PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 19 de maio de 2023

FEÉRIA

Belo canto do fauno, flauta doce

da aurora, o sonho numa noite

de verão apaixona e atordoa,

o leito macio e os lençóis beatíficos,

toda uma fauna e um bosque

para serem desbravadas,

e o poeta que sonha

com plantas alucinógenas

e poros de fungos

na plenitude do sol.


A poesia ondulada

e clássica flutua

neste dia solar,

um arco de infinitude

campeia este mundo

espiritual das fadas,

em que o famélico

capitão, recém-chegado

a esta Ilha lotófaga,

se vê atracado

num balde

com peixes

e camarões.


Neste reino as divinações

pertencem às fadas

e não são dom dos mortais,

toda a feira aberta em Feéria

tem causa e efeito,

o nexo da realidade

que se embriaga

de fantasia ainda

é co-criação,

tem fundo real,

dizia o filósofo

da montanha,

Duna, o cego,

que balançava

o seu cajado,

no frio de sua caverna.


Não se sacia o sonho,

ele se torna delírio,

o poeta toma um

último gole da Lótus,

ele pensa levitar,

vê desnudo Feéria,

e parece diluir

num riso solar,

com os sentidos

sinestésicos

do bosque,

e sentindo 

um som sutil

das origens

da narração

e dos contos

orais.


Havia um deus morto,

que tinha sido devorado

pelo templo de Aton, o sol,

que era Baal, hoje um tipo

de ser banido, demoníaco,

cujo outro nome de totem,

um grito primal Moloch,

dormitava no inferno,

era uma blasfêmia

contra as iluminações

da fantasia de Feéria.


Gentil, o campônio de pele alaranjada

levava uma cesta de maçãs, um menino

passava correndo nos prados,

ele brandia um porrete,

aves voavam, eram abutres

que levavam carcaças de peixes,

ali perto, numa enseada,

o povo falava de nereidas,

e tudo o que a fantasia

poética poderia conceber

num transe místico.


Além do mar visto,

na cachoeira das gargantas,

o fim do mundo

cantava como

nas cataratas da Núbia,

um estalar de almas mortas

que do dilúvio agora

habitam inertes

a lua sinistra

em que geme 

o báratro,

num satyricon

romano e decadente.


No agito das águas,

a tempestade, que 

já havia levado

a Górgona embora,

carregou seus heróis,

com Tritão em alvoroço,

e um navio tombado

entre as algas e os musgos

nas pedras do penedo,

e a loucura do poeta

que perguntava doidices

a Duna como se este

fosse um santo ou 

um tipo de visionário,

e nada obtinha senão 

enigmas e aporias.


Na Feéria já reinava

o ciclo das vestais,

depois de Morgana

e Circe, depois

do suicídio de Safo

e a harmonia de

Anacreonte.

No Templo de Ártemis

havia um odor de ervas

que agradava aos

anjos da anunciação,

ainda em época pagã.


Sim, depois da ressaca,

baixou à face do poeta

uma sílfide, e seu corpo

agora tremia e se agitava,

uma febre lhe tomava

as vestes suadas,

e depois daquele transe

em que seu devaneio

fez delírios com os lírios,

ele acorda, de manhã,

a cama ensopada,

uma garrafa de rum

que jazia vazia na 

cabeceira, e um 

lenço vermelho

de mulher pendendo

de cima da janela,

ele sonhara a noite

inteira com Feéria

ao beber loucamente

aquela aguardente

de pirata.


19/05/2023 Gustavo Bastos 


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