PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 10 de maio de 2015

A NOVA HOLLYWOOD DOS ANOS 1970 - PARTE-II

“A Nova Hollywood foi um sonho de uma década”

   O Exorcista, de William Peter Blatty, teoricamente baseado em fatos reais, chegou às livrarias, os americanos estavam prontos para uma história de possessão demoníaca, já saturados dos banhos de sangue do Vietnã, da Universidade Estadual de Kent e de Manson. O livro virou best-seller. E a Warner começou a procurar alguém para dirigir O Exorcista. Blatty, que escreveu o roteiro e também era o produtor do filme, mandou um exemplar do livro para Bogdanovich, junto com uma dedicatória pedindo a ele para dirigi-lo, ele recusou. Foi então que Blatty se lembrou de William Friedkin, que entendia como alguém que não se limitava nos costumes e etiquetas de Hollywood, e Blatty usou com Friedkin o mesmo subterfúgio que fizera com Bogdanovich, e deu certo, Friedkin se entusiasmou com o projeto. Na época, entretanto, O Exorcista parecia impossível de ser feito, os efeitos especiais necessários, como, por exemplo, levitação, possessão, poltergeists, iam muito além do que se fazia de cinema até então. Ou seja, Friedkin corria um sério risco de cair no ridículo, mas ele não se intimidou. E, no filme, ele teve direito ao corte final. E fechou um elenco de atores bons, que incluía Ellen Burstyn, no papel da mãe, Chris McNeil. Escolher alguém para o papel de Regan, a menina possuída, foi mais difícil. Na época que Linda Blair foi entrevistada, tinha 12 anos. Ficou com o papel.
   Friedkin, antes de O Exorcista, teve dificuldades para se interessar por um roteiro, em abril de 1967, quando Good Times estreou, anunciou à Variety que “o filme narrativo está morrendo e não interessa a mais nenhum diretor sério (...) A nova plateia de cinema, me dizem, tem menos de 30 anos e está interessada nas experiências abstratas. (...) Duvido que alguém consiga me dizer sobre o que é Blow-Up, Julieta dos Espíritos, A Guerra Acabou ou os filmes dos Beatles.” Atacou a indústria e suas produções caríssimas, e jurou manter os orçamentos de seus filmes em um milhão de dólares ou menos. Porém, logo depois dirigiu um projeto de 5 milhões de dólares, Quando o Strip-tease Começou, para a United Artists, com um roteiro coescrito por Norman Lear. Ralph Rosenblum, que depois seria montador de filmes para Woody Allen montou Strip-tease e ficou aborrecido e intrigado com a “agressividade e arrogância” do diretor. Os executivos dos estúdios tinham rotulado Friedkin de gênio, e Hollywood estava na fase “adoramos-os-jovens”, então ele parecia agir como se estivesse num altar.
   Depois de dirigir o filme Rapazes, Friedkin foi aconselhado por Hawks: “Não sei por que você quis fazer um filme desses. As pessoas não querem ver filmes sobre os problemas dos outros ou nenhuma merda psicológica dessas. Querem histórias de ação. Toda vez que fiz um filme assim, com um monte de caras do bem contra os caras do mal, tive um sucesso enorme, se é que isso interessa a você.” Aquelas palavras impressionaram Friedkin, que disse: “Realmente fiquei pensando nelas (...) Eu teria embarcado numa trajetória de fazer filmes tipo Miramax, obscuros, antes até que existisse uma Miramax. Mas tive essa epifania de que não estávamos fazendo filmes para pendurar na porra do Louvre. Estávamos fazendo filmes para divertir as pessoas (...) Foi como se alguém tivesse me dado uma chave para a qual eu ainda não tinha a fechadura, foi o que me levou a fazer Operação França.” Na época deste filme, Friedkin discutia com Coppola e outros caras sobre o rumo que o cinema iria tomar. Isto é, o caminho de Godard, Fellini, documentário, realismo de rua ou formalismo, ou ainda, voos da imaginação. Estes polos não pareciam distantes, na visão de Friedkin, pois ao ver Z, de Costa-Gavras, ele viu que uma história verdadeira era tão emocionante como qualquer ficção. E esta técnica do documentário influenciou a realização de Operação França.
