromper
Como sete espadas de metal nobre,
Investigando cada átomo das coisas indizíveis,
Como quem não dormiu na noite anterior,
Ou que derramou álcool na roupa suja,
Até um triste seria mais desenvolto
No precipício do grito,
Naquela noite passada
Às madrugadas tolas,
Como o tempo de ser malandro
Procurando fortuna,
Como um alguém
Que já muito se perdeu pelas ruas
Do desencontro,
Procurando a mulher silente
De seus delírios intensos,
A única que poderia me salvar
Do abismo de todo artista torturado
Pela existência,
Quando eu me vejo refém do que brilhou,
Quando tudo era diversão,
Quando tudo era poeira no desvario,
Nesse tempo longo e solitário
Em que vivo sem um coração
Na minha sala ou no meu quarto,
Com um pesar de estar morrendo
Sem sorrir para o dia
Quando acordo.
Faz tanta falta
Um maravilhoso descanso
Pelas músicas
Do abismo que sinto?
Se faz tanta noite
No meu eterno pecado,
Quem foi arte
Para o céu que vi?
Quem era o meu sol de verão?
Quem será que virá
Da selva da cidade
Me encontrar com o tédio
Me subjugando o coração?
Quem me acordará?
Fui para a manhã
Que rumou para o norte,
O norte do céu de cima
Que descansa eternamente.
Não posso mais morrer,
Não posso mais fugir,
Não consigo ficar sóbrio.
Onde foi o castigo?
Onde foi a maldição da vida boêmia?
Venha, ó fonte me perdoar,
Porque fui insano
Ao perder a paz
Que você me daria,
Porque sonhei,
Porque existo!
Já faz muito tempo
Que o coração foi embora,
Eu adorava um parque
Das canções ébrias,
Que nem uma amante louca
Um dia pensou,
Perto da glória
Das coisas grandiosas
Que o céu guardou
Para voar no salto
De uma revolução.
Summertime ainda toca
Enquanto eu escrevo
Este poema.
O coração ventila
O êxtase da canção solitária,
Tudo me invade agora.
Já tanta noite perdida
Pelas voltas das várias vidas,
Que eu poderia ter sido um assassino,
Que eu poderia ter sido um feiticeiro,
Um monge, um anarquista,
Um palhaço ou um vigarista.
Talvez me tome a loucura de um santo,
Homem pássaro
Que poderia se inebriar
E depois galgar os cimos
Do que o coração quer.
E aqui estou num último recital:
“Que ela ainda fenece em mim,
Que ela me queira,
Que regresse ao sol que me clareia,
Que ela não se esqueça
Do que no meu peito intumesce,
Paixão de adolescente.
Quero ela ela toda ela.
Mais bela que a pose para a pintura,
Mais bela que a bela do príncipe.”
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