PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

A BATALHA ENTRE TRADERS E WALL STREET NO CASO GAMESTOP

“movimentação de jovens traders que estão numa espécie de batalha ideológica contra fundos de investimento”

Uma varejista de videogames chamada Gamestop foi, recentemente, objeto de um movimento especulativo no mercado financeiro, o preço de suas ações disparou mais de 120% nas negociações de 27 de janeiro de 2021,  em uma movimentação de jovens traders que estão numa espécie de batalha ideológica contra fundos de investimento. Consiste em uma batalha entre os profissionais de Wall Street e investidores que usam plataformas de mídia social como o Reddit.

A Gamestop teve suas ações infladas artificialmente, pois é uma empresa falida, o que não impediu este movimento intenso combinado via Reddit, de traders ligados a plataformas de negociação gratuitas e de baixo custo, como Robinhood. Outras empresas entraram neste jogo dos traders como Blackberry, AMC e Nokia. Numa batalha entre fundos e grandes investidores, de um lado, e estes investidores online que atuam no varejo do mercado de ações, de outro lado.

Um dos núcleos em que se deu o conflito está na chamada “venda a descoberto”, quando um fundo toma emprestadas ações de uma empresa de outros investidores na expectativa de que o preço das ações irão cair. Então este fundo vende as ações nos mercados a um preço, estas ações caem de valor, e este fundo compra novamente estas ações, embolsando a diferença de preços da oscilação, o que configura uma operação chamada de short selling, no jargão do mercado.

A Gamestop tem 30% das ações nas mãos de fundos de hedge, só que esta movimentação de investidores de varejo fizeram com que as ações desta empresa subissem muito, colocando estes profissionais dos fundos de hedge em maus lençóis, com a reação destes grandes investidores de Wall Street voltando ao mercado tentando limitar suas perdas, mas esta demanda empurrando as ações mais ainda para cima. E as discussões no Reddit retratam, em meio a este cenário, um  conflito aberto destes investidores varejistas contra Wall Street, num tipo de luta geracional, redistributiva.

Um dos incentivadores desta movimentação sem precedentes foi o bilionário Elon Musk, que tuitou a palavra "Gamestonk", junto com um link para o fórum de mensagens do Reddit que estava bombeando o estoque. Um dos entendimentos é que este grupo de investidores do Reddit representa uma mudança geracional na visão sobre dinheiro e uso de plataformas digitais e novas tecnologias, incluídas as mídias sociais, em que tais combinações se tornam possíveis. A ascensão destes traders desafia velhos paradigmas de Wall Street.

A operação combinada por estes traders no Reddit com as ações da GameStop é chamada de short squeeze, que representa um salto abrupto das ações que leva aqueles que apostavam contra os papéis a comprá-los rapidamente para evitar mais perdas, provocando a valorização maior ainda destas ações. Estes traders, que são operadores de varejo do chamados dumb money ("dinheiro burro", na expressão em inglês, se referindo à falta de experiência deles), membros da rede social Reddit. Na movimentação em torno da GameStop, estes traders tinham como objetivo prejudicar o fundo de hedge Melvin, que tinha um volume alto de posições vendidas na companhia.

Por sua vez, a plataforma Robinhood decidiu limitar a negociação de ações de empresas como a GameStop e a AMC Entertainment Holdings no dia 28 de janeiro de 2021, e depois de protestos de pequenos investidores e críticas do Congresso norte-americano, a plataforma afrouxou as restrições. A plataforma Robinhood ganhou uma popularidade e reúne fóruns online em que se pode planejar compras coordenadas de ações no intento de abalar Wall Street, num aglomerado de investidores “hardcore” e os casuais.

Nesta tentativa de restrição feita pela Robinhood, membros do subfórum Wall Street Bets, no Reddit, reclamaram que corretoras de valores, sobretudo a Robinhood, junto também com a Interactive Brokers, não estavam autorizando compras de ações no seu home broker. A Robinhood justificou o bloqueio devido à forte volatilidade, então, além das ações da Gamestop, papéis como AMC, BlockBuster e Nokia, também estavam inoperantes para a compra.

Por sua vez, reguladores de mercado já criticavam estas plataformas, como a Robinhood, por serem um modelo de negócios que não protegeria os operadores novatos e que incentivava comportamentos de risco, com a Robinhood usando estratégias como a gamificação para encorajar e atrair o uso contínuo e repetitivo de seu aplicativo de negociação, e isto, muitas vezes, sendo utilizado por investidores inexperientes ou com nenhuma experiência no mercado de ações.