   Por sua vez, o lançamento de O Exorcista foi uma porrada, embora os críticos tenham se dividido, com Kael detestando o filme. Porém, os executivos da Warner se surpreenderam com o sucesso de público, sendo este filme um divisor da indústria, assim como foi O Poderoso Chefão.
  Paul Schrader escreveu um roteiro chamado Taxi Driver, história de um taxista que culmina num banho de sangue. Brian De Palma leu o roteiro e enviou ao produtor Michael Philips, e Scorsese queria dirigir o filme, mesmo que ainda parecesse impossível fazer com que um estúdio se comprometesse integralmente com um roteiro tão sombrio, violento e pouco comercial. Mas, depois de Schrader ter aceitado Scorsese no projeto, Philips decidiu que Scorsese trouxesse o ator De Niro para o mesmo. Enquanto isso, as filmagens de O Poderoso Chefão II começaram no dia 23 de outubro de 1973. E no mesmo ano, Richard Zanuck e David Brown haviam pagado 175 mil dólares pelos direitos cinematográficos de Tubarão, um livro de Peter Benchley, filme que teria Steven Spielberg como diretor.
   No início, Spielberg achou o projeto comercial demais. Ele queria um filme que não deixasse uma marca na bilheteria, mas na consciência das pessoas. “Existem duas categorias: filmes e fitas.”, ele explicou ao produtor. “Eu quero fazer filmes.” E Brown respondeu usando o argumento de Bluhdorn com Coppola: “Olha só, esta pode ser uma fita, mas é uma fita grande. Muito grande. Depois dela você poderá fazer todos os filmes que quiser!” Em 20 de junho de 1975, a Universal lançou Tubarão em 409 cinemas, igual a O Poderoso Chefão, e ao final de suas respectivas passagens pelo circuito, ao fim, O Poderoso Chefão totalizou 86 milhões de dólares, O Exorcista, 89 milhões, e Tubarão os superou com 129 milhões de dólares, um recorde que permaneceu até Star Wars de George Lucas.
   Com Tubarão, a indústria mudou mais uma vez, percebendo o valor de lançamentos amplos. O número de cinemas cresceria, a publicidade maciça na televisão, aumentando os custos de marketing e distribuição, diminuindo a importância de críticas em veículos impressos, tornando impossível um filme crescer gradual e lentamente, encontrando sua plateia à força, ao invés de pela simples qualidade. E, além disso, Tubarão despertou o apetite corporativo por lucros rápidos, o que significou que dali em diante todos os estúdios queriam que todos os filmes fossem Tubarão.
   Nesta altura, Spielberg se tornou o diretor mais aclamado dos Estados Unidos. Embora o autor do livro, Peter Benchley, que lhe fizera duras críticas no Los Angeles Times, dissesse que Spielberg não tinha “nenhum conhecimento da realidade fora do cinema. Sua cultura inclui apenas filmes B. (...) Um dia (ele) ainda será conhecido como o maior diretor da segunda unidade dos Estados Unidos.” (Segunda unidade é uma equipe secundária que durante a produção de um filme se dedica às cenas sem atores, apenas de ambientação e ação). E Benchley acertou, Spielberg se tornou o maior diretor de segunda unidade dos Estados Unidos, e a influência dele e de George Lucas foi tão grande na indústria que todo filme feito por um estúdio tornou-se um filme B e, pelo menos para os grandes blockbusters de ação que hoje dominam a produção dos estúdios, a segunda unidade tomou o lugar da primeira.
