PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 6 de março de 2014

SOBRE A ARTE DE ROUBAR SUTIÃS

   O mundo está em progresso, outro dia tivemos a honra do protesto feminista do toplessaço, tive boas experiências com o topless, bem suaves. O engraçado é isto: as pessoas (homens) ficam ou babando ou chamam as mulheres de putas (aí tem coisa), quando se usa (o bom uso) dos peitos de fora, nada mal para a civilização aceitar algo que nem dói e nem faz mal. Olhar, com olho normal, pois, cara, você já viu isso, se não viu, você está fora do normal, pois sou tão sereno com seios que posso passar um dia inteiro na contemplação, na praia de manhã, noite virada, e uma moça me brinda com seus seios, outra, desesperada, cai de tesão e põe tudo para fora, eu fazendo uma ergométrica massa, só que tinha tarja preta, fuén! Ah, outra coisa: não cheirem só calcinhas, cheirem sutiãs, é algo reparador, dá viço para depois pegar uma e botar para gemer (se a companhia for boa, lógico).
   Toplessaço: É um grito. Não, não é femen, femen é caído, acham que muçulmanas não têm direito ao shador, muitas gostam, o femen exagera, tá por fora. Toplessaço: É um susto. As suscetibilidades espoucam, junta um bando, naquela manhã, fiquei sereno, uma mulher linda me presenteou, rolava uma rave na praia de Ipanema, noite virada, seis da manhã, depois chegaram os urubus, babando, nunca viram, deixa para lá. Toplessaço, voltando: A horda dos babões e a súcia dos moralistas (tem homem que não bate punheta), bom, dois grupos estranhos, prefiro os hippies, os neo-hippies, os nudistas, Luz Del Fuego, minha deusa. Bom: primeiro grupo: babões. Meio autoexplicativo, mas, vá lá: Engodo. Não têm serenidade, ou nunca transaram, ou transaram mal, ou isso ou aquilo. Bom, tal grupo se contorce, o que deveria ser um ato cívico vira pornografia (pra isso existem os sites, crianças), não entendem, estão na infância do homem (homens), bom, até entenderem, tomarão três foras no bloco de carnaval. Passa: o grupo dos moralistas: estes são sérios, levam os valores na carne, não admitem ponto fora da curva, ou seja, não batem punheta, não fazem amor, ou não buscam o amor verdadeiro, eterno, desses de nossos avós. Os moralistas: ou nunca viram, ou ficam com nojinho, ofendidos, humilhados, sentem penar, os seios, os peitos, toplessaço é ato cívico, não blasfêmia, o diabo não mora na carne, mora na falta de caráter, deem um tempo. Os moralistas: Têm vergonha, batem punheta escondido, trepam escondido, nunca treparam na rua, na praia, no mar. Trepam de luz apagada, têm nojinho.
   Toplessaço: é a nova onda, buena onda, bem vindas, nova vida, novos valores,  suave, sereno, sem balbúrdia, praia de nudismo, índios, ah, os índios! O que me remete ao SBT, grande Miéle, Coquetel! Eu, meus dez anos, o mundo politicamente incorreto, sim, este mundo já existiu! Sim, Pantanal, Coquetel, sereno, relax. Ou seja: Toplessaço nos anos 80 e 90 provocaria menos pruridos que hoje, em 2014. Mundo cão, babão ou deixa pra lá. A marcha das vadias é um passo além: carmelitas descalças, ou ainda, os homens normais, que são buena onda, tão no terceiro grupo: os suaves. Viva a revolução, toplessaço, marcha das vadias, feminismo sem afetação, sem femen, sem histeria, só buena onda e tá falado. Shador é normal, topless também, você não pode rasgar ninguém, deixem o Corão, o multiculturalismo só deve ser limitado para casos extremos, em que a vida corre riscos, no resto, sem essa de femen invadindo sinagoga, mesquita, sem essa de que a moça adora shador e não pode. Como é o direito: a liberdade de um é a liberdade do outro (e não seu limitador), a fronteira de um respeita a fronteira do outro. As fronteiras que têm que ser rompidas, com jeitinho e parcimônia, são as fronteiras da cabeça.

