da aurora, o sonho numa noite
de verão apaixona e atordoa,
o leito macio e os lençóis beatíficos,
toda uma fauna e um bosque
para serem desbravadas,
e o poeta que sonha
com plantas alucinógenas
e poros de fungos
na plenitude do sol.
A poesia ondulada
e clássica flutua
neste dia solar,
um arco de infinitude
campeia este mundo
espiritual das fadas,
em que o famélico
capitão, recém-chegado
a esta Ilha lotófaga,
se vê atracado
num balde
com peixes
e camarões.
Neste reino as divinações
pertencem às fadas
e não são dom dos mortais,
toda a feira aberta em Feéria
tem causa e efeito,
o nexo da realidade
que se embriaga
de fantasia ainda
é co-criação,
tem fundo real,
dizia o filósofo
da montanha,
Duna, o cego,
que balançava
o seu cajado,
no frio de sua caverna.
Não se sacia o sonho,
ele se torna delírio,
o poeta toma um
último gole da Lótus,
ele pensa levitar,
vê desnudo Feéria,
e parece diluir
num riso solar,
com os sentidos
sinestésicos
do bosque,
e sentindo
um som sutil
das origens
da narração
e dos contos
orais.
Havia um deus morto,
que tinha sido devorado
pelo templo de Aton, o sol,
que era Baal, hoje um tipo
de ser banido, demoníaco,
cujo outro nome de totem,
um grito primal Moloch,
dormitava no inferno,
era uma blasfêmia
contra as iluminações
da fantasia de Feéria.
Gentil, o campônio de pele alaranjada
levava uma cesta de maçãs, um menino
passava correndo nos prados,
ele brandia um porrete,
aves voavam, eram abutres
que levavam carcaças de peixes,
ali perto, numa enseada,
o povo falava de nereidas,
e tudo o que a fantasia
poética poderia conceber
num transe místico.
Além do mar visto,
na cachoeira das gargantas,
o fim do mundo
cantava como
nas cataratas da Núbia,
um estalar de almas mortas
que do dilúvio agora
habitam inertes
a lua sinistra
em que geme
o báratro,
num satyricon
romano e decadente.
No agito das águas,
a tempestade, que
já havia levado
a Górgona embora,
carregou seus heróis,
com Tritão em alvoroço,
e um navio tombado
entre as algas e os musgos
nas pedras do penedo,
e a loucura do poeta
que perguntava doidices
a Duna como se este
fosse um santo ou
um tipo de visionário,
e nada obtinha senão
enigmas e aporias.
Na Feéria já reinava
o ciclo das vestais,
depois de Morgana
e Circe, depois
do suicídio de Safo
e a harmonia de
Anacreonte.
No Templo de Ártemis
havia um odor de ervas
que agradava aos
anjos da anunciação,
ainda em época pagã.
Sim, depois da ressaca,
baixou à face do poeta
uma sílfide, e seu corpo
agora tremia e se agitava,
uma febre lhe tomava
as vestes suadas,
e depois daquele transe
em que seu devaneio
fez delírios com os lírios,
ele acorda, de manhã,
a cama ensopada,
uma garrafa de rum
que jazia vazia na
cabeceira, e um
lenço vermelho
de mulher pendendo
de cima da janela,
ele sonhara a noite
inteira com Feéria
ao beber loucamente
aquela aguardente
de pirata.
19/05/2023 Gustavo Bastos