   Em 20 de junho de 1975, mesmo dia em que Tubarão tornou-se um marco na história do cinema, Artie Ross foi convidado para jantar na casa de Judy Schneider em Palm Drive. Artie tinha herdado o tanque de óxido nitroso de Brackman e o usava regularmente. A ideia era que quanto mais gás se inalava, melhor o barato. A maioria das pessoas segurava a máscara de borracha contra o nariz, de modo que, se desmaiassem, elas apenas cairiam no chão. Mas Artie costumava colocar a máscara, prendendo-a com a correia. Muitos alertavam Artie que aquilo era perigoso. E, no começo da noite, Blauner passou pela casa de Artie sem avisar, e encontrou um cara tombado de joelhos, para a frente. Ele levantou sua cabeça e viu que era Artie, com uma máscara de gás. Ele tinha morrido de uma overdose de óxido nitroso. A morte de Artie poderia ter interrompido a corrida louca de maconha para ácido para cocaína para freebase no final daquela década. Era um presságio da futura morte de John Belushi. Mas Bert e seus amigos não ligaram. E pode até ter sido o fim da moda do óxido nitroso, mas Bert instituiu uma Artie Party anual no aniversário da morte dele, em que todos tomavam drogas. Ainda existia uma devoção completa às drogas.
   Por sua vez, com a BBS moribunda, a mudança da guarda na Warner e na Paramount, os dois estúdios responsáveis pelos filmes-chave da década, e o surgimento da CAA, 1975 foi um ano crucial para a indústria. Tubarão despertou o apetite dos estúdios por blockbusters e lançado a era das maciças promoções de televisão, e as carreiras de alguns dos maiores diretores do início dos nos 1970 já estavam em ruínas. O mito Bogdanovich veio abaixo, Mike Nichols teve três fracassos seguidos, Nashville de Altman teve um desempenho medíocre. O caminho da desconstrução de gêneros escolhido por alguns desses diretores alertava que o tamanho da plateia para os filmes da Nova Hollywood podia ser bem menor do que eles supunham.
   Taxi Driver, por sua vez, estreou no Cinema 1 de Nova York no dia 8 de fevereiro de 1976, e o filme surpreendeu a todos se tornando um sucesso comercial, e também teve críticas positivas. Kael adorou o filme e compreendeu que, apesar de todo o realismo urbano que Scorsese herdou de Cassavetes e Godard, ele tinha um lado católico, um expressionismo wellesiano que dava às ruas de Nova York a mesma intensidade alucinógena que Coppola obteria com o seu Vietnã nas Filipinas (Apocalypse Now).  
   Por outro lado, George Lucas estava preocupado porque o seu Star Wars tinha estourando o orçamento e achava que o filme não daria dinheiro. O filme seria, segundo ele, “uma tentativa consciente de criar novos mitos.” Como Spielberg, Lucas queria ser levado a sério como artista, receber o tipo de atenção que os críticos derramavam sobre Coppola e Scorsese. Ele disse a Friedkin que havia feito em Loucuras de Verão uma versão americana de Os Boas Vidas de Fellini, e se perguntava por que nenhum crítico havia notado. Friedkin então pensou: “Meu Deus, ele se acha o máximo. Esse cara acha mesmo que foi isso que ele fez?”
   Depois de suas experiências traumáticas com a Warner e a Universal, George Lucas queria que Star Wars fosse produzido por sua própria empresa, e na sua obsessão por controle, também insistiu em reter os direitos à música e os lucros das vendas do álbum da trilha sonora, assim como direitos de continuação, e finalmente, manter os direitos do merchandising. Até Star Wars, o merchandising era uma fonte de renda banal, e Lucas atinou para a importância disso. George Lucas achava que faria mais dinheiro que Coppola com seus brinquedos, que demoravam 18 meses em criação, fabricação e distribuição, embora alguns dissessem que a esta altura todos já teriam esquecido o filme. E era óbvio que não daria para ganhar dinheiro com continuações, e os direitos, portanto, não valiam muito, a não ser que o filme fosse um gigantesco sucesso, o que muitos não acreditavam.