06/03/2014 Crônica
(Gustavo Bastos)  

quarta-feira, 5 de março de 2014

O EFEITO DE MUTARELLI

"A loucura de Júnior é um efeito sem causa."

   Lourenço Mutarelli, escritor e quadrinista, é um autor bastante original de romances. Já fiz uma resenha dele aqui na coluna, a respeito de seu livro O Cheiro do Ralo, que virou filme. Agora, vou falar de outro livro dele, bem interessante, publicado em 2008, A arte de produzir efeito sem causa. Este romance trata de uma estória de loucura de seu protagonista, Júnior, que, em seu trajeto, revela os possíveis nexos de sentido que um surto psicótico pode ter encerrados na sua aparência de caos.
   Júnior, depois de se separar da mulher e de pedir demissão do emprego, vai morar no apartamento do pai. Lá encontra, além do pai, uma moça, de nome Bruna, que alugava um dos quartos, tendo Júnior que dormir no sofá da sala. Ele está com 43 anos, e sem muita perspectiva, algo que vai se agravar com o desenrolar do romance. Ele passa a dormir muito, o pai o repreende. E, em meio a este enredo niilista de um homem que está no desengano, começam a chegar pacotes sem remetente para Júnior, com indicações estranhas, tipos de enigmas que, com o passar dos dias, se tornam uma obsessão para Júnior.
   O primeiro sedex que Júnior recebe, vem com, dentre outras coisas, um recorte de jornal com um fato ocorrido na Cidade do México, o texto está em inglês. Ele tenta decifrar o que está escrito, Ele pede ajuda a Bruna, e ela manda o texto para uma amiga fluente no inglês. Depois, Júnior vai à estante do pai e pega umas bebidas, aonde vislumbra um revólver Taurus calibre 38. O álcool paraguaio parece ter atingido a sua glândula pineal em cheio, ele tenta beijar Bruna na boca, encarna uma ideia psicótica de uma suposta missão. Era como se, numa queda do Véu de Ísis, ele houvesse acessado todos os livros de ocultismo e auto-ajuda, vendo, diante de seu terceiro olho recém-aberto, todos os arquivos do Akasha. (Akasha: na psiquiatria, é o espaço sutil da memória da humanidade, onde ficam armazenados todos os conhecimentos e ações humanas, é o inconsciente coletivo de Carl Gustav Jung). Júnior, então, entra em convulsão, enquanto alcança as respostas de todos os mistérios do universo.
   Júnior, logo depois deste acesso ao Akasha, passa a especular desvairadamente, começa um surto. Ele tem uma história, seu irmão está preso, sua mãe, já morta, gostava de ocultismo e de civilizações antigas. O irmão tem uma obsessão por uma cabeça dele que foi ofertada pela mãe, em Aparecida, e culpa a mãe por sua desgraça, pois teve a sua alma entregue aos demônios pela mãe. Seu irmão, Pedro, crê piamente que só vai melhorar quando tiver esta cabeça de volta.
   Chega mais um pacote sem remetente para Júnior, agora com mais enigmas. Dentre os objetos, um DVD, é Naked Lunch, Bruna reconhece o filme, sabe ser de um livro de um autor beat, vai à internet e lembra seu nome, William Burroughs. Bruna, depois, descobre, pela amiga, que o recorte de jornal do primeiro sedex se refere ao assassinato acidental da esposa de Burroughs pelo próprio.
