PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

SINAIS DA TERRA PERDIDA III

III – INCENDIÁRIOS


As naus combatem nas fontes ígneas, e o capitão dá o colo à princesa.

Bem-aventurados, as mesmas tropas de outrora, que buscavam nos salões de vidro o sal morto e a viva canção das fúrias, com brios intempestivos que comiam as máquinas, com os motores de válvulas velhas do poema como um rasgo de existência.

Não procurei no horror dos salões de uma nau o que estive a procurar, o salgado mergulho, ou as bocas fêmeas idólatras da fadiga do meu honroso combate.

Eu vi a doce bruxa da estrada morder o meu delírio, e as naus das fontes se cobriam daquele calor familiar da paixão. Esperei a tal bruxa invadir os meus pesadelos, ela que era a mais bonita de tal estadia nas fontes de fumaça, ígneas fontes das naus perdidas, que no mar gritavam, levadas ao calabouço da tragédia, e o mar se agigantou – a própria tragédia.

Passeava atrás dos tesouros perdidos, da terra perdida, do sonho fugidio, na estrada dos calores; imerso ou afogado, estupor e orgia me levavam. O que era bem esperado por mim, não veio. Eu esperei, passeava em busca da riqueza, da matéria mais limpa, do ouro mais vasto. Eu degluti a espera. Esperei e morri. Mas que vida mais insípida tive que viver. A bruxa era uma princesa que eu sentia bem próxima, poderia ser até uma libertina.

Mas, voltei à terra. Os incendiários desceram das naus, aqui entre os portos de uma terra enevoada dos delírios, do viço titânico das armas, e a solda das quenturas ígneas de uma tal fonte invisível.

Já que eu era um tal soldado, saía caçando a beleza. Eu também deveria dizer: uma princesa será minha, um encanto será meu, e todas as muralhas cairão perante o fogo.

As naus descansam já em cinzas. E as cinzas são o sangue que eu derramo, não livrando o pecado ou o crime de todas as mortalhas do impossível.

Era tal caminho próprio ao meu lar, sou o mesmo poeta que incendiou as almas do inferno, que nas naus combatia como um visionário, e que da loucura tomou a vitória. Depois de toda tragédia, do alarme da podridão, e dos gritos enfeitiçados de sonho.

Eu levei um tal incêndio que dormia em mim. Não fico com o que buscava. O tesouro da existência não foi achado, pois é apenas um oásis, ou seja, fontes ígneas de ilusão.

SINAIS DA TERRA PERDIDA II

II – DILACERADOS


Bem dispostos estão os brutos, superadas estão

a sensibilidade e a dilaceração.

Estamos ao mundo, e as orgias

são festanças intermináveis.

Como direi aos belos corações um vinho

e uma fagulha de amor na antecâmara do caos?

Não perguntei por estes ovos de serpente,

Nem há o que comer em tais embriões.

O que de ódio vive, lá no intenso sopro corria.



Ao ver-te, minha dama, senti a melhor inspiração.

Mas vem a Vênus tardia. (Vozes do Mito).

Eu brinco de fazer castelos, pelas palavras adiante.

Devaneios são o infortúnio que eu criei de teimoso,

À vivificante dilaceração!



Em que obrar, a não ser dizer?

A língua é que julga o que nos rodeia.

Somos capazes de reconhecer na beleza

Um pouco de tragédia.

É das árvores de copas vermelhas que o outono se vê,

E em si mesmo se fere.

Há de ter uma lógica natural,

Quando caem os estimulantes dos olhos,

E as bruxarias acordam com risos estridentes.

Quem diz que é certo ao lado de fora?

Pois lá não é mundo. É de lá que tudo aqui se sustenta.

De onde? Do além que não se vê,

Tais sentidos físicos, não alquímicos.

Dilacerados. Matança!

Já era mortalha nos vales da Babilônia.

Ou um Minotauro de Creta que era uma tumba.

Quem quer ver ouro e morre?

São os ditos pagãos.

Eles não comem hóstia.



Regimento. É hora de partir!

Com a rua aniquilada eu dou o veredicto terrível.

Mais que o regimento, as horas do soldado da noite.

No rufar dos tambores se anuncia:

Guerra aos generais!

A sensibilidade requer uma força sobre-humana.

Que me ferve, ó anjo da sede!

Senão as paixões? Pois ela é dita uma dama.

Pois tem paixões, no singular, como seria tal mulher.

Ela bem sabe que o paganismo

Está mais próximo da lógica natural,

Que a tragédia grega eleva o espírito.

Já não se tem piedade?

Ó mártir! Te quero o meu refém. Belo Cristo é este danado!

Os deveres da compaixão também seguem a cruz.

Tão vivo é o pagão e tão comovente é o cristão!

Eu não sei de nada que seja inoportuno.

Quem dá o sinal da terra perdida?

Ela nunca existiu!