PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

O DIABO É O PAI DO ROCK

“um fenômeno que envolve satanismo no rock e na música é a prática de rodar os discos ao contrário”

Para falar da presença do Diabo no rock, precisamos recuar um pouco no tempo e relatar uma das primeiras histórias (ou estória?) que envolve pactos e afins, que é a lenda em torno de Robert Johnson, este que foi um dos músicos mais influentes do chamado delta blues.
Tendo vivido no Mississippi, Johnson é um dos músicos mais influentes tanto para o blues como para o rock. A lenda em questão, por sua vez, é um mito popular que afirma que o músico teria vendido a sua alma ao Diabo, isto na encruzilhada das rodovias 61 e 49 em Clarksdale, Mississippi, entidade que teria, então, afinado o violão do músico um tom abaixo, e com isto consagrando Robert Johnson como uma das figuras centrais do blues, mito que foi propagado por outro mestre blueseiro, Son House, e que tinha supostas evidências em letras de músicas de Robert Johnson como “Crossroads Blues", "Me And The Devil Blues" e "Hellhound On My Trail", lenda que ficou mais famosa ainda com o filme de 1986 Crossroads, o qual descreve tal história ou estória.
No rock, por sua vez, temos fenômenos como a música dos Rolling Stones, Sympathy for the Devil, faixa de abertura do sétimo álbum de estúdio da banda, Beggar’s Banquet, de 1968, música que teria sido inspirada no livro O Mestre e Margarida, do escritor soviético Mikhail Bulgakov, e também no poeta francês Charles Baudelaire, e que também pode ter sido em seu instrumental inspirada numa visita de Mick Jagger a um centro de candomblé na Bahia. Tal música que logo causou polêmica e foi motivo de várias acusações de satanismo contra a banda.
Uma das primeiras bandas a tematizar o ocultismo no rock, por sua vez, foi a Coven, banda formada no final dos anos 1960, cujo primeiro álbum “Witchcraft Destroys Minds And Reaps Souls", de 1969, apresenta a temática ocultista, muito por influência da vocalista da banda Jinx, que estudava o tema, e caindo por fim no satanismo.
Mas a banda de rock que ficou mais famosa tanto pelo som como pelos temas satânicos foram os fundadores do heavy metal, Black Sabbath, banda que começou como blues rock e logo após incorporou o nome Black Sabbath, inspirado num filme que o baixista Geezer Butler havia visto, colocando tanto o ocultismo como o terror como inspiração para as letras e músicas que fariam a banda uma das maiores e mais influentes da História do rock, passando a usar guitarras com baixa afinação.
No Brasil temos a letra de Rock do Diabo, composta por Raul Seixas e Paulo Coelho, música que foi lançada por Raul Seixas no álbum Novo Aeon, em 1975, como uma alusão bem humorada da presença do Diabo na História do rock, e outra banda que fez polêmica em torno do tinhoso foi a inglesa Iron Maiden, com a música e álbum “The Number of the Beast”, controvérsia que só serviu para alavancar as vendas do disco do Maiden.
Mas a face mais extrema do satanismo no cenário rock ainda estaria por vir, pois tivemos uma primeira geração do metal extremo ainda na década de 1980, com bandas precursoras do que viria a ser a vertente black metal, bandas influentes como Venom, Celtic Frost e Mercyful Fate, que dariam na segunda geração do black metal na década de 1990, a chamada cena norueguesa do Inner Circle, no que esta história inocente do flerte do rock com o Diabo começou a ficar um tanto séria, até demais.
No início da década de 1990 temos uma série de eventos na Noruega em torno deste grupo chamado Inner Circle, pois há uma sucessão de incêndios terroristas que tinham como alvo antigas igrejas históricas e ainda temos casos de homicídio envolvendo alguns músicos desta cena norueguesa do Black Metal Inner Circle. E um dos idealizadores do movimento, com a sua loja Helvete (inferno em norueguês) era o líder da banda Mayhem, Euronymous. Por conseguinte, o chamado Inner Circle era composto por membros das primeiras bandas de black metal norueguês como Mayhem, Burzum, Darkthrone, Immortal, Emperor e Enslaved.
A série de eventos do Inner Circle dá uma conta macabra de 52 igrejas incendiadas, com a cena atraindo atenção massiva da mídia quando descobriram que seus membros eram os responsáveis por dois assassinatos e vários incêndios de igrejas norueguesas. Com a atenção da mídia, logo se descobre que tal grupo se intitulava "The Black Circle" ou "Black Metal Inner Circle", com visões anticristãs, como satanistas que adotavam pseudônimos e que apareciam em fotografias usando corpse paint (pintura facial).
Por fim, em agosto de 1993 tivemos a prisão de vários dos integrantes do movimento Inner Circle, tendo a condenação em maio de 1994 por crimes como incêndio, assassinato, assalto e posse de explosivos. E como fatos que marcaram a trajetória do Inner Circle temos também que em 8 de Abril de 1991, o vocalista Dead da banda Mayhem comete suicídio, em 21 de agosto de 1992, Bård 'Faust' Eithun, da banda Emperor, esfaqueia até a morte um homem gay em uma floresta nos arredores de Lillehammer, e em 10 de agosto de 1993 o fato que mais marcou a cena norueguesa, que foi quando Varg Vikernes, único membro da banda Burzum, e Snorre Ruch viajaram de Bergen até o apartamento de Euronymous em Tøyengata, no que houve uma discussão que resultou na morte de Euronymous a facadas pelas mãos de Varg, que se autointitulava Count Grishnackh, no que Varg Vikernes foi preso em 19 de agosto de 1993 em Bergen, que foi quando o movimento enfraqueceu.  
Para citar outro músico cuja presença satânica também é garantida, temos Marilyn Manson, com seu álbum de 1996 intitulado Antichrist Superstar, por exemplo. E um fenômeno que envolve satanismo no rock e na música é a prática de rodar os discos ao contrário para ver mensagens diabólicas escondidas nas músicas originais, que rodadas ao contrário, as revelariam, no que temos Stairway to Heaven do Led Zeppelin, e músicas dos Menudos e da Xuxa figurando na tal lenda, o que é uma junção de sugestão psicológica com divertimento mórbido e mistificação.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/35826/14/o-diabo-e-o-pai-do-rock