   Júnior perde, aos poucos, o vínculo com o tempo social. Recebe mais um pacote. Lê trechos da agenda de Bruna, começa a rabiscar a agenda e, num surto típico, começa a ligar os pontos, num tipo de geometria, cruza linhas, forma gráficos, começa uma decifração frenética das mensagens dos pacotes, é um delírio, se distancia do cotidiano e do concreto, acha que a charada foi feita especialmente para ele, é uma obsessão. Encontra Bruna, ele está em surto.
   William Burroughs dizia que a palavra é um vírus e como tal deve ser combatida. Júnior desconhece esta teoria, nunca leu Burroughs. Júnior faz diagramas, um alfabeto distribuído de forma sequencial. A cada nova folha, sua geometria se torna mais hermética. Júnior está numa espécie de transe. Bruna mostra ao pai de Júnior sua agenda toda rabiscada de diagramas, ele diz que foi o filho, que já tinha rabiscado também todos os papéis que encontrava pela frente.
   Júnior está no abstrato, passa a se comunicar com a mãe telepaticamente. Júnior e seu pai vão ao presídio em que Pedro está preso. Júnior cai na mesma obsessão do irmão, cisma que sua cabeça foi ofertada à Abominação. As criaturas que a sua mãe cultuava. O Espírito Medonho.
   O pai de Júnior o leva ao neurologista. Lá, Júnior entra mais uma vez em convulsão, e acorda em uma maca de hospital. O médico pede exames, diz que pode ser neurocisticercose, mas precisa dos exames. Neurocisticercose que é uma infecção do sistema nervoso central por larva Taenia solium.
   Júnior escreve de forma frenética e compulsiva. Bruna nota que chegou mais um pacote. Três CDs, postais com figuras mitológicas, uma moeda antiga e uma vela vermelha. Bruna acha o nexo disso, pois, no anúncio que embrulhava a vela, este é da firma Burroughs. O que se liga ao escritor William Burroughs. Há outra folha, é uma invocação de demônios. O pai de Júnior resolve jogar aquilo tudo no lixo. Júnior, enquanto isso, escancara os olhos, vê cores e luzes em padrões geométricos. Os padrões se alternam como num caleidoscópio. Extasiado, entra novamente em convulsão.
   Bruna vai aos sebos de livros atrás das obras de William Burroughs, ela lê Burroughs obsessivamente, compila as informações em um caderno.  Neste ponto, Júnior continua a sua trama, Bruna se envolve com a história de Júnior, ao período atual dele de surtos, o pai não entende muito como ajudar e não sabe o que vai acontecer. E fica a tese do título: A arte de produzir efeito sem causa.
   Pois, se tudo indica que foi neurocisticercose, não há certeza, o romance não apresenta o resultado dos exames. E, se são os pacotes que levaram Júnior ao seu surto, também não se pode garantir como a causa de seu surto. Como também não temos certeza de que isso seja uma praga da cabeça ofertada à Abominação pela mãe. O que resulta na conclusão que o título do romance oferta de bandeja: efeito sem causa. A loucura de Júnior é um efeito sem causa. Nada, não foi verme na cabeça e nem coisa do demônio, muito menos a trama dos pacotes, a loucura de Júnior é um efeito, não veio de lugar nenhum, só surgiu. A coisa está posta em si mesma. A trama da origem fica por conta do próprio surto, que repetidas vezes pode ser um drama da causa primeira, um teatro da origem que nunca se sabe ao certo, e o efeito é a loucura, uma lógica gramatical e geométrica que engole a si mesma, efeito puro, sem causa nenhuma.

