“o governo dos Estados Unidos comprou praticamente todo o
estoque mundial do remédio remdesivir para
os próximos três meses”
O remdesivir foi criado originalmente para o combate do
ebola, antiviral que se tornou uma aposta dos Estados Unidos contra a Covid-19.
Contudo, estudo publicado na The Lancet não apontou resultados efetivos do
remdesivir, apenas uma ligeira diminuição do tempo na recuperação de doentes
pela Covid-19, redução também do índice de mortalidade, mas nada
estatisticamente relevante.
A Gilead, farmacêutica norte-americana, acusada de abuso de
monopólio e violação de patentes, tem planos de lucrar por anos com o
remdesivir. “Hoje nós temos um remédio com potencial para acabar com a epidemia
do HIV. O problema é que a Gilead é a única proprietária, e ela cobra preços
astronômicos.”
A crítica feita pelo deputado Elijah Cummings se dirige a Gilead
Sciences, fabricante de remédios contra HIV, hepatite C e, agora, a Covid-19. A
empresa Gilead é conhecida por tirar o máximo proveito de suas patentes, mesmo
quando isso impede o tratamento de milhões de pessoas. A patente da Gilead
garante exclusividade de venda do remdesivir por 20 anos. A farmacêutica, contudo, vem sendo pressionada
a dividir a patente com o governo dos Estados Unidos.
A Gilead tem um histórico vasto de práticas de preços
exorbitantes de suas medicações, que envolve, por exemplo, o remédio anti-HIV
truvada, que levou o governo norte-americano a processar a Gilead, em novembro
passado, por infração de patentes, envolvendo a propriedade do truvada como
tratamento preventivo do HIV.
Também houve prática de preços abusivos, por parte da Gilead,
na comercialização de uma droga revolucionária contra a hepatite C, lançada em
2014, o sofosbuvir, e foram dirigidas críticas ao que foi chamada de “pílula de
mil dólares”, o que levou o Senado dos Estados Unidos a abrir uma investigação
sobre a política de preços da empresa. E o relatório final concluiu que a
Gilead buscava o máximo de lucro sem considerar a saúde dos pacientes.
Por sua vez, a prática bem conhecida de abrir mão da patente
em mercados mais pobres e menos lucrativos se repete no caso do remdesivir, num
acordo da Gilead com laboratórios da Índia e do Paquistão, distribuindo a droga
em 127 países em que a empresa abriu mão das patentes, o que é mais uma jogada,
pois a Gilead receberá royalties assim que a OMS anunciar o fim do estado de
emergência.
Tal prática se repete, também, com o kaletra, por parte de
Israel, medicação para HIV que também vem sendo testada contra a Covid-19,
medicação esta que é de baixo retorno financeiro, patente da farmacêutica
Abbvie, o que deixa feliz o marketing da empresa, mas não tem impacto econômico
algum.
Recentemente, a agência reguladora de saúde europeia tem na
remdesivir o primeiro tratamento, pois a agência recomendou a aprovação
condicional do tratamento antiviral remdesivir da Gilead Sciences Inc para
pacientes de Covid-19 na Europa, remédio que na região será batizado com o nome
de Veklury, assim que a Comissão Europeia aprovar a droga.
Contudo, não há resultados definitivos sobre a eficácia da
droga no tratamento da Covid-19, e a Gilead promete tais resultados para
dezembro deste ano. Por sua vez, o remdesivir já foi aprovado para uso
emergencial em pacientes gravemente doentes nos EUA, Índia e Coreia do Sul e
recebeu aprovação total no Japão.
Nos últimos dias, contudo, recebemos a notícia polêmica de
que o governo dos Estados Unidos comprou praticamente todo o estoque mundial do
remédio remdesivir para os próximos três meses. Donald Trump fez um acordo com
a Gilead, e tal acordo recebeu críticas, assim como o preço da droga.
A droga será distribuída a hospitais a partir da regulação
das pastas de saúde estaduais e federal, e o preço não poderá passar dos quase US$
3.200 estipulados pela Gilead. Por sua vez, haverá entregas a cada duas semanas
em hospitais, lembrando que nos Estados Unidos não há um sistema de saúde
universal gratuito e os custos estão sob responsabilidade de planos de saúde ou
pelo próprio paciente.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/a-peste-parte-vii