  

terça-feira, 19 de setembro de 2017

HAMILTON NOGUEIRA – DOSTOIÉVSKI – PARTE III

“quando falamos de conhecimento em Dostoiévski estamos nos referindo a uma realidade carnal, viva, pulsante”

DOSTOIÉVSKI EM FACE DO RACIONALISMO EUROPEU

Temos uma abordagem do romance de Dostoiévski na sua relação com o conhecimento, o que nos leva a dizer que tal forma de expressar questões que envolvem a compreensão humana e suas formas de conhecer a realidade aparece em Dostoiévski ainda com um caráter tão intenso como foi em suas tragédias passionais, pois quando falamos de conhecimento em Dostoiévski estamos nos referindo a uma realidade carnal, viva, pulsante, de um homem visto como ser integral, e não como um método frio em que se fundamenta uma abstração da inteligência pura. Como nos diz Hamilton Nogueira : “O problema desloca-se do plano puramente especulativo para o plano integral da vida. Ele está intimamente ligado ao destino dessas almas dilaceradas pela incerteza e pela angústia.”
Em Dostoiévski, quando nos voltamos a seus personagens, damos com uma realidade viva em que as questões ultrapassam o terreno conceitual e no qual o homem luta contra seus próprios limites, estas barreiras inseridas na sua natureza finita e débil. E tal luta fica numa sujeição a estes limites naturais, diante de aspirações e ambições maiores e ousadas, em que o desenvolvimento normal da vida passa por estes limites intoleráveis da consciência comum, e é neste momento que Dostoiévski nos apresenta tais personagens com este tal temperamento mais ambicioso e profundo, um mundo de intuição universal que lutará o tempo todo contra o mundo medíocre da natureza decaída da simplicidade sensorial de obviedades, do mundo real e prático, da sociabilidade preestabelecida, no que tais personagens de certo modo atormentados colocam a condição humana à prova, numa luta renhida contra o fracasso da natureza comumente partilhada num mundo oco e previsível.
Como nos diz Hamilton Nogueira : “O grande esforço metafísico de Dostoiévski consiste em ultrapassar os limites da razão secundária e transpor a esfera das harmonias eternas. Ele procura sobrepor-se ao tempo, viver fora e acima dele, como se o homem já tivesse sofrido aquela transformação física assinalada no Apocalipse.” E é aqui que é apresentada a ideia de razão principal, que significa este mundo intuitivo de uma essência universal e profunda, numa ausência de limites entre o mundo real e o fantástico, em que o normal e o anormal se tornam indistintos, produto de um tipo mais intenso de inteligência capaz de realizar uma síntese potente que conserva de forma integral as faculdades psíquicas que fazem este grupo específico de personagens que lutam no romance dostoievskiano.
Dostoiévski faz esta realização de tal ideia da “razão principal” no romance O Idiota, em que Muischine é um exemplar concreto e humano desta ideia, como um ser despojado dos limites que poderiam refrear a sua natureza, como um tipo raro da bondade natural do homem selvagem de Rousseau, um exemplar que não foi corrompido pelo pecado original. Mas temos também o fato de que não basta este privilégio de uma natureza específica da razão principal para safar tal personagem dos limites naturais que são o itinerário comum que impedem este exemplar raro como era Muischine de avançar, pois não lhe bastaria esta intuição que desvela os mistérios todos para absolvê-lo de um mundo geralmente decaído.
E como nos lembra Hamilton Nogueira : “Se ao Homem Ridículo ela trouxe uma solução definitiva para o seu caso, por isso que se tratava de uma natureza essencialmente contemplativa e que renunciara por completo a qualquer experiência terrena, para Muischine a razão principal foi ao mesmo tempo a causa da sua grandeza e da sua miséria. (...) É que ele, se bem que já tivesse a intuição do insucesso das suas aventuras, não renunciaria a viver entre os homens.”
