A troca de ministros no governo de Jair Bolsonaro começa a
ter efeitos que colocam a imagem deste de “nova política” numa situação
complexa. O começo da rachadura no edifício bolsonarista veio com a demissão do
ministro da Saúde, Mandetta, em meio à uma crise na saúde pública sem
precedentes, numa pandemia que coloca o vírus Sars-Cov-2, que provoca a doença
Covid-19, aparecendo como um enorme problema que nos desafia a todos,
justamente, no governo mais inepto da História da democracia e da República
brasileira recente.
O que agrava a situação, agora, por sua vez, é a saída de
Sérgio Moro, abalando o edifício em que se sustenta o governo de Bolsonaro, e
uma vez mais operando mais uma dissidência, e surgindo no horizonte um possível
concorrente de Jair nas eleições de 2022, uma vez que, agora, se rompe a
aliança que houve no início de 2019, quando tínhamos duas nomenclaturas que são
o bolsonarismo e o lavajatismo, andando lado a lado, e a ideia de nova política
como o fim do conchavo.
Contudo, agora, em 2020, vemos uma ação completamente
patrimonialista de Bolsonaro, no jogo político de proteção de seus filhos de
possíveis acusações, desde o gabinete do ódio do Carluxo até as rachadinhas de
Flávio. O jogo político que coloca, então, a pretensa nova política, que de
nova não tem nada, de frente ao flerte pelo apoio do Centrão, a área mais
clientelista e fisiológica da política atual do Brasil.
O que uniu lavajatismo e bolsonarismo, o combate à corrupção,
acabou colocando Sérgio Moro no caminho de Jair Bolsonaro. Esta união deixou a
imagem de Moro de um juiz federal da Operação Lava-Jato, como um possível
político ou futuro ministro do Supremo, este era o fim a que se dava a nomeação
de Moro como Ministro da Justiça, mirando o Supremo, mas, ao mesmo tempo, dando
a sensação de que Moro acabava de se tornar, além de ministro, um político.
Mas, ainda sob o condão do bolsonarismo, Moro ainda era
essencialmente lavajatista e representava esta ideia heroica contra a corrupção
mais do que a mitologia que cobriu a imagem de Jair Bolsonaro. No andamento dos
fatos políticos, contudo, dentro do cenário político da direita brasileira, tal
racha entre estas duas nomenclaturas já se radicalizava, e agora os nomes
próprios destas nomenclaturas, Bolsonaro e Moro, rompem e entram em colisão.
Sérgio Moro já olha para o horizonte, e já se vê num lugar de
oposição à Bolsonaro, com o argumento de que não foi contra os próprios
princípios, de que não se rendeu ao patrimonialismo e de que tentou proteger a
Polícia Federal, um órgão de Estado, de sua aparelhagem política e que saiu do
caminho que lhe colocaria ao lado do movimento de Jair Bolsonaro de beneficiar
o seu clã familiar a qualquer custo, como um governo de clã que deixa de
governar de fato e age com operações de manter seu poder e de não perder a
unidade deste bloco monolítico formado por Bolsonaro e seus filhos.
A nomeação de Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal
(que agora foi vetada por Alexandre de Moraes), a demissão de Valeixo, que era
próximo de Moro, e este fito de proteção contra denúncias que podem colocar os
filhos de Jair Bolsonaro na cena de casos de corrupção ou ação política de
gabinete com disseminação de ódio via bots diversos, é o movimento que deixa
claro que o bolsonarismo, que rompeu com o PSL e que agora se choca de frente
com Moro e o lavajatismo, pode agora descolar a imagem da Operação Lava-Jato do
governo Bolsonaro e o bolsonarismo se voltar cada vez mais para a sua claque
fiel, pregando para convertidos.
O grande pilar Sérgio Moro é o iceberg gigante que se descola
do continente do governo de Bolsonaro, e as consequências são sensíveis para
colocar Bolsonaro, enfim, na mão da parte mais fisiológica do Congresso
Nacional, contradizendo todo o discurso que elegeu Bolsonaro na sua grande onda
mitológica, que mais lembrava a adoração do bezerro de ouro. Esta adoração já
causou um certo furor, e os dissidentes viraram iconoclastas, percebendo que
amaram uma quimera.
Sérgio Moro, para muitos destes, sempre foi a alternativa e
para muitos a ideia principal deste ímpeto anti-corrupção, agora mais factível
com este choque político e de declarações por parte de Moro e Bolsonaro, e o
fim desta união colocando em lados opostos os dois luminares que se ancoraram
no anti-petismo, e que agora produzem, neste entrechoque, duas frentes
políticas que consolidam e cristalizam efeitos que apareceram desde as jornadas
de junho de 2013, ganharam corpo e fundamentação com a Operação Lava-Jato e foram alçadas ao poder em 2019.
Bolsonarismo e lavajatismo deixaram agora de ser correlatos,
e a ideia de nova política se torna uma aventura patrimonialista sem
precedentes, com ações de manutenção do poder político e não com o ato mais
importante de governar ou de o presidente Jair Bolsonaro se portar como um
estadista. Na verdade, o papel de Bolsonaro é de um agente do caos, provocando
ruído o tempo todo, perdendo todas as suas bases, colocando na agenda do
Congresso a ideia de impeachment, contudo, sem grandes efeitos, pois,
certamente, estes pedidos não irão para a frente, e deixando como saída para Bolsonaro se unir
com a ala clientelista da velha política.
Sérgio Moro tem nas mãos um imenso capital político e consegue
ser mais popular que Jair Bolsonaro, é um concorrente forte para enfrentar
Bolsonaro em 2022, que ainda está longe, e aqui, em 2020, no enfrentamento do
coronavírus, depois da saída de Mandetta e de Moro, Bolsonaro endossa novamente
seu Posto Ipiranga, pois este é seu último pilar para seu governo parar de pé.
De seu lado, Moro é considerado como um herói, e vai que este
herói possa ser mais forte que um mito, num país que já teve seus salvadores da
pátria, como Lula, um caçador de marajás, como Collor, e que elege líderes
carismáticos que passam longe da postura de estadistas, políticas de Estado que
são a utopia verdadeira de toda democracia.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/a-saida-de-sergio-moro
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