   Coppola, tendo agora O Poderoso Chefão II como melhor que o primeiro, deixou seu ego explodir. Sua carreira brilhava como triunfo triplo: como roteirista, produtor e diretor. Ele tinha muito poder agora. Pode-se dizer, até mesmo, que nem Welles em seu auge, quanto Spielberg, receberam a aclamação generalizada concedida a ele. E ele tinha apenas 35 anos. E então, Coppola decidiu fazer ele mesmo Apocalypse Now. O roteiro, livremente baseado no livro Coração das Trevas, de Joseph Conrad, contava a história de um coronel boina-verde renegado chamado Kurtz, marcado para execução pelo Exército, a narrativa era contada pelos olhos de Williard, o oficial enviado para matá-lo.
   Por sua vez, quando se fez a conta, o custo final de Stars Wars ficou em 9,5 milhões de dólares, com mais alguns milhões adicionais para cópias, anúncios e divulgação. Em apenas três meses acumulou 100 milhões de dólares. A novelização, lançada sem muito alarde pela Bantam, chegou ao quarto lugar na lista de best-sellers em paperback, vendendo dois milhões de exemplares, e em novembro de 1977, Star Wars superou Tubarão, tornando-se o filme mais rentável de todos os tempos, com 193,5 milhões de dólares. Star Wars transformara a Fox num estúdio de sucesso, o que garantiu a Lucas fazer um acordo extorsivo para a continuação Star Wars, O Império Contra-ataca.
   Star Wars acordou os estúdios para a importância do merchandising, mostrando que a venda de livros, camisetas e bonecos podia dar lucros, e as investidas de Star Wars no merchandising, em vez da simples promoção do filme, ganhou vida própria e rendeu além de 3 bilhões de dólares em direitos de licenciamento quando a trilogia Star Wars foi relançada em 1997.
   A genialidade de Lucas estava em remover a ideologia marxista de um mestre da montagem como Eisenstein, e juntar a montagem com o apelo popular da cultura americana. Star Wars fundou o cinema de momentos, de imagens, de estímulos sensoriais cada vez mais dissociados de uma história, facilmente traduzido em videogames. Na realidade, o filme era um salto para os anos 1980 e 1990, a era dos videoclipes não narrativos e videocassetes que permitam ao espectador ver filmes de um modo não linear, surfando as cenas de ação com a tecla “avançar”.
   No final das contas, Lucas e Spielberg reverteram as plateias dos anos 1970, que haviam se sofisticado, com uma dieta de filmes europeus e da Nova Hollywood, às simplicidades da Era de Ouro do cinema, anterior aos anos 1960. Eles estavam, como Kael disse, infantilizando a plateia, com som e espetáculo, longe de ironias, estética, autoconsciência ou reflexão crítica.
   Lucas, naturalmente, rejeita a ideia de que Star Wars tenha arruinado o cinema americano, argumentando: “Star Wars não matou ou infantilizou a indústria do cinema (...) Os filmes-pipoca sempre foram os de maior sucesso.” A ideia era a de que os blockbusters, também, subsidiavam muitos filmes menores. Lucas continua: “Do bilhão e meio de dólares que Star Wars fez, metade, 700 milhões de dólares, foi para os donos de cinema. E o que os donos dos cinemas fizeram com esse dinheiro? Construíram multiplexes. Uma vez que tinham todas as telas, eles precisavam pôr alguma coisa nelas, o que quer dizer que filmes de arte que passavam em lugares mínimos no meio do nada de repente estavam sendo exibidos em grandes cinemas, e começaram a fazer dinheiro. E uma vez que eles começaram a fazer dinheiro, surgiram Miramax e Fine Line, e os estúdios ficaram interessados, e agora existe uma saudável indústria do cinema de arte que não existia vinte anos atrás.”
