(SETEMBRO AMARELO)
“O caso de Sylvia Plath foi um dos mais intensos casos de mitificação e romantização de um suicídio na literatura que tenhamos conhecido na História.”
INTRODUÇÃO
Na Grécia antiga tínhamos a definição de melancolia pela bílis negra, esta sensação ausente de seu objeto é o vazio da alma que depois, modernamente, nomearão como depressão, o estado de spleen baudelairiano, e esta ligação da melancolia com a arte leva a uma romantização, ou se faz uma obra ou se sucumbe.
A melancolia que é um temperamento solitário e esta ligação com a arte que culmina no chamado “Efeito Werther”, que é uma onda de suicídios, afetando sobretudo jovens românticos, na Europa, no século XVIII, com inspiração no romance epistolar “Os Sofrimentos do Jovem Werther” de Johann Wolfgang Goethe.
Na psicologia social também se apresentam os casos de suicídios coletivos de seitas religiosas, neste temos como exemplos clássicos as seitas dos pastores Jim Jones, na Guiana, em 1978, David Koresch, nos EUA, em 1993, e Luc Jouret, na Suíça e no Canadá, em 1994.
Edwin Shneidman, por sua vez, nasceu em York, em 1918, e morreu em Los Angeles, em 2009. Este estudioso, que é considerado por muitos como o pai ou o fundador da Suicidologia, foi um psicólogo de formação, e como um dos expoentes principais na investigação intelectual e empírica na área do suicídio e da tanatologia, trouxe muitas contribuições em caráter pioneiro que culminou nas ações preventivas contra o ato suicida.
Shneidman foi um dos pioneiros do Centro de Prevenção do Suicídio de Los Angeles e da Associação Americana de Suicidologia, foi professor na Universidade da Califórnia, e ajudou na fundação da revista “Suicide and Life-Threatening Behavior”. As obras principais de Shneidman são : “The definition of suicide”, de 1985, “Suicide as psychache”, de 1993, e “The suicidal mind”, de 1996.
Shneidman partiu para as suas investigações sobre o fenômeno do suicídio tendo como uma das inspirações as teorias da personalidade de Henry Murray, e Shneidman então consolidou a concepção de que o suicídio seria o resultado final da confluência de um máximo de dor, um máximo de perturbação e um máximo de pressão, uma espécie de modelo cúbico que ficou conhecido como o “cubo suicida de Shneidman”.
Em 1987, Shneidman escreve : “ No Ocidente, o suicídio é um ato consciente de auto-aniquilação, melhor compreendido como uma doença multidimensional num indivíduo carente que acredita ser o suicídio a melhor solução para resolver um problema”. Em 1996, por sua vez, Shneidman vai além dos famigerados marcadores biológicos, e centraliza o foco do suicídio como um fator de fracasso da sociedade. Em 2001, ele afirma : “ O suicídio é um drama da mente … quase sempre relacionado com a dor psicológica, a dor das emoções negativas”.
Shneidman estará também na elaboração do que será chamado de autópsias psicológicas, uma metodologia de investigação empírica sobre casos de suicídio. Este termo surgiu então em 1958, autópsia psicológica do suicídio se ligando ao esclarecimento de mortes após a realização da autópsia médico-legal, numa colaboração entre médicos-legistas e a Psiquiatria e a Saúde Mental.
ANA CRISTINA CESAR
Ana Cristina Cesar foi uma poeta que viveu os anos 70 em que tivemos o surgimento da poesia marginal e da nuvem cigana, e que se tratava de um conjunto de poetas coloquiais, declamatórios, enquanto Ana C. tinha uma dicção mais epistolar, uma sofisticação que passava ao largo do discurso mais direto que vicejava na nuvem cigana, por exemplo. Ela viveu de 1952 até 1983, se suicidando aos 31 anos.
Ela travou uma dura e longa batalha contra a depressão. Em 1976 foi incluída na coletânea “26 Poetas Hoje”, esta que fora organizada por Heloisa Buarque de Hollanda, e a partir disto Ana C. ganha certa projeção, mas seu livro solo somente viria à lume com a ajuda de seu amigo Caio Fernando Abreu, em 1982, pela lendária coleção “Cantadas Literárias”, da Brasiliense, que é o livro “A Teus Pés”.
Circulando por um público restrito, a sua poesia ganhou amplitude com a antologia de 2013, “Poética”, da Companhia das Letras, que é o melhor documento de grande parte de seu espólio literário até o momento. Um dado curioso foi quando entre 1979 e 1981 a poeta fez um mestrado em Essex, na Inglaterra, ela estava lendo “O Morro dos Ventos Uivantes” e foi conhecer Haworth, a cidade em que Emily Brontë viveu.
“Com que direito, Deus, com que direito ela fez isso? Logo ela, que tinha uma arma para sobreviver — a literatura — coisa que pouca gente tem.” Quem escreveu isso, em carta, foi o escritor Caio Fernando Abreu, pouco após receber a notícia sobre o suicídio de Ana C., em um texto de Caio podemos ver seu testemunho sobre diversas tentativas anteriores da poeta de tirar a própria vida em seu último ano de vida, até que, enfim, a poeta conseguiu seu fim. O relato de Caio é impressionante, e sua amizade com a poeta teria sido uma coisa recente e intensa, ele teve contato estreito com Ana C..
