PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

CRETIN HOP

Vai o tolo basbaque 

a tomar soco no

olho e pedir o 

arrêgo de sempre.


Os punks vomitavam,

os ois batiam correntes,

e a meninada queria

pirulitar por aí.


Tá bem, sempre que

um idiota aprontava

ele tirava nota zero, 

repetia de ano etc.

Mas, vai que ele

dá certo na vida?

E os inteligentinhos,

sagazes, se ferram

neste terceiro mundo …


Ah, tem uma miríade

de boçais que ganham

poder e fortuna.

Vai vendo, talvez

esta fauna insciente

domine o mundo!


30/11/2023 Gustavo Bastos 



AVE CÉSAR

Gêngis Khan, Átila,

a liderança guerreira,

a ponta de lança,

verte seu sangue

nas mãos da vida.


Sob a espada

os senhores

da guerra

estão estalando

seus exércitos.


Venham os predadores,

a porrada come.

Se medem os muques

desde antanho,

no couro duro

da insensibilidade

às dores.


Na noite terrível

em que os territórios

são invadidos,

o sangue vira

rio.


No crepúsculo, 

a cidade tão bela

é salgada e 

as cidadelas

caem no fim

da sede de sangue

dos heróis 

da maldade.


Eu vi com os olhos

da terra, com este corpo

da selva, com esta alma

do mar.


Eu vi o inferno

das armas. 

Com a nuca fria

e a espinha

gelada.


30/11/2023 Gustavo Bastos


VIA SACRA

Vossa santidade, este santarrão

morreu exangue na rua,

peço o favor, meus santos

sacrários, das orações

em êxtase, que a santa

mãe dos pobres leve

esta criatura ordinária.


Estava jazendo

um ser de ostracismo,

para a cova comum.

E que seu inferno

seja justo, com

todos aqueles 

diabinhos 

vermelhos

com garfos

a espetar

o infeliz

na fornalha.


Sei que toda 

a santidade se vive

na renúncia,

e eu joguei

meus relógios

fora.


Agora vivo a vida

incomum de um

tempo natural,

de volta ao 

fundo musical

do passaredo

e sob a sombra

das árvores.


Faço com meu canto,

junto às flautas e tambores,

a festa dos selvagens

que nadam no rio

e pintam a cara

para fingirem

que são bichos.


30/11/2023 Gustavo Bastos 


HINO ESCATOLÓGICO

Senhores, não lhes digo amém

e nem lhes dou a alma.

A vinha tem vindima própria

e a sebe tem toda a chuva e sol

diante de si.


Pois tudo se planta

em que tudo se dá,

ao vento e à parreira.


O verso veritas in vino

enfim bebe seu fastígio,

aos cidadãos que vivem

na luz da verdade 

ébria e que cantam

alegres os hinos

do fim.


30/11/2023 Gustavo Bastos



ANIMUS

Esta condição humana, 

em que o músculo enrijece,

e o peito fica intumescido,

diante de um veio,

vive ao partir em versos

intimoratos, saindo

da penumbra

dos que não 

sonharam.


30/11/2023 Gustavo Bastos 


O CAMINHO DA NOITE TEMPESTUOSA

Agora, que giro este estilete,

arranho com a ponta

da faca a parede mofada,

e vejo as sombras

mentirem para si mesmas

diante do espelho.


Tem este rachado na porta,

esta aranha perto

do tapete,

que piso em cima

com o chinelo.


A sensação de matar

mais um inseto

se mistura à

fumaça opiácea

de uma pandemia

sem fim.


O opróbrio vicejava

na tela da televisão.

E os sonhos diletantes

eram preparados

sistematicamente.


Vozes na minha cabeça

começavam a falar

abertamente

sobre o sacrifício,

sobre a morte

lenta, e o consumo

dos ossos e da carne

nas astúcias, com ardis

diabólicos, tocando

uma canção de trítono

no verso final,

de um dante 

psicopata,

infernal,

cheio de veneno

até a medula.


Pois, no frio

e gelo das 

quedas, e tais

quedas foram

tão rápidas,

que o medo

se esqueceu

de si, diante

do abismo.


Eu ouvi

este chamado

pálido, exangue,

tíbio, em que 

a chuva caía

aos cântaros.


O raio e os trovões

anunciavam, 

sob os sons

das guitarras,

e vocais vampirescos,

a caminhada

dentro de uma 

lufada de futuro.


30/11/2023 Gustavo Bastos 


quarta-feira, 29 de novembro de 2023

MEIO AMBIENTE - PARTE IV

“a aprovação do Marco Temporal aprofundará o genocídio vivido pelos povos originários.”


O debate em torno do marco temporal no Brasil foi e ainda é objeto de disputa política e de interesses econômicos, além da defesa do meio ambiente que acaba por se confrontar com estes interesses mais pragmáticos e que, em alguns casos, servem também para favorecer crimes ambientais.

