PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

DEMÔNIOS CRUCIFICADOS



   Cruz fria, teu demônio ainda volve a lama.
   Tão incendiada, cruz desdenhosa.
   Rosa inflama,
   E tanto verme no lodo afoga.

   Alma de trevas, que volta das mansardas,
   Que é amor e liturgia.
   Donde as fadas cantam às asas
   O bosque cruel da melancolia.

   Natureza do pavor, fluida.
   Onde o rio vai, em cada túmulo.
   Infinito que é cruz e ruína,
   Quando o demônio me dilacera lúbrico.
   Dos espectros de dor às ocultas paixões,
   De boca em boca à volúpia dos canhões.

   Cruz que foi velada em vãs florescências,
   Onde tudo é vago em auroras turvas,
   Onde tudo é pasto sem quintessências,
   Nas luas mortas das negras ruas.

   Está aqui, teu prazer crucificado.
   Procissão do inferno sagrado.

 

TESTAMENTO


           
   Para saber o que sou ou o que serei,
   Devo ter a medida certa do que fui
   Pela vida em que vivi.

   O arquinimigo tateou meus libelos,
   Tomando o laudo de minhas fugas vitoriosas,
   Tal a breve mentira dos hipócritas de tribunais.
   E os contornos de um acinte
   Melaram as fotos que teriam levado
   De mim àquele pobre homem.
   Um desses turrões incultos,
   Os mais abjetos seres possíveis.

   Sem saber do que ali se planejava,
   Eu andava com as pernas mais óbvias
   Que um cão cego que babava.
   A tomar as esferas do céu como aguardente.

   Por esperar no ombro das solidões,
   Eu dava o mostruário aos pardieiros
   E cortiços das velhas gordas.
   Com os suvacos no suadouro,
   Experimentei o aguaceiro das lágrimas.
   Todo dia como um porco.

   Bebia nas tabelas das contas risíveis
   Dos cantores de cabarés.
   Uma puta em seus caprichos
   Catava os piolhos de minha cabeça maldita.
   Quando as penitências de minha genitália
   Corriam atrás de algo além
   De um corpo bem delineado.

   Bebia os poemas, poetas queriam o mesmo amor langue
   Dos exauridos da fé no banditismo.
   A donzela que enterrei, eu a queria,
   Tal um lobo apavorado,
   Que as ofertas insalubres
   Dos mictórios vestiam.
   A dizer a todos:
   Os vermes aqui vivem,
   Como brigas aos borbotões.

   E um carro de ricaço exclamava:
   “Trotem! Meus débeis, minha juventude
   Afiada, nesta época desesperada!”
   Eu devaneava em névoas desmedidas.
   Eu esperava o vento humilhar
   O populacho, deleite de tempos difíceis.

   A carne crua do delito povoava
   O meu imaginário falido.
   Sem contas suficientes de riso,
   Eu implorava um alívio.
   Mas, os doentes rastejavam
   E conferiam se meu ânus era de macho.

   Dali para adiante, perceberam o insulto.
   Eu matava, com ódio de um cavalo.
   E diziam: “Trota! Trota!”
   Eu puxava o rabo dos bichos.
   E cantava uma peça esquecida
   Entre os imbecis. Assim dizia:
   “Se o paraíso fosse aqui, ó meu amor!”
   Era o que se esperava.
   Era tão bonita a peça,
   Que a deixei longe
   Dos olhos dos bêbados.
   Pois bebiam amargura.

   Eu diria somente à melancolia,
   A qual me compraz na urdidura
   De poemas impacientes como o fogo,
   Para embelezar o mundo
   De cruezas tão santas como a minha,
   Para que Deus um dia me perdoe,
   Que não deixo herança ou troco.


 

VINÍCOLAS BÁQUICAS


             
   Aqui vai um pouco da poesia báquica dos fins dos tempos:
   Toda ação compõe o verso em seu termo delirante,
   Eu peço ajuda às musas, pois o sol do meu ventre
   Nasce, as circunvoluções das almas
   Destróem as sombras do abrigo lunar,
   Um deserto cobre o silêncio,
   Só se ouve – agora – o vento, a vida, o mar.
   Bem longe está o calor.