   Contudo, Scorsese e Altman têm uma visão mais sombria: “Eles não estão subsidiando coisa alguma” diz Scorsese. Eles são tudo e isso é tudo o que existe. A pessoa que tem algo a dizer num filme tem que fazê-lo por 50 dólares. Eles estão sufocando todo o resto.” E Altman: “No verão passado eu tentei achar um filme para ver, então fui a dois multiplexes em Beverly Hills. Todas as telas estavam exibindo O Mundo Perdido – Jurassic Park, Con Air – A Rota de Fuga, O Casamento do Meu Melhor Amigo e A Outra Face. Não havia um único filme que uma pessoa inteligente pudesse dizer: ‘Esse eu quero ver.’ Tudo se tornou um grande parque de diversões. É a morte do cinema.” Marcia Lucas concorda: “Tenho nojo da indústria americana de cinema, agora. Havia tantos filmes bons, e uma parte de mim acha que Star Wars é em parte responsável pela direção que a indústria tomou, e me sinto muito mal com isso.”
   E Apocalypse Now, o projeto que poderia colocar Coppola como o salvador da Nova Hollywood, não fez o mesmo sucesso que O Poderoso Chefão ou sua continuação, e a crítica ficou dividida. Os críticos ficaram fascinados pelos primeiros dois terços do filme, mas o último terço, bombástico e inconclusivo, não funcionou. Coppola não soube o que fazer com Kurtz no filme, e esta sua incapacidade impediu que o filme fosse uma obra-prima. E, diante do triste espetáculo dos diretores da Nova Hollywood, muitos, naquele momento, com suas vidas e carreiras destruídas, Howard Hawks simplesmente disse: “O antigo sistema dos estúdios funcionava porque não podíamos cometer excessos, não podíamos simplesmente sair fazendo tudo o que queríamos.”
   A United Artists, que finalmente aprovara Touro Indomável, o qual seria dirigido por Martin Scorsese, tendo De Niro como astro, estava às voltas com os preparativos para O Portal do Paraíso, dirigido por Cimino que, cheio de si com seus Oscars, teimoso e tão megalomaníaco que fazia Coppola parecer um santo, tinha ganhado o direito de estourar o orçamento, desde que cumprisse o prazo para o lançamento no Natal de 1979. Só que o perfeccionismo de Cimino não tinha limites, e logo ficou claro que sua filmagem era excessivamente lenta. Cimino rodava dez, vinte, trinta tomadas de cada cena e mandava revelar quase todas. E o orçamento só aumentou. E o Directors Guild of America tinha passado novas regras segundo as quais só se podia demitir um diretor por justa causa, e na realidade era impossível tirar alguém de um filme, então os executivos da United Artists decidiram, com Cimino, pelo menos chegar até o fim do túnel. Bach e Field estavam tão obcecados em se tornar os caras que estavam fazendo “um filme de Michael Cimino” que simplesmente deixaram-no deitar e rolar. Quando finalmente se encerrou a filmagem, num trabalho de autor de meses, Cimino tinha 457 mil metros de filme, o que dava 220 horas, e mandou revelar 396 mil metros. A United Artists já estava entalada com Apocalypse Now, e agora a revista Time chamava O Portal do Paraíso de Apocalypse Next.
   A esta altura, Scorsese começou a fazer Touro Indomável, e teve a sorte, digamos, de jamais ter emplacado sucessos gigantescos como O Poderoso Chefão e Star Wars. E como ele não tinha mais nada a perder, isso fez com que ele rompesse com o estilo hollywoodiano convencional, permitindo que ele realizasse o melhor trabalho de sua carreira. E Touro Indomável estreou no dia 14 de novembro de 1980, só que a United Artists estava preocupada demais com O Portal do Paraíso para dar uma campanha promocional necessária a Touro Indomável. O filme de Scorsese foi um fracasso de bilheteria.