Esta movimentação intensa em torno das ações da GameStop, contudo, não foi a primeira, foi precedida por altas exorbitantes de ações do Airbnb e DoorDash, empresas iniciantes não lucrativas, que tiveram este movimento especulativo no primeiro dia de negociações de suas ações no mercado. E empresas de fachada sem ativos operacionais levantaram rios de dinheiro graças a um fenômeno conhecido como "SPAC mania". SPACs são sociedade de propósito específico para aquisição.

As SPACs estão na moda, e saindo de Wall Street, grandes empresas, incluindo Virgin Galactic, DraftKings e Playboy, estão todas virando ou abrindo o capital por meio de SPACs. Coletivamente, as SPACs arrecadaram US$ 16 bilhões apenas nas primeiras três semanas de 2021, ultrapassando os US$ 13 bilhões levantados em todo o ano de 2019, e em 2020, quando esta moda pegou, 229 SPACs levantaram US$ 76 bilhões, e uma bolha pode estar se formando nesta moda das SPACs.

Estas movimentações abruptas são uma coisa anormal em que as taxas de juros muito baixas estão forçando os investidores a assumir riscos extraordinários, o que pode terminar mal. Pode haver a formação de uma bolha nesta movimentação especulativa, tanto na moda de SPACs, como nestas combinações coordenadas de traders em mídias sociais como a Reddit, traders orientados por plataformas online, como a Robinhood, em que estes tentam criar uma dinâmica social e um certo populismo nesta guerra contra Wall Street e seus paradigmas.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/a-batalha-entre-trades-e-wall-street-no-caso-gamestop 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

LORDS OF CHAOS – A SANGRENTA HISTÓRIA DO METAL SATÂNICO UNDERGROUND – PARTE 3

“temos a figura lendária de Robert Johnson, que teria vendido a sua alma ao Diabo”

SYMPATHIES FOR THE DEVIL

A música sempre teve alguns pontos de polêmica e atritos com o status quo, sobretudo na religiosidade institucionalizada, podendo figurar como o principal ator deste embate o cristianismo vigente e cristalizado, com suas interpretações bíblicas e influências no comportamento coletivo e nos costumes.

A música, de outro lado, trazia certas composições que rompiam com esta bolha de conforto e conformismo cristão, apresentando um mundo livre e desafiador para valores engessados e medrosos. E, logo, temas infensos ao conservadorismo cristão, como ocultismo e satanismo, se desenvolveram durante a evolução temática da música, cristalizadas no rock.

Desde o início das músicas folclóricas da Antiguidade, e as reminiscências e heranças do paganismo, de um mundo pré-cristão, com histórias de magia, necromancia e superstição, saudando o vinho, as mulheres e a própria canção, tivemos uma reação da Igreja no campo musical, com iniciativas que levaram à criação de hinos para suplantar tais canções populares, e a tentativa de monopolização da música foi uma das estratégias da Igreja em determinado período.

No século XX, por sua vez, este preconceito musical atingiu diretamente o Jazz, como um estilo perigoso, aqui cito o livro Lords of Chaos se referindo a um livro escrito sobre os Rolling Stones, no que diz : “Em seu livro sobre os Rolling Stones, Dance With The Devil [Dança com o Diabo], Stanley Booth cita o jornal New Orleans Times-Picayune em 1918 : “para pessoas de certas disposições, o som alto e sem sentido possui um efeito excitante, quase intoxicante, como cores toscas e perfumes fortes, a visão da carne ou o prazer sádico do sangue. Para pessoas assim a música jass [sic] é uma delícia”.

No blues, por sua vez, na associação com aspectos nativos negros e o vudu, com canções que já faziam referências ao diabo, demônios e espíritos, temos a figura lendária de Robert Johnson, que teria vendido a sua alma ao Diabo em uma encruzilhada no delta do rio Missisippi, com Satã lhe dando uma habilidade especial e própria de tocar seu instrumento, num tipo de batida rítmica sui generis e misteriosa.   