   Eu quero toda nudez báquica,
   Toda febre báquica.
   É o sinal da tempestade.
   Faço um tornado, faço as peças de comédia.
   O dia está lindo para regurgitar filosofia.
   A quântica subverte, Baco dança, o terremoto.

   Ali um lago seca, aqui um mar invade.
   Ali um rio seca, aqui um mar enche.
   O deserto é o que vive em mim, no entanto.
   Dane-se! Um pouco de dança. Dane-se!
   Eu sou um brutal, sou uma peste.
   Eu sou a doença, não há mais visões.

   Falam assim: É louco, terrível febre.
   Eu escapei do tédio, minhas feras.
   Danço! Corro! A febre é toda munição.
   Caem friezas sobre o corpo. Detestável hospício.
   Eu sou corpo, não há direção, eu sou o que dança.
   Faça-se a honradez, caros imbecis.
   Hei de ser podre, hei de ser báquico.

   Todo o Eterno: A vinícola.
   Todo o Brutal: Tragédia. Teatro. Umbanda. Candomblé.
   Há outra solução: Comédia. (Sobretudo a farsa).
   Danço! Corro! A sina do poeta: Ator da palavra.
   É – então tudo – que nada me resta.
   Eu dou a montanha destronada do território tomado.
   O sol brilha até exaurir-se.
   A noite vem de lua, vem de lua.
   Prazer, um pouco de vinho.
   Sátiros na noite dançam.
   Bestas, demônios ferozes.
   Dancem! Dancem!
 
   Ventos e prazeres.
   Há uma loucura sempre báquica.
   Há uma terra sempre báquica.
   O que ferve: Natureza destroçada.
   Eu fui catador de destroços.
   Hoje não existe trabalho digno.
   Somente o que é sublime e niilista:
   Vagabundagem, digna arte de coçar.

domingo, 4 de setembro de 2011

O LUME E O LICOR

Estávamos no licor das almas,
um doce licor que guarda
seu veneno intacto,
antídoto ignorado,
sua vestimenta brilha
qual rútilo diamante.

A sombra e a luz se vestem
neste jogo de claro-escuro,
o contorno da poesia
é uma pintura bem
metrificada,
os venenos dos ritmos
cantam nos interstícios,
a lâmina afiada versifica
todo o lume infinito
que se digladia
com o tempo.

A sombra e a luz
se harmonizam
no claro-escuro
numa oscilação linear
que funda minha alma.

O licor que entorno em meu corpo
me faz inspirado poeta
que canta na masmorra
depois de um delírio
que jorrava do mistério.

04/09/2011 Delírios
(Gustavo Bastos)

AVENTURAS DE UM JOVEM NA CRACOLÂNDIA


AVENTURAS DE UM JOVEM NA CRACOLÂNDIA

"Deixe o crack de lado, escute o meu recado." (Racionais MCs)