E temos diante deste confronto das personagens dostoievskianas com a consciência comum a revelação do temperamento de Dostoiévski como um homem e escritor em conflito contra a utopia moderna do racionalismo técnico e científico de seu tempo, e que ganhava o status de único conhecimento possível da realidade do mundo, uma vez que Dostoiévski se verá logo adiante com questões de profundidades abissais em que tal forma oficial de abordagem do mundo não lhe trará nenhum lenitivo, e então temos um romance dostoievskiano de camadas psíquicas que se debatem em posições desconhecidas pelo racionalismo objetivo e científico, uma realidade psicológica que, no seu extremo, vai se deparar na crença da salvação do mundo pelo mandamento do amor, a questão da fé, e o amor como leitmotiv da obra dostoievskiana.
E como nos diz Hamilton Nogueira : “Quase todos esses pensamentos admiráveis, ditos de outra maneira, Dostoiévski coloca em O Sonho de Um Homem Ridículo. Ele quer demonstrar, por meio deles, o primado da vida contemplativa sobre o exercício da razão pura. A primeira, para atingir a plenitude, ajoelha-se humildemente diante da Verdade Suprema, a segunda, no seu esforço de conhecimento puramente natural, desgarra-se a cada instante do caminho da verdade, choca-se de encontro ao muro sensorial que impede a mobilidade do espírito, sendo tantas vezes a causa do desespero e do desencanto de viver. (...) Essa consciência da vida que o Homem Ridículo adquire durante o seu sonho é o desafio de Dostoiévski ao racionalismo cientificista que dominava o espírito europeu no século XIX, e que através das culturas francesa e alemã, se refletia sobre a intelectualidade russa do seu tempo.”
E Dostoiévski se depara com a realidade do sofrimento humano como algo que aponta para um sentido transcendente em que há a luta de uma natureza decaída, em que o sentido universal das coisas é revelado, pois não há como, nesta visão metafísica e transcendental, limitar tal fenômeno com o plano restrito da natureza comum, e quando esta realidade do sofrimento humano ganha camadas de absurdo e de dor alucinante, temos aí a necessidade de um sentido universal que possa dar conta destas contingências incompreensíveis a olho nu.
E como nos diz Hamilton Nogueira : “Os próprios progressos científicos que aprimoraram a técnica, tornando possível a multiplicidade e a repetição das experiências, não trouxeram, e mesmo não poderiam trazer, a menor claridade aos problemas de ordem moral. (...) O homem contemporâneo continua a sofrer as mesmas angústias dos seus antepassados. E em face dos problemas eternos, em face do mal e do sofrimento só a verdade revelada traz uma solução satisfatória.”
E com Ivan Karamazov, por sua vez, Dostoiévski mostra uma face trevosa de ruptura da ordem moral, pois esta personagem é o exemplo mais bem acabado no romance dostoievskiano da inserção do racionalismo europeu na cosmovisão russa, e que em Ivan revela um racionalismo, que no seu extremo, como diz Hamilton Nogueira : “negando o Espírito desencadeou as forças telúricas, demoníacas, que iriam preparar o terreno para o advento do comunismo.” Ivan Karamazov tem então uma postura de negação da ordem moral, e que se consolida com a sua máxima de que “nada é verdadeiro, tudo é permitido”. E Hamilton Nogueira arremata : “Aquele que não tem nenhuma crença não tem a menor razão para viver de acordo com a consciência comum. O sentido da culpa desaparece. O crime deixa de ser crime.”
