"sejamos os novos musicistas do que se anuncia como o
futuro da arte"
Vivemos num tempo medíocre, todos falam do cotidiano, tudo é
cotidiano, essa verve da stand-up comedy me dá náuseas. Poesia que fala da
eternidade e que abusa de metáfora e simbolismo é logo tachada de anacrônica,
eles não querem mais poetas que escrevem com o próprio sangue, tal como diria
Nietzsche dos poetas trágicos da Grécia arcaica.
No entanto, os poetas hoje devem ser humildes, sim, humildes!
Eles dizem: “Quem sou eu para dizer que sou poeta! Seria muita pretensão da
minha parte!”. Esta condenação do grandioso pela palavra pretensão é como um
interdito moral da escrita que tem náusea do épico, vivemos um tempo
anti-épico, apoucado, simulando seu mundinho e se distanciando do spleen que
possuía a alma poética.
Eles, os novos poetas do mundo de objetos, querem o modelo
cotidiano da hipocrisia da auto-pequenez, os grandiosos morrem de fome, as
editoras estão atrás de um futuro inexistente, a influência das coisas
comezinhas é o auge do que se faz de poesia hoje em dia, e tem um tanto que só
sabem usar das rimas chatas e previsíveis.
Estamos entre o modelo dogmático cotidiano que se tornou
standard e a alienação de alguns outros que confundem a lírica com pieguice e
fazem na verdade poesia aguada para gostos não estudados.
Vão pela via de uma lírica piegas e brega que ousam chamar de
poesia, e sonham em publicar seus versos apoucados na pretensão da humildade do
“quem sou eu para qualquer coisa!”. Ó sonhadores, com suas naus furadas num mar
revolto de paixão, ó sonhadores das máquinas de Gutemberg!
O que é aplaudido hoje é o chamado reino da mediocridade, o
puro discurso se sobrepõe à metáfora, os símbolos são renegados como História e
não como plenitude, ó medíocres, sonham tão pouco, sonham errado! Os sonhadores
verdadeiros têm mania de grandeza, a grandeza que está bem retratada no Ecce
Homo, todas as naus furadas afundarão no mar do esquecimento, todas estas
navegações sobre o pouco que resta de original.
Tem muitos que escrevem igual, são escravos do igual, são
apologistas do igual, e o diferente que se anuncia na tormenta vem de milênios
de História, sim, pois queremos a História, escrevemos por ela e por causa
dela, mesmo que muitos obtusos confundam as coisas e entendam que tudo isto que
nos cabe é Metafísica!
Ora, onde estão os novos Rimbauds? Ora, veja só, um novo
Rimbaud hoje passaria despercebido, como o próprio passou despercebido,
precisamos de novos bibliófilos? Sim, precisamos!
Tal poesia do futuro eu antevejo como o contrário de hoje,
poesia bem cantada, não poesia comezinha, da falsa virtude do comezinho, da
falsa humildade do cotidiano, se queres falar de coisas cotidianas, sejam
cronistas, não poetas! A sedução harmônica que muitos dizem anacrônica é o
salto necessário para sairmos desta contemporaneidade fajuta do reino da
mediocridade!
Ó sonhadores, sonhem do jeito certo uma vez na vida! Sejam
detentores do prazer, hedonistas musicais, façam de suas saturnais a fonte de
que emana a vida, e não apenas façam um pastiche ou coletâneas de esquetes
imitando o humor idiota de americanos!
Podemos ser livres no que fazemos, e que as editoras acordem
para a poesia do futuro, a verdadeira poesia do futuro, que não é nada mais que
uma reflexão da tradição reaproveitada em novos sentidos, voltemos à poesia
sensorial, não esqueçamos de que ela não é Metafísica, no sentido estrito,
venhamos dar boas vindas ao sentido lato da vida, que a eternidade não seja
trocada por uma simples natureza morta que ousam chamar poesia.
Sejamos vivos como viva é a inspiração, sejamos espertos e
não sejamos mesquinhos, poetas devem viver o que dizem. Poesia é vida antes de
ser palavra ou verso, poesia é o fundamento de tudo. E façamos música e não
rimas sem gosto, sejamos os novos musicistas do que se anuncia como o futuro da
arte, nada de sobriedade que fala do armário ou de objetos irrelevantes,
voltemos à vida, pois ela é mais do que isto!
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/38641/14/carta-do-poeta-insatisfeito