PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 30 de abril de 2020

A SAÍDA DE SÉRGIO MORO

“Bolsonarismo e lavajatismo deixaram agora de ser correlatos”

A troca de ministros no governo de Jair Bolsonaro começa a ter efeitos que colocam a imagem deste de “nova política” numa situação complexa. O começo da rachadura no edifício bolsonarista veio com a demissão do ministro da Saúde, Mandetta, em meio à uma crise na saúde pública sem precedentes, numa pandemia que coloca o vírus Sars-Cov-2, que provoca a doença Covid-19, aparecendo como um enorme problema que nos desafia a todos, justamente, no governo mais inepto da História da democracia e da República brasileira recente.
O que agrava a situação, agora, por sua vez, é a saída de Sérgio Moro, abalando o edifício em que se sustenta o governo de Bolsonaro, e uma vez mais operando mais uma dissidência, e surgindo no horizonte um possível concorrente de Jair nas eleições de 2022, uma vez que, agora, se rompe a aliança que houve no início de 2019, quando tínhamos duas nomenclaturas que são o bolsonarismo e o lavajatismo, andando lado a lado, e a ideia de nova política como o fim do conchavo.
Contudo, agora, em 2020, vemos uma ação completamente patrimonialista de Bolsonaro, no jogo político de proteção de seus filhos de possíveis acusações, desde o gabinete do ódio do Carluxo até as rachadinhas de Flávio. O jogo político que coloca, então, a pretensa nova política, que de nova não tem nada, de frente ao flerte pelo apoio do Centrão, a área mais clientelista e fisiológica da política atual do Brasil.
O que uniu lavajatismo e bolsonarismo, o combate à corrupção, acabou colocando Sérgio Moro no caminho de Jair Bolsonaro. Esta união deixou a imagem de Moro de um juiz federal da Operação Lava-Jato, como um possível político ou futuro ministro do Supremo, este era o fim a que se dava a nomeação de Moro como Ministro da Justiça, mirando o Supremo, mas, ao mesmo tempo, dando a sensação de que Moro acabava de se tornar, além de ministro, um político.
Mas, ainda sob o condão do bolsonarismo, Moro ainda era essencialmente lavajatista e representava esta ideia heroica contra a corrupção mais do que a mitologia que cobriu a imagem de Jair Bolsonaro. No andamento dos fatos políticos, contudo, dentro do cenário político da direita brasileira, tal racha entre estas duas nomenclaturas já se radicalizava, e agora os nomes próprios destas nomenclaturas, Bolsonaro e Moro, rompem e entram em colisão.
Sérgio Moro já olha para o horizonte, e já se vê num lugar de oposição à Bolsonaro, com o argumento de que não foi contra os próprios princípios, de que não se rendeu ao patrimonialismo e de que tentou proteger a Polícia Federal, um órgão de Estado, de sua aparelhagem política e que saiu do caminho que lhe colocaria ao lado do movimento de Jair Bolsonaro de beneficiar o seu clã familiar a qualquer custo, como um governo de clã que deixa de governar de fato e age com operações de manter seu poder e de não perder a unidade deste bloco monolítico formado por Bolsonaro e seus filhos.
A nomeação de Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal (que agora foi vetada por Alexandre de Moraes), a demissão de Valeixo, que era próximo de Moro, e este fito de proteção contra denúncias que podem colocar os filhos de Jair Bolsonaro na cena de casos de corrupção ou ação política de gabinete com disseminação de ódio via bots diversos, é o movimento que deixa claro que o bolsonarismo, que rompeu com o PSL e que agora se choca de frente com Moro e o lavajatismo, pode agora descolar a imagem da Operação Lava-Jato do governo Bolsonaro e o bolsonarismo se voltar cada vez mais para a sua claque fiel, pregando para convertidos.
O grande pilar Sérgio Moro é o iceberg gigante que se descola do continente do governo de Bolsonaro, e as consequências são sensíveis para colocar Bolsonaro, enfim, na mão da parte mais fisiológica do Congresso Nacional, contradizendo todo o discurso que elegeu Bolsonaro na sua grande onda mitológica, que mais lembrava a adoração do bezerro de ouro. Esta adoração já causou um certo furor, e os dissidentes viraram iconoclastas, percebendo que amaram uma quimera.
Sérgio Moro, para muitos destes, sempre foi a alternativa e para muitos a ideia principal deste ímpeto anti-corrupção, agora mais factível com este choque político e de declarações por parte de Moro e Bolsonaro, e o fim desta união colocando em lados opostos os dois luminares que se ancoraram no anti-petismo, e que agora produzem, neste entrechoque, duas frentes políticas que consolidam e cristalizam efeitos que apareceram desde as jornadas de junho de 2013, ganharam corpo e fundamentação com a Operação Lava-Jato e foram alçadas ao poder em 2019.
Bolsonarismo e lavajatismo deixaram agora de ser correlatos, e a ideia de nova política se torna uma aventura patrimonialista sem precedentes, com ações de manutenção do poder político e não com o ato mais importante de governar ou de o presidente Jair Bolsonaro se portar como um estadista. Na verdade, o papel de Bolsonaro é de um agente do caos, provocando ruído o tempo todo, perdendo todas as suas bases, colocando na agenda do Congresso a ideia de impeachment, contudo, sem grandes efeitos, pois, certamente, estes pedidos não irão para a frente,  e deixando como saída para Bolsonaro se unir com a ala clientelista da velha política.
Sérgio Moro tem nas mãos um imenso capital político e consegue ser mais popular que Jair Bolsonaro, é um concorrente forte para enfrentar Bolsonaro em 2022, que ainda está longe, e aqui, em 2020, no enfrentamento do coronavírus, depois da saída de Mandetta e de Moro, Bolsonaro endossa novamente seu Posto Ipiranga, pois este é seu último pilar para seu governo parar de pé.
De seu lado, Moro é considerado como um herói, e vai que este herói possa ser mais forte que um mito, num país que já teve seus salvadores da pátria, como Lula, um caçador de marajás, como Collor, e que elege líderes carismáticos que passam longe da postura de estadistas, políticas de Estado que são a utopia verdadeira de toda democracia.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.