Ana Cristina Cesar cometeu suicídio em 1983, aos 31 anos, atirando-se pela janela do apartamento dos pais, na rua Tonelero, em Copacabana. Um dos talentos emergentes em um cenário literário acanhando, de dicção rara e própria, acabara de desaparecer, o prejuízo era enorme. Ana C. era bonita e culta, e recebeu diversas homenagens post mortem, e temos que falar entre manifestações verdadeiras, e outras nem tanto, afetadas, tentando se associar a esta aura que ela conquistara por si mesma, após a sua morte e durante a sua atividade em vida. Quanto ao desfile de namorados e quejandos, após o suicídio de Ana C., segundo alguns relatos, se salvam Marcos Augusto Gonçalves e outros poucos, quanto ao resto, era algo estarrecedor, numa competição de mau gosto, contrastando com a elegância que tinha a poeta em vida.
SYLVIA PLATH
Na noite fria de 11 de fevereiro de 1963, a poeta americana Sylvia Plath vivia na casa que tinha pertencido a Yeats, em Primrose Hill, Londres, e foi quando deitou os filhos no quarto do 1º andar, esperou que eles dormissem, deixou a janela deste quarto aberta, calafetou as portas, deixou pão com manteiga e leite na mesa de cabeceira e desceu para a cozinha, ali Sylvia cometeu suicídio colocando a própria cabeça dentro do forno do fogão e abrindo o gás.
Sylvia Plath tinha 30 anos quando se suicidou, e ali seu mito se expandiu, mas infelizmente eclipsando a sua relevante produção literária, girando uma discussão anódina que focava neste episódio de seu suicídio, e grandes trabalhos como Ariel e outros acabaram sendo atropelados, muitas vezes, por esta sua biografia acidentada e o relacionamento tempestuoso com seu marido e também poeta Ted Hughes.
E o feminismo meio que distorceu seu mito priorizando o fato de Sylvia ter sido uma vítima de infidelidade conjugal. Mais uma vez, temos este mito suicida eclipsando a sua produção literária. (Aqui faço a observação necessária de destacarmos estes casos de suicidas na literatura quando temos um propósito claro, como alerta e exemplo, que é o engajamento no Setembro Amarelo).
No filme “Annie Hall”, Woody Allen resume a história de forma lapidar: “Uma boa poetisa cujo trágico suicídio foi interpretado como ‘romântico’ por uma mentalidade adolescente.” Esta romantização do suicídio e das doenças mentais se tornou uma perversão recorrente nas artes e na literatura.
No caso de Sylvia Plath este fenômeno de perversão vicejou fortemente, talvez, como um dos mais intensos casos de mitificação e romantização de um suicídio na literatura que tenhamos conhecido na História. O que ocorreu com Sylvia pode ser afirmado como algo sem precedentes e que macula a sua produção poética, uma vez que seu destaque ganha uma carga sinistra, apagando a luz que habita em seus poemas.
Em meio a forma leviana com que a mídia inglesa abordou esta tragédia e a redução feminista de uma vitimização que apaga o seu conteúdo literário, Sylvia Plath, e aqui se dá o espanto, tem neste seu último período de vida exatamente uma de suas produções mais relevantes e importantes, e que se trata de alguns de seus melhores poemas como o famoso e autobiográfico “Lady Lazarus” e o hermético “Papoilas em Outubro”. O contraste de tais poemas com a iminente romantização de seu suicídio reforça ainda mais esta perversão que aconteceu com a sua imagem de poeta.
FLORBELA ESPANCA
Florbela d’Alma da Conceição Espanca foi o nome artístico adotado por Flor Bela Lobo, a poeta portuguesa viveu de 1894 até 1930 e se tornou um dos nomes mais importantes da Literatura de Portugal. A poeta tinha uma expressão exaltada, com temas sobre o amor, erotismo, sofrimentos, e que colocava a figura feminina como um dos centros de sua obra poética. Florbela Espanca teve durante a sua vida a publicação de duas antologias, estas foram o “Livro de mágoas”, de 1919, e o “Livro de sóror saudade”, de 1923.
Florbela Espanca, em 1927, passa por uma tragédia pessoal (familiar), que foi a morte de seu irmão, fato do qual ela não se recupera. Seu irmão Apeles havia morrido em um acidente de avião, o que gerou uma homenagem de Florbela Espanca a seu irmão, que foi o conjunto de contos que formou o livro “As máscaras do destino”, que acabou sendo publicado em 1931, já após a morte da poeta.
Florbela Espanca tentou por três vezes o suicídio, já muito abalada com a morte de seu irmão, sendo que nesta terceira tentativa ela conseguiu morrer, o que ocorreu no dia de seu aniversário de 36 anos, em 8 de dezembro de 1930, na cidade de Matosinhos, o seu suicídio se consumou com uma superdose de barbitúricos.
Um dos resultados póstumos do sofrimento que levou Florbela ao suicídio foi o “Diário do último ano”, esta obra só foi publicada em 1981, estes escritos de Florbela são de 1930. Temos ainda outras obras póstumas da poeta como “Charneca em flor”, escrita por volta de 1927, e que foi publicado em 1931. A poeta tentou um editor para este livro, mas não teve êxito.
De sua obra póstuma ainda temos sonetos e poemas publicados que podem ser lidos em edições em como Juvenília, de 1931, e Reliquiae, de 1934, tendo ainda uma publicação “Sonetos completos”, de 1934, que foram escritos reunidos por Guido Batteli, italiano professor de Literatura da Universidade de Coimbra, e que tem a obra completa de Florbela Espanca. Após estas publicações póstumas, tivemos diversas outras, lembrando que a fortuna literária de Florbela, para além de sua poesia, ainda consiste em textos para jornais e traduções de obras literárias.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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