Robert Johnson gravou apenas 29 faixas, em apenas duas sessões diferentes, se destacando canções como “Crossroad Blues” [Blues da Encruzilhada], “Me and the Devil Blues” [Blues sobre Eu e o Diabo] e “Hellhound on My Trail” [Cão Infernal no meu Caminho]. Robert Johnson que começou a sua vida nas plantations, ao que se seguiu as suas apresentações como músico em casas de show de periferia, conhecidas como juke joints. Com o fim de sua vida aos 27 anos, em 1938, envenenado em um bar, provavelmente pelo dono do estabelecimento que estava sendo traído por sua mulher com o músico.

Por sua vez, o trabalho musical de Johnson saiu do esquecimento na década de 1960, por reedições em LPs que saíram nesta época, e os músicos de blues rock desta época receberam esta obra com empolgação. Portanto, destas canções diabólicas do Delta Blues, podemos traçar uma linha direta que leva ao rock satânico.

Cito especialmente o renascimento do blues norte-americano por obra dos jovens ingleses das novas bandas de rock que surgiam por lá, um grupo de jovens músicos bem informados musicalmente, e que deram importância a um universo que tinha sido esquecido pelos próprios norte-americanos.

Por sua vez, do rockabilly de arruaceiros e delinquentes dos anos 1950, da juventude transviada de James Dean, ao uso sistemático de drogas pelas bandas da segunda metade da década de 1960, associado à experimentação musical, temos um certo simbolismo satânico que surge com os Rolling Stones, com músicas como Sympathy For The Devil e um álbum intitulado Their Satanic Majesties Request [O Pedido de Suas Majestades Satânicas].

Particularmente, a música citada, Sympathy For The Devil, entra num contexto trágico do festival de Altamont, o fim oficial da era hippie, sepultada por violentos Hell`s Angels, em 6 de dezembro de 1969, evento capturado pela filmagem do documentário Gimme Shelter, em que no começo da execução desta música começa uma grande confusão no público, resultando em uma facada fatal em Meredith Hunter.

Para quem não sabe, os Hell`s Angels são uma gangue conhecida de motociclistas, e estes faziam a segurança do evento de Altamont. Meredith era negro e estava armado, era o fim da utopia de paz e amor que tivera seu auge em agosto de 1969 no festival de Woodstock, com seu momento chave no chamado Verão do Amor de São Francisco em 1967.

A relação com o ocultismo e a magia negra começou a se desenvolver no rock, e dos Rolling Stones, tivemos evoluções do tema em outras bandas, ainda tendo no Flower Power da era hippie, este flerte com o misticismo oriental, cultos e seitas, numa relação mais próxima com a natureza, rompendo com as tradições dos “pais”, com uma juventude ávida por liberdade, e que culminou nas teses de expansão da mente e abertura das portas da percepção com experimentos com drogas, e a ascensão irresistível do LSD na segunda metade da década de 1960.

O ocultismo passa a viver um novo despertar, adormecido desde o início do século XX, e apareceu um tipo de fetiche com o bruxo inglês Aleister Crowley, chamado de “o mais perverso homem do mundo” pela imprensa nos anos 1930. Sua influência a partir deste renascimento do ocultismo já na década de 1960, e se expandindo na década de 1970, se tornou maior da que tivera em vida.

E temos filmes underground de Kenneth Anger, em que Crowley ganha proeminência, Mick Jagger, dos Rolling Stones, e Jimmy Page, do Led Zeppelin, assinaram trilhas sonoras para os filmes de Anger, inspirados na imagem de Crowley, filmes como Invocation of my Demon Brother [Invocação do meu Irmão Demônio] e Lucifer Rising [Ascensão de Lúcifer].

E o interesse e estudo de Jimmy Page sobre Aleister Crowley ganhou uma proporção de fetiche, com o músico guardando uma coleção de livros, e também possuindo manuscritos originais do bruxo inglês, sendo este seu acervo um dos melhores do mundo sobre Crowley.

Page tinha parte das ações da livraria ocultista Equinox (nome que está num periódico de “magicka” editado entre 1909 e 1914 por Crowley), e comprou e morou, num período, em Boleskine, antiga propriedade do bruxo inglês no Lago Ness, na Escócia. Em Lords of Chaos, temos : “O terreno seguiu perpetuando uma reputação sinistra sob seus novos donos, conforme cuidadores foram internados em sanatórios ou, pior, cometeram suicídio durante sua estadia”.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/cultura/lords-of-chaos-parte-3