O marco temporal é uma tese jurídica que estabelece que os indígenas têm direito sobre terras que já ocupavam ou disputavam na data de promulgação da Constituição de 1988.  Esta tese se opõe à teoria do indigenato, esta que estabelece o direito originário, ancestral, sobre as terras por parte dos indígenas. Tal direito é feito pela tradição, anterior à criação do Estado brasileiro. Esta tese de direito originário é definida pela Constituição Federal de 1988, o que coloca a tese jurídica do Marco Temporal como inconstitucional.

O Marco Temporal também vai de encontro a normativas e convenções internacionais ratificadas pelo governo brasileiro. A posse e o usufruto das terras pelos indígenas pela Constituição Federal são dados pela tradição, e isto atua como elemento cultural e não temporal. 

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, agora em setembro de 2023, por 9 votos a 2, a tese do Marco Temporal para as demarcações de Terras Indígenas. A decisão constitui uma jurisprudência, isto é, tem caráter de repercussão geral, solucionando disputas jurídicas em todas as instâncias judiciais do Brasil.

Contudo, no Senado tivemos a reação ruralista que, no mesmo dia de conclusão do julgamento pelo STF (Supremo Tribunal Federal), aprovou o Projeto de Lei (PL) 2.903, que institui o Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. Este PL também visa inviabilizar novas demarcações, barrar processos demarcatórios em curso e liberar as terras já demarcadas para a exploração econômica e para a instalação de empreendimentos predatórios. 

Além disso, a proposta serve para desconstituir reservas indígenas e abre o precedente de contatos forçados com indígenas isolados, além de favorecer a grilagem, reconhecendo títulos de propriedade em áreas tradicionalmente ocupadas por indígenas.

Contudo, o presidente Lula sancionou com 34 vetos a Lei 14.701, que trata do Marco Temporal, o que inclui atividades econômicas predatórias sobre as terras demarcadas, impedindo a revogação de terras já demarcadas fora do crivo do Marco Temporal e anulando o precedente de forçar contato com indígenas isolados. 

A tese jurídica teve origem no Projeto de Lei (PL) 2.903 do ex-deputado Homero Pereira (MT) e aprovado pelo Senado em setembro, tendo o senador Marcos Rogério como relator. Do PL 2.903 restaram intactos do veto o Artigo 26, que trata da cooperação entre indígenas e não indígenas para a exploração das terras demarcadas, e o Artigo 20, que define o interesse de defesa nacional acima do usufruto dos indígenas, abrindo precedente para intervenções militares nestas áreas. 

Ao menos desde 2010 as tentativas de avanço sobre as terras públicas do Brasil se intensificaram, muito devido ao que veio a ficar conhecido dentro do Congresso Nacional como a bancada ruralista. Tais investidas se dão, portanto, sobre as terras indígenas e nos recursos naturais, como forma de avanço predatório da fronteira econômica. 

A bancada ruralista, por sua vez, também já apresentou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para alterar o Artigo 231 da Constituição Federal e estabelecer dentro dela o Marco Temporal. Por sua vez, se aprovado o Marco Temporal sob a forma de PEC (Proposta de Emenda Constitucional), a jurisprudência criada com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de barrar o Marco Temporal poderá ser derrubada, ao contrário do que ocorre com um projeto de lei (PL). 

Os vetos parciais ao PL serão analisados em sessão conjunta entre deputados e senadores no Congresso. Se os vetos forem derrubados, por sua vez, o texto promulgado do Marco Temporal passa a valer como lei, podendo ainda ser questionado pelo Supremo em seguida. Se a decisão colegiada do Supremo obtiver maioria absoluta pela inconstitucionalidade do Marco Temporal, a lei será anulada. 

É bom lembrar que a polêmica começou com a votação feita na Câmara dos Deputados no dia 30/05/2023, em que se aprovou o projeto de lei sobre o marco temporal da ocupação de terras por povos indígenas (PL 490/07). Por sua vez, o governo Lula tem interesse na derrubada do Marco Temporal, pois a pauta ambiental teve importância ressaltada no início do governo com a criação do Ministério dos Povos Originários, e que foi a primeira pasta com dedicação exclusiva ao tema dos povos nativos brasileiros. 

A tese do Marco Temporal tenta se fundamentar na data da promulgação da Constituição, o que foi aplicado quando da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. O relator do PL 490/07, deputado Arthur Oliveira Maia, explicou que o projeto se apoiou na decisão do próprio Supremo e disse esperar que o STF paralise o julgamento sobre o tema. 

O argumento de defesa do Marco Temporal, por sua vez, levanta a tese de que a lei garante a segurança jurídica para os proprietários rurais. E os que são contra dizem que a lei ameaça os direitos dos povos indígenas e traz prejuízos ao meio ambiente, na contramão do que é discutido internacionalmente em termos de preservação ambiental e defesa dos povos originários.

Como a ocupação das terras indígenas se dá pela tradição e não temporalmente, de acordo com a Constituição Federal, isso implica em dizer que a posse territorial indígena é diferente da posse civil, ou seja, é objeto de uma ocupação ancestral, e a aprovação do Marco Temporal aprofundará o genocídio vivido pelos povos originários.


(continua)


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.


Link da Século Diário :

https://www.seculodiario.com.br/colunas/meio-ambiente-parte-iv