Tal negação da ordem moral também aparece em forma bem acabada com Raskolnikov no romance Crime e Castigo, numa trama íntima desta personagem que atinge uma intensidade trágica, que é um marco quase nunca atingido pela literatura universal de todos os tempos, e que tem na inspiração de Dostoiévski uma trama de confronto com a ordem moral que é emblemática e que entra para a História da literatura mundial, e que sobre tal fenômeno, Hamilton Nogueira nos diz : “todas as forças imanentes, próprias à natureza humana, reagem com extraordinária violência contra uma concepção negativista dos valores morais, que conduz ao crime, como se esse fosse um ato normal, às vezes inevitável, e sem a menor repercussão na consciência daqueles que o cometem.”
Ivan Karamazov, por sua vez, não terá a sensação de culpa que acometerá Raskolnikov diante do crime, a tragédia em Ivan é que ele não responde favoravelmente às iluminações da consciência e não adere aos apelos da verdade, ele enfrenta uma dispersão e desagregação interior que não encontra mais sentido para a ordem moral, seu racionalismo é degenerado sob a forma violenta de uma inteligência apartada do ser, da essência das coisas, e será o caminho de Ivan na sua ruptura moral que o levará ao limiar da loucura, numa realidade alucinada. E como nos diz Hamilton Nogueira : “De Ivan, pode-se dizer que concretiza o racionalismo puro, isto é, a inteligência audaciosamente posta ao serviço de uma lógica estéril, que se não apoia sobre os primeiros princípios do conhecimento, mas que atuando sobre seres de razão, sem o menor fundamento na realidade, orientam o espírito humano para as diversas expressões do erro”.
Como disse Chestov, a verdadeira crítica da razão pura está em Dostoiévski e não no filósofo Kant, pois este, como nos diz Hamilton Nogueira : “ao invés de se apoiar no real, como fizeram Aristóteles e Santo Tomás, Kant desenvolveu toda a sua exaustiva dialética sobre fantasmas inexistentes – os julgamentos sintéticos a priori.” Por sua vez, temos Dostoiévski como crítico da razão pura, pois ele se apoiava no mundo real, e não há nele nenhuma teoria do conhecimento ou filosofia conceitual e formal.
Pois a realidade da vida, na sua face trágica e psíquica, realidade pulsante de contradições, era a matéria bruta do romance dostoievskiano, o que era também reflexo de sua negação dos sistemas de pensamento, não havendo nele uma inflexão conceitual que leve a um terreno de abstração, de um mundo racional, formal, calcado no espírito de sistema, comum à filosofia como conhecimento estruturado e lógico. Dostoiévski está voltado a uma humanidade que está inserida em fenômenos mais concretos como o sofrimento e o amor, a trágica realidade da vida é a matéria do romance dostoievskiano, o que o coloca em oposição à inflexão conceitual de esbanjamento lógico e abstrativo.
O romance dostoievskiano tem um alcance psicológico muito mais intenso do que o da psicologia experimental, da técnica do naturalismo científico, pois a vida humana autêntica em toda a sua força e intensidade é que é a matéria de que é feito o trabalho literário de Dostoiévski, e é o romancista um dos que mais contribuíram na literatura para o conhecimento do homem como ele é, e que é tanto o homem russo como o homem de todos os tempos, numa universalidade que vai, ao fim, nos revelar a inteligência divina que governa o todo da realidade humana e universal. E este alcance psicológico que desbancou qualquer inserção feita pela psicologia experimental está presente também no cânon do romance moderno, que tem figuras como Stendhal, Balzac, Tolstói e Proust, além do próprio Dostoiévski.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/35807/17/conhecimento-em-dostoievski-remete-para-uma-realidade-carnal-viva-pulsante