   Agora virou rotina ver no noticiário a proliferação das cracolândias, a viagem terminal invadiu o nosso país e está dizimando pessoas, degradando em todos os sentidos a dignidade e fomentando a violência.
   Régis morreu de overdose de crack depois de fumar 60 pedras em 1 dia, coisa barata, agora falam até de uma nova invenção, o óxi, que vem para aumentar a dor e a desolação. Régis não era pobre, era de classe média alta, morava num condomínio da Barra da Tijuca aqui no Rio de Janeiro, ele começou com álcool e cigarro aos 13 anos, maconha, benzina e cola aos 14 anos, mas se apaixonou perdidamente pelo crack aos 15 anos, foi uma viagem sem volta. Régis foi encontrado morto na cracolândia de Manguinhos na zona norte do Rio de Janeiro. Um amigo dele de infância, este mais “esperto” que ficou só na maconha hidropônica disse que eles faziam parte de uma gangue de jovens de classe média que saíam para a “night” para brigar nas ruas ou boates, humilhar prostitutas ou pichar muros pela cidade, mas Régis foi longe demais, nos seus últimos dias ele estava perdido da família, estava morando na rua, pois seu pai o expulsara de casa, de menino rico virou um rebotalho, um “nóia”, passou a roubar, assaltar bancos, mas tudo ia para o crack, ele dormia na sarjeta, todas as tentativas da família de recuperá-lo foram em vão, ele fugiu de clínicas de desintoxicação dezenas de vezes, ele tinha o incrível talento de escalar muros e prédios, motivo de ser idolatrado pelas gangues de pichadores, Régis era “o cara” para esses playboys coitados que sonham em ser marginais.
   Vamos ao relato de seu amigo de infância, que falou com Régis poucos dias antes dele morrer. “Régis me dava orgulho, ele era o líder da nossa gangue de pichadores, mas o crack transformou ele completamente, começamos a fumar crack juntos com a galera nos condomínios fechados da Barra, vocês sabem, nós somos da classe alta, mas ficamos entediados e trocamos o conforto da casa e da família pelo conforto das drogas, é que precisamos de adrenalina para viver. Então, como dizia, a última vez que vi meu camarada ele estava transtornado, em crise de abstinência, tava vendo baratas subindo o seu corpo, ela estava magro e depauperado, disse que ia para Manguinhos comprar pasta base de cocaína e crack, ele queria aprender a fazer crack para sustentar seu vício, disse que queria bater seu recorde, lhe dei 100 reais e 50 gramas de skank para ele relaxar, ele me pediu mais dinheiro, mas disse que não daria, ele me chamou de ingrato filho de uma puta e saiu correndo, sumiu, agora esta notícia, de fato eu já esperava por isso, é uma pena. Ainda bem que eu só fumei essa merda por pouco tempo, mas ele foi longe demais.”
   Semanas depois de seu amigo tê-lo visto, Régis é encontrado morto na linha de trem, estava só de bermuda, tinha 10 pedras de crack em seu bolso que ele nem tinha fumado, a notícia que corre agora é que sua mãe tentou o suicídio, está em coma depois de tomar veneno de rato, espero que ela sobreviva, adeus Régis, a cracolândia prolifera, e agora temos uma nova ameaça, o óxi, preparem-se para mais mortes e degradação.

04/09/2011 Crônicas Diversas (crônica 2)
(Gustavo Bastos)



 
 
 

UM POEMA

Os vinhedos vermelhos,
meu coração busca incessante
chama de prazer,
 a balada é sinistra.

Com os olhos vidrados no espelho
de um mim que se perde,
não sou mais.

Eu escapo, solícito ao caos,
a alma não ri e nem chora,
o corpo é só uma referência
de que há espaço em volta,
a dimensão do pensamento
some como névoa.

Eu tomo o cálice,
desejos ficam estacionados
na leve canção mesmerizante,
o vinho desce às entranhas,
eu vou degolado pelo poema
renascer na divagação.

Estes ardis e esquemas,
estas reflexões,
não são mais que enfermidades
sob a pena.
Não sou mais que um poema.

04/09/2011 Delírios
(Gustavo Bastos)



DO POETA E DO AMOR

É como um conto da vala negra,
misterioso pastoso,
se oferece ao holocausto
das letras.

Nota-se de fato sua melodia.
A vida nele pulsa com
o sentido da morte.
O fogo que nele habita
abre a porta do infinito.
Os dias que nele rugem
são dias fatais.

Este poeta que não sabe
a hora de partir ou calar,
poeta das profundezas,
determina seu fardo
com um amor exagerado
e transcendental.
Vai por amor aos dias 
perpetrar sua insânia.

Ora veja, o conto curto
de seus dias é a imagem fiel
de seu itinerário
para o mar,
sua fortuna,
embora pecaminosa,
só conjuga o verbo
amar.

04/09/2011 Delírios
(Gustavo Bastos)