   Quanto a O Portal do Paraíso, os filmes que poderiam ter acabado com a era da Nova Hollywood foram O Comboio do Medo, Apocalypse Now, 1941 ou mesmo Reds. Pois, em termos de ambição e orçamento, Cimino não fez nada que Friedkin, Coppola, Spielberg ou Beatty não tivessem feito. Só que O Portal do Paraíso era tão produto da década de 1970 quanto Touro Indomável, e também fracassou. E, despida de sua credibilidade, a United Artists, àquela altura, tornou-se o símbolo de um sistema desacreditado, obcecado com o diretor e, nas suas ruínas, subiria a Paramount, que reinventaria a roda. Portanto, foi O Portal do Paraíso que deu fim à Nova Hollywood. O baque foi imenso, e Coppola disse: “Houve uma espécie de golpe de estado depois de O Portal do Paraíso, iniciado pela Paramount.”
   O novo regime da Paramount deu início a um processo que transformaria toda a produção de filmes em Hollywood. Ex-executivos de televisão, Diller e Eisner tinham um modo televisivo de pensar que deixaria uma marca indelével em todo o processo de produção cinematográfica, focalizando uma única ideia, uma única imagem, para a promoção de filmes. Agora, os lançamentos deveriam ter uma história que pudesse ser condensada num comercial de TV de trinta segundos.
   E então, dali para frente, os filmes pareceriam com histórias em quadrinhos, e às vezes literalmente, como nos filmes de Superman e do Batman. Tal fenômeno ganhou a alcunha de “High-concept”, que passou a denominar os “filmes-eventos”, criados especialmente para mobilizar grandes plateias. Os estúdios voltaram a controlar os filmes, só que agora como um grande negócio, com uma mentalidade empresarial. Os produtores voltaram a tomar conta do processo criativo, mas agora seguindo o lucro. E foi aí que os custos de produção estouraram. E, cada vez mais, os estúdios relutavam em se arriscar com projetos que não pareciam garantir um enorme retorno de investimento. E a distribuição então guiou a produção, acompanhado do fenômeno dos cachês inflacionados das grandes estrelas, criando o que foi chamado de “star system”. E, com isso, neste imediatismo do lucro, o primeiro fim de semana passou a ser tudo para o mercado, é este período que determina, daqui para frente, a sobrevida de um filme no circuito.
   Na indústria cinematográfica, agora, o improviso e a criatividade autoral davam lugar ao cálculo racional da rentabilidade de um filme, inaugurando, nos anos 1980, a mentalidade da sequência. Os filmes, muitas vezes, eram criados para gerar continuações. E quando isso começou, entramos numa era de super-heróis bombados com esteroides que incluíam, por exemplo, o Superman, Schwarzenegger, Stallone, e até Bruce Willis.
   E ocorreu algo sinistro, falando da Nova Hollywood. Enquanto os diretores americanos das primeiras fases de Hollywood ainda trabalhavam aos 60 e 70 anos, e às vezes passavam disso, como os diretores estrangeiros Buñuel, Kurosawa, Fellini e Bergman, os diretores americanos dos anos 1970, com raras exceções, consumiram-se rapidamente como fogos de artifício, depois de uma explosão brilhante. Eram eles: Friedkin, Bogdanovich, Ashby, Scharder, Rafelson e Penn. Apenas Scorsese, e em menor escala, Altman, se recuperaram. Só Spielberg ia de sucesso em sucesso. E George Lucas colocou Star Wars como o seu destino.
   E agora, mesmo com uma perspectiva sombria, apareceram lampejos nos anos 1980, como Oliver Stone e os irmãos Coen, e nos anos 1990, como Quentin Tarantino e Atom Egoyam. Mas, isso não é nada que suplante o domínio dos blockbusters, deixando pérolas como Fargo serem feitos a troco de nada. Como Altman disse: “Cansa ficar pintando seus quadros e indo para a rua vendê-los na esquina por um dólar.” E os independentes só são um nome, podem, a qualquer momento, serem engolidos e corrompidos pelos estúdios. A Nova Hollywood foi um sonho de uma década e,  mesmo agora com o ditame do lucro, é parte da história da indústria cinematográfica americana.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário: http://seculodiario.com.br/22729/14/a-nova-hollywood-dos-anos-1970-parte-2