segunda-feira, 18 de setembro de 2017

LIRA DOS VINTE ANOS, ÁLVARES DE AZEVEDO – PARTE I

O BYRONISMO E A POESIA ROMÂNTICA DE ÁLVARES DE AZEVEDO

“O byronismo então era mais do que um estilo literário, mas uma filosofia de vida”

Temos o poeta Álvares de Azevedo inserido na segunda geração romântica da poesia brasileira junto com o popular Casimiro de Abreu, cujo lirismo mais simples e acessível teve maior entrada no público com a sua poesia intimista e que não tinha uma veia agressiva, sendo mais afeita aos saraus e salões, além de Junqueira Freire, mas foi Álvares de Azevedo quem exerceu a maior influência no que veio depois na poesia brasileira.
A face byroniana de Álvares de Azevedo foi o fator precípuo de sua grande influência na literatura nacional, sobretudo das gerações que surgiriam depois dele na Academia de Direito de São Paulo, nos levando a uma reflexão direta do que foi a presença ilustre de Lord Byron na poesia brasileira e mundial, poeta inglês que se tornou conhecido internacionalmente em 1812, com a publicação da primeira parte de seu longo poema narrativo intitulado Childe Harold's Pilgrimage, e que teve sua evolução com trabalhos como The Giaour de 1813, A noiva de Abydos, dentre outros.
A característica de Byron, seu estilo, era a de nos apresentar um tipo de herói angustiado, descrente, tentando ser uma exceção no mundo, com digressões sentimentais prolixas e enfadonhas que hoje nos parecem supérfluas e datadas. Tal face byroniana também pôde evoluir para um outro lado com sua obra Don Juan de 1819, em que o poeta e escritor revelava uma tendência irônica e mordente que também foi objeto de imitação por outros poetas e artistas.
Contudo, o byronismo não se limitava ao aspecto literário, ou no que se refere a sua obra escrita, pois tínhamos também a influência das histórias contadas sobre a vida de Lord Byron, em que se citavam as orgias que aconteciam em sua residência na Inglaterra e na Itália. O byronismo então era mais do que um estilo literário, mas uma filosofia de vida e uma moda febril em que vários poetas e escritores se tornaram seus imitadores, para o bem e para o mal. Sendo, por conseguinte, o poeta inglês a maior figura literária de sua época, o símbolo máximo do romantismo, era fundamentalmente o ideal romântico perseguido pelos demais escritores e pessoas que receberam a sua influência.
E temos então Álvares de Azevedo como um representante exemplar do romantismo brasileiro, e que tem sua face revelada em trabalhos como Noite na Taverna, e que tem aí também umas das manifestações do byronismo no Brasil, o que significava uma literatura repleta de cinismo, pessimismo, ironia, com descrições mórbidas e diabolismos de toda espécie com toques lúbricos.
Contudo, a vida de Álvares de Azevedo, embora perseguisse o ideal byroniano, enfrentava uma São Paulo ainda provinciana, com um tipo de sociedade acanhada em geral, com pouco horizonte intelectual e pouco apelo ao temperamento de escritores românticos como ele. Vários críticos, portanto, deploraram o contexto medíocre e insosso em que estava inserido o homem Álvares de Azevedo, cuja escrita e estro poderiam ser apenas, talvez, delírios de um poeta adolescente e que teve morte prematura, mas que teve, no entanto, tempo para dar belas contribuições à poesia e literatura brasileira em poemas como “Ideias íntimas”, “Namoro a cavalo”, “Spleen e charutos”, em que o prosaísmo e o coloquialismo também davam as caras no estilo romântico que povoava seus poemas em geral.

POEMAS :

NO MAR : O poema, de temperamento e estilo românticos, tem no poeta um canto de ser amante, amoroso, e que tem na dor de amor este poeta que se tornará o exemplar mais bem ou mal acabado do ultrarromantismo da segunda geração de poetas românticos brasileiros, no que temos este então se debatendo apaixonadamente com a sua musa: “Era de noite – dormias,/Do sonho nas melodias,/Ao fresco da viração;/Embalada na falua,/Ao frio clarão da lua,/Aos ais do meu coração!/Ah! Que véu de palidez/Da langue face na tez!/Como teus seios revoltos/Te palpitavam sonhando!/Como eu cismava beijando/Teus negros cabelos soltos!”. O poema revela a visão do sono e num canto de saudade o poeta lamenta: “Como eras saudosa então!/Como pálida sorrias/E no meu peito dormias/Aos ais do meu coração!” (...) “Suspiravas? que suspiro!/Ai que ainda me deliro/Sonhando a imagem tua/Ao fresco da viração,”. Temos aqui a imagética da projeção extrema da idealização romântica, de uma intensidade que esbarra geralmente num mundo inóspito e gélido de sentimentos, no que o poema segue, com a visão de areia e de mar, para um consolo espiritual de um poeta perdido: “Como virgem que desmaia,/Dormia a onda na praia!/Tua alma de sonhos cheia/Era tão pura, dormente,/Como a vaga transparente/Sobre seu leito de areia!”.