Obs: O livro A arte de produzir efeito sem causa ganhou uma versão no cinema que ainda está em cartaz. O filme ganhou o título de Quando eu era vivo, com  o ator Marat Descartes como o protagonista que veio do livro, Sandy Leah (sim, a cantora) como a moça que alugava o quarto, e Antônio Fagundes na figura do pai do protagonista. O filme muda aspectos do romance de Mutarelli, mas mantém seu sentido e as relações entre os personagens, acentuando um grau mais maligno para o final. Filme muito recomendado para quem ainda não viu. Assim como o livro de Mutarelli, que é também mais uma boa sacada do escritor.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário:  http://seculodiario.com.br/exibir.php?id=15667&secao=14
 

BICHOS ENCARNADOS

Endereço:
a sede ignota,
a fome desmedida.

Poema:
o sorriso da caveira
em sete ossos,
fêmur de filosofia.

Destino:
sol, lua, a carne teatral.

Come o bicho, febre de lixo,
quantos amores
se fundam
como num rito febril?
Os bichos que comem o coração,
o peito é um terror
de sonho
como o céu é
na noite eterna.

05/03/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)

CARTA DE DIONISO

A vida retinta das trevas,
os sonhos querem a alma,
entra em sintonia o caos,
leva o rico terror do vento.

Eu guardo dentro do pote de porcelana
a senda chinesa que nem Tao
se enumera em sua fenda.

Despacho o delírio com o tempo rijo,
que as alturas sabem é o limpo drama,
sob o refugo de um teatro morto
renasce a paz da tragédia
na comédia que ri em tempo e liberdade,
feri Moliére com um frio de Racine,
 a tropa foi se divertir,
temperatura do dia é o carnal Dioniso,
seus faunos riram
quando a tocha de sol
enfureceu o palco.

05/03/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)

BLUES DE PRATA

Recria teu silêncio,
ósculo de sol,
flor da idade.

Eis lenho da queda,
eu que vi o anjo,
fui ao porto,
e na sede antevi ...
recantos da sala,
uma esquadra,
um compasso,
olhos d`água,
máquina sonhadora,
carnaval vívido,
eu li a mão da astúcia
e nela escrevi
uma carta de tarô,
voz d`antanho
o louco
se matou
e viveu,
o dia se salvou
e se findou,
eu reli a carta
e nela estava
escrita o destino
sob a lua argêntea
que cantava um blues.

05/03/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)

DORSO DE PEDRA

Leve, eu tenho o riso
pelo canto dos sonhadores,
verte o templo que nem cais.

Poesia, quão benquista porta!
Eis o tempo em lenho de fogo,
voragem do ardor com o sol pendendo
da boca dos gênios.

Poema, contorce o que é saudade!
Da boca do tempo o frio lento.
Das horas o silente vinho,
frio das horas em marca de terror.

Marca do tempo, vozes do relento.
Do elenco das alturas,
um sorriso de anjo
sob a tempestade
que mata,
marca do sol em teu dorso
como paixão e honra,
vento do dia nos langores
que o céu flutua
em seus saltos
de dimensões,
eu sou o tempo de mim
com a carne de fogo
e a poesia de sarça,
o gole do vinho
que recria o brasão,
a luta renhida da queda.

05/03/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)

VERSOS DE LENHO

Gera o meu quinhão,
fundador funda dor,
cretinos sonhos de fuga,
velame que resta no linho,
eu fui ao sol qual sedução,
desci de minhas lidas
e o dia era azul
como na filosofia.

Déspotas, senhores reis de si,
dá a poesia o salto em crosta,
fundo o manto ao sábio líquido
que na senhora lua
a sombra d`alma
reflui e flui,
eu sou descompasso,
de todo labirinto
eu sou o centro negro
das lápides do poema,
escrito no ventre da mata
a rica fauna dos lenhos
queimados de calor,
e os déspotas morrem,
e a saudade
é liquidada
no tempo da vertigem.

05/03/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)

FANTASIA DOS LOUCOS

Volúpia dos sinos,
eu entrevi sob a máscara
das certezas,
o orbe estava inchado,
seletas navegam
entre o ócio e o tempo.

Quantos silentes rios operam
na vida fenecida ao caos?
Eis que pátria e razão
se suicidam
em sinfonia,
com os lemes furiosos
que descansam em paz de albor.

Fria a luz, qual seca nuvem,
ao vinho os dias são criados
em penhor dos livros ricos
da paixão amortecida,
teu palco de soluço
sorri o vento,
às vezes sonho louco,
outras pura fantasia.

05/03/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)

RITO DE FADA

Tinha os olhos da fada,
métrica insossa de magia.

Quando a nave encrenca com o espaço,
meu livro estonteia anarcos,
fui ao mestre e delinqui.

Tanto nos olhos da fada,
Morgana?
Sei, duas misteriosas vaginas
secaram de ódio.
Por tu, Lady McBeth, furioso o tempo
aos ais sedentos,
magia negra?

Sempre te vi, bem-te-vi.
Há tempos não gira a minha roda,
o mundo está estacado
nos meus planos,
figura seca é o poema
como dantes,
selva incontida
sobre a palavra
que mordisca
os navegantes,
sempre palavra lavada
da alma,
rito de fada.

15/02/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)