O POETA : O poeta aqui se confronta tanto com seu temperamento romântico e amoroso como com sua face mórbida, flertando com o amor e com a morte, no que temos : “Era uma noite – eu dormia/E nos meus sonhos revia/As ilusões que sonhei!/E no meu lado senti .../Meu Deus! por que não morri?/Por que do sono acordei?/No meu leito – adormecida,/Palpitante e abatida,/A amante de meu amor!” (...) “Senti-lhe o colo cheiroso/Arquejando sequioso;” (...) “Um sonho do coração/Que suspirando morria!/Não era um sonho mentindo;/Meu coração iludido/O sentiu e não sonhou:/E sentiu que se perdia/Numa dor que não sabia .../Nem ao menos a beijou!”. A dor da morte nos aparece como a dor de um amor que tanto foi perdido como nunca aconteceu, restando uma idealização que adoece com o coração sucumbido de um poeta que faz um derramamento extremo, no que temos, portanto: “Não sei ... Dorme no passado/Meu pobre sonho dourado .../Esperança que mentiu!/Sabem as noites do céu/E as luas brancas sem véu/As lágrimas que eu chorei!” (...) “que não esqueci/A noite que não dormi,/Que não foi uma ilusão!/Sou eu que sinto morrer/A esperança de viver ...” (...) “Riríeis das esperanças,/Das minhas loucas lembranças,/Que me desmaiam assim?/Ou então, de noite, a medo/Choraríeis em segredo/Uma lágrima por mim?”. O choro aparece aqui como o estro lutando entre ideal e mundo real, armadilha tipicamente romântica.

QUANDO FALO CONTIGO, NO MEU PEITO : O poeta se dirige a sua mulher, seja esta aqui do mundo ou apenas uma presença etérea e poética, não importa : “Quando falo contigo, no meu peito/Esquece-me esta dor que me consome:” (...) “Que existência, mulher! se tu souberas/A dor de coração do teu amante,”. O poeta está louco, no que temos : “Sou um doido talvez de assim amar-te,/De murchar minha vida no delírio ...” (...) “_ E não pude, febril e de joelhos,/Com a mente abrasada e consumida,/Contar-te as esperanças do meu peito/E as doces ilusões de minha vida!/Oh! quando eu te fitei, sedento e louco,/Teu olhar que meus sonhos alumia,/Eu não sei se era vida o que minh`alma/Enlevava de amor e adormecia!”. Ele deseja ardentemente este ideal e quer contar o que viveu e o que viu para esta amante que não está ali, mas que aqui no poema é um espanto que consome todo o poema e o estro romântico de Álvares de Azevedo, no que temos : “Tem pena, anjo de Deus! deixa que eu sinta/Num beijo esta minh`alma enlouquecer/E que eu viva de amor nos teus joelhos,/E morra no teu seio o meu viver!” (...) “Adeus, anjo de amor! tu não mentiste!/Foi minha essa ilusão, e o sonho ardente:/Sinto que morrerei ... tu dorme e sonha/No amor dos anjos, pálida inocente!/Mas um dia ... se a nódoa da existência/Murchar teu cálice orvalhoso e cheio,/Flor que não respirei, que amei sonhando,/Tem saudades de mim, que eu te pranteio!”. Aqui novamente a coda é o choro, sucumbir é a regra, e esta desilusão se ilude com poesia.

DESALENTO : O poema é um tipo de aviso, um roteiro do sentimento, do que se deve observar no coração que mora na poesia e no mundo real, e o poema segue como um tipo de caminho indicado pelo poeta, do que ele sabe e quer contar, como se fosse um ensinamento, no que temos : “Feliz daquele que no livro d`alma/Não tem folhas escritas,/E nem saudade amarga, arrependida,/Nem lágrimas malditas!/Feliz daquele que de um anjo as tranças/Não respirou sequer,/E nem bebeu eflúvios descorado/Numa voz de mulher!”. E a idealização romântica aqui já tem consciência de suas sensações surdas, já consegue fazer uma mínima ausculta do próprio coração, cujo derramamento flui com visões floridas de uma amante pautada a todo o tempo neste poema romântico, no que temos : “Quem nunca te beijou, flor dos amores,/Flor do meu coração,/E não pediu frescor, febril e insano,/Da noite à viração!” (...) “Mas, nesse doloroso sofrimento/Do pobre peito meu,/Sentir no coração que à dor da vida/A esperança morreu! .../Que me resta, meu Deus?! aos meus suspiros/Nem geme a viração,/E dentro – no deserto do meu peito/Não dorme o coração!”. Ah, no meu peito, o coração! Imagética obcecada do sentimento romântico em poesia!

SONETO : Este soneto nos dá um estro romântico enxuto, a virgem do mar, que dorme, portanto, é a imagem da musa que dorme, algo a se estudar na psiquê da poesia romântica de Álvares de Azevedo, e que aqui mais uma vez se revela, no que temos : “Pálida à luz da lâmpada sombria,/Sobre o leito de flores reclinada,/Como a lua por noite embalsamada,/Entre as nuvens do amor ela dormia!/Era a virgem do mar, na escuma fria/Pela maré das águas embalada!/Era um anjo entre nuvens d`alvorada/Que em sonhos se banhava e se esquecia!/Era mais bela! o seio palpitando ...” (...) “Não te rias de mim, meu anjo lindo!/Por ti – as noites eu velei chorando,/Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!”. E a coda aqui mais uma vez vem com choro, mas garante um sorriso no fim.

POEMAS :

NO MAR

Era de noite – dormias,
Do sonho nas melodias,
Ao fresco da viração;
Embalada na falua,
Ao frio clarão da lua,
Aos ais do meu coração!

Ah! Que véu de palidez
Da langue face na tez!
Como teus seios revoltos
Te palpitavam sonhando!
Como eu cismava beijando
Teus negros cabelos soltos!

Sonhavas? – eu não dormia;
A minh`alma se embebia
Em tua alma pensativa!
E tremias, bela amante,
A meus beijos, semelhante
Às folhas da sensitiva!

E que noite! que luar!
E que ardentias no mar!
E que perfumes no vento!
Que vida que se bebia
Na noite que parecia
Suspirar de sentimento!

Minha rola, ó minha flor!
Ó madressilva de amor!
Como eras saudosa então!
Como pálida sorrias
E no meu peito dormias
Aos ais do meu coração!

E que noite! que luar!
Como a brisa a soluçar
Se desmaiava de amor!
Como toda evaporava
Perfumes que respirava
Nas laranjeiras em flor!

Suspiravas? que suspiro!
Ai que ainda me deliro
Sonhando a imagem tua
Ao fresco da viração,
Aos ais do meu coração,
Embalada na falua!

Como virgem que desmaia,
Dormia a onda na praia!
Tua alma de sonhos cheia
Era tão pura, dormente,
Como a vaga transparente
Sobre seu leito de areia!

Era de noite – dormias,
Do sonho nas melodias,
Ao fresco da viração;
Embalada na falua,
Ao frio clarão da lua,
Aos ais do meu coração!

O POETA

Era uma noite – eu dormia
E nos meus sonhos revia
As ilusões que sonhei!
E no meu lado senti ...
Meu Deus! por que não morri?
Por que do sono acordei?

No meu leito – adormecida,
Palpitante e abatida,
A amante de meu amor!
Os cabelos recendendo
Nas minhas faces correndo
Como o luar numa flor!

Senti-lhe o colo cheiroso
Arquejando sequioso;
E nos lábios, que entr`abria
Lânguida respiração,
Um sonho do coração
Que suspirando morria!

Não era um sonho mentindo;
Meu coração iludido
O sentiu e não sonhou:
E sentiu que se perdia
Numa dor que não sabia ...
Nem ao menos a beijou!

Soluçou o peito ardente,
Sentiu que a alma demente
Lhe desmaiava a tremer:
Embriagou-se de enleio,
No sono daquele seio
Pensou que ele ia morrer!

Que divino pensamento,
Que vida num só momento
Dentro do peito sentiu ...
Não sei ... Dorme no passado
Meu pobre sonho dourado ...
Esperança que mentiu!

Sabem as noites do céu
E as luas brancas sem véu
As lágrimas que eu chorei!
Contem do vale as florinhas
Esse amor das noites minhas!
Elas sim ... eu não direi!

E se eu tremendo, senhora,
Viesse pálido agora
Lembrar-vos o sonho meu,
Com a fronte descorada
E com a voz sufocada
Dizer-vos baixo – Sou eu!

Sou eu! que não esqueci
A noite que não dormi,
Que não foi uma ilusão!
Sou eu que sinto morrer
A esperança de viver ...
Que o sinto no coração! –

Riríeis das esperanças,
Das minhas loucas lembranças,
Que me desmaiam assim?
Ou então, de noite, a medo
Choraríeis em segredo
Uma lágrima por mim?

QUANDO FALO CONTIGO, NO MEU PEITO

Quando falo contigo, no meu peito
Esquece-me esta dor que me consome:
Talvez corre o prazer nas fibras d `alma:
E eu ouso ainda murmurar teu nome!

Que existência, mulher! se tu souberas
A dor de coração do teu amante,
E os ais que pela noite, no silêncio,
Arquejam no seu peito delirante!

E quanto sofre e padeceu, e a febre
Como seus lábios desbotou na vida,
E sua alma cansou na dor convulsa
E adormeceu na cinza consumida!

Talvez terias dó da mágoa insana
Que minh`alma votou ao desalento,
E consentira a virgem dos amores
Descansar-me no seio um só momento!

Sou um doido talvez de assim amar-te,
De murchar minha vida no delírio ...
Se nos sonhos de amor nunca tremeste,
Sonhando meu amor e meu martírio!

_ E não pude, febril e de joelhos,
Com a mente abrasada e consumida,
Contar-te as esperanças do meu peito
E as doces ilusões de minha vida!

Oh! quando eu te fitei, sedento e louco,
Teu olhar que meus sonhos alumia,
Eu não sei se era vida o que minh`alma
Enlevava de amor e adormecia!

Oh! nunca em fogo teu ardente seio
A meu peito juntei que amor definha;
A furto apenas eu senti medrosa
Tua gélida mão tremer na minha! ...

Tem pena, anjo de Deus! deixa que eu sinta
Num beijo esta minh`alma enlouquecer
E que eu viva de amor nos teus joelhos,
E morra no teu seio o meu viver!

Sou um doido, meu Deus! mas no meu peito
Tu sabes se uma dor, se uma lembrança
Não queria calar-se a um beijo dela,
Nos seios dessa pálida criança!

Se num lânguido olhar no véu de gozo
Os olhos de Espanhola a furto abrindo
Eu não tremia – o coração ardente
No peito exausto remoçar sentindo!

Se no momento efêmero e divino
Em que a virgem pranteia desmaiando
E a c`roa virginal a noiva esfolha,
Eu queria a seus pés morrer chorando!

Adeus! rasgou-se a página saudosa
Que teu porvir de amor no meu fundia,
Gelou-se no meu sangue moribundo
Essa gota final de que eu vivia!

Adeus, anjo de amor! tu não mentiste!
Foi minha essa ilusão, e o sonho ardente:
Sinto que morrerei ... tu dorme e sonha
No amor dos anjos, pálida inocente!

Mas um dia ... se a nódoa da existência
Murchar teu cálice orvalhoso e cheio,
Flor que não respirei, que amei sonhando,
Tem saudades de mim, que eu te pranteio!

DESALENTO

Feliz daquele que no livro d`alma
Não tem folhas escritas,
E nem saudade amarga, arrependida,
Nem lágrimas malditas!

Feliz daquele que de um anjo as tranças
Não respirou sequer,
E nem bebeu eflúvios descorado
Numa voz de mulher!

E não sentiu e mão cheirosa e branca
Perdida em seus cabelos,
Nem resvalou do sonho deleitoso
A reais pesadelos!

Quem nunca te beijou, flor dos amores,
Flor do meu coração,
E não pediu frescor, febril e insano,
Da noite à viração!

Ah! feliz quem dormiu no colo ardente
Da huri dos amores,
Que sôfrego bebeu o orvalho santo
Das perfumadas flores,

E pôde vê-la morta ou esquecida
Dos longos beijos seus,
Sem blasfemar das ilusões mais puras
E sem rir-se de Deus!

Mas, nesse doloroso sofrimento
Do pobre peito meu,
Sentir no coração que à dor da vida
A esperança morreu! ...

Que me resta, meu Deus?! aos meus suspiros
Nem geme a viração,
E dentro – no deserto do meu peito
Não dorme o coração!

SONETO

Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d`alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando ...
Negros olhos as pálpebras abrindo ...
Formas nuas no leito resvalado ...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti – as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : http://www.seculodiario.com.br/35788/17/o-byronismo-e-a-poesia-romantica-e-alvares-de-azevedo