PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 3 de março de 2021

O DIVULGADOR DA GERAÇÃO BEAT

“Lawrence Ferlinghetti teve papel ativo na democratização da literatura americana, com sua livraria City Lights”

Lawrence Ferlinghetti é a figura de referência da Geração Beat, foi um agregador da fortuna literária desta geração, o escritor e editor, fundando a livraria-editora City Lights, foi quem juntou o trabalho dos escritores e poetas beats e então atuou como o catalisador desta geração, tendo como grande feito o de ter colocado o trabalho literário de Allen Ginsberg em evidência.

Sua vida, contudo, nada tinha de parecido com as loucuras que muitos beats viviam nesta época que fervilhou como prenúncio do que viria a ser sua geração sucessora, os hippies. Lawrence Ferlinghetti morre agora, com uma vida longeva, aos 101 anos.

Lawrence Ferlinghetti foi poeta, editor e pintor, um beat norte-americano, que divulgou, através da City Lights, as obras de Allen Ginsberg, Charles Bukowski, Samuel Bowles, Sam Shepard e Antonin Artaud. O centenário beat morreu de doença pulmonar, segundo seu filho, Lorenzo Ferlinghetti, reportando isto ao Washington Post.

Lawrence Ferlinghetti nasceu em Nova Iorque no dia 24 de março de 1919, ficando conhecido pelo seu livro “Coney Island of the Mind”, que vendeu mais de um milhão de exemplares, e se tornou o maior best-seller de um poeta norte-americano vivo da segunda metade do século XX.

A City Lights foi fundada em 1953 em São Francisco, e ainda hoje persiste viva, e se tornou um lugar histórico, pois era o local dos encontros da Geração Beat, liderados por Allen Ginsberg e Jack Kerouac. A City Lights começou como livraria, e se tornou, também, editora, a partir de 1955, começando a publicar um primeiro volume da coleção “Pocket Poets Series”, com a intenção de agitar o cenário, uma dissidência internacional.

Lawrence Ferlinghetti teve papel ativo na democratização da literatura americana, com sua livraria City Lights, que foi a primeira nos Estados Unidos a vender livros a preços acessíveis, de capa mole, abrindo o acesso do grande público a este material, e que foi uma força importante de influxo para a poesia norte-americana.

Lawrence Ferlinghetti chegou a recusar manuscritos como On The Road, de Jack Kerouac, e Almoço Nu, de William S. Burroughs. Contudo, foi quem publicou Uivo e Outros Poemas de Allen Ginsberg, em inglês “Howl”, uma obra polêmica com descrições sexuais e amorais, que provocou a apreensão do material pela polícia, e um julgamento midiático de Ferlinghetti, acusado de obscenidade.

Depois deste julgamento sobre obscenidade, os Estados Unidos tiveram seu caminho aberto para publicações como “O Amante de Lady Chatterley”, de D.H. Lawrence, e Trópico de Câncer, de Henry Miller.

A poesia de Lawrence Ferlinghetti, por sua vez, tem uma adesão aos ritmos de jazz, que tem presente o homem comum das ruas, e os temas dos quais fala são comuns a esta realidade cotidiana e comum. Esta poesia não foi muito referendada pela crítica, o sistema literário não a acolheu, sua poesia não se tornou épica como a de Allen Ginsberg, mas ganhou adesão de jovens estudantes da década de 1980.

Lawrence Ferlinghetti produziu uma poesia baseada na utopia do prazer de leitor, e em suas obra mais conhecida, “Um Parque de Diversões na Cabeça” (A Coney Island Of The Mind), seu segundo livro, de 1958, temos poemas que remetem a procedimentos de  escritores  como  Genet e Rimbaud,  surrealistas  como  Breton, e  a pinturas  de  Van  Gogh e Delacroix, dentre outras referências e procedimentos.

Lawrence Ferlinghetti tem como principal procedimento a aproximação via leitura e o afeto artístico. Esta poesia atua como uma elaboração de um espaço de afeto nesta sua geração, a Geração Beat, sem colocar a pauta de embate de forças, de movimento artístico ou proposição de nação.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/o-divulgador-da-geracao-beat 

 

 

domingo, 28 de fevereiro de 2021

LORDS OF CHAOS – A SANGRENTA HISTÓRIA DO METAL SATÂNICO UNDERGROUND – PARTE IV

“LaVey se tornou uma das figuras mais importantes da cultura popular satânica.”

Os temas que dominaram as bandas de black metal dos anos 1990 tiveram uma de suas origens no que já era tematizado pela banda de hard rock setentista Led Zeppelin, este fascínio de Jimmy Page por Aleister Crowley e o ocultismo terá eco em algumas destas bandas mais satânicas que surgiriam anos depois.

Eventos como a banda Led Zeppelin realizou em locais como cavernas subterrâneas que haviam sediado ritos satânicos feitos perpetrados por Sir Francis Dashwood, dois séculos antes, junto com o seu clube, o chamado Hellfire Club, simulando uma Missa Negra, em um lançamento de álbum, seriam o prenúncio da influência cada vez maior de ideias e temas ocultistas e satânicos nas bandas que viriam a surgir.

Os temas de terror, por sua vez, viriam a dominar o início da carreira da banda Black Sabbath, considerada pela maioria dos críticos e pelo público, como a banda inaugural do heavy metal, indo além do hard rock, desacelerando a base do rock baseado em blues, num andamento arrastado e pesado.

O Black Sabbath rompe com a alegria florida de paraísos artificiais da era hippie, uma banda de rapazes que vinham da cidade industrial de Birmingham, dominada por uma espécie de niilismo cinza. Membros da banda que, por sinal, estariam condenados para sempre a trabalhar nestas fábricas, com pouco dinheiro, se não fosse o sucesso que atingiram com o Black Sabbath.

Tivemos outras duas bandas ocultistas e satânicas quase contemporâneas do Black Sabbath, bandas mais obscuras como Black Widow e Coven. A banda inglesa Black Widow lançou três álbuns de hard rock entre 1970 e 1972, em shows que tinham a canção “Come To The Sabbath”, com um espetáculo de sacrifício ritual de mentira.

A banda Coven, por sua vez, tinha um som semelhante a bandas do fim dos anos 1960, como Jefferson Airplane. Coven que tinha a vocalista Jinx, e um homem chamado Oz Osbourne, com a música de abertura de seu debut, o álbum “Witchcraft : Destroys Minds And Reaps Souls”, chamada Black Sabbath, levantando muitas coincidências com a banda fundadora do heavy metal, comandada pelos riffs matadores e canônicos de Tommy Iommi, o Black Sabbath.

Este debut da banda Coven se encerra com uma Missa Negra de treze minutos, e temos o alerta da capa interna que nos diz : “Do nosso conhecimento, essa é a primeira Missa Negra a ser gravada, seja por escrito ou em áudio. Ela é tão autêntica quanto centenas de horas de pesquisa em todas as fontes conhecidas puderam fazê-la ser. Nós não recomendamos o seu uso por ninguém que não estudou profundamente a magia negra e está ciente dos riscos e perigos envolvidos”.

Em Lords Of Chaos, podemos ler : “Apesar de ser uma banda obscura, o álbum Witchcraft foi marcante o bastante para ser descoberto por alguns dos mais importantes músicos satânicos dos últimos anos, o que ilustra mais um elo no continuum do rock demoníaco ao longo das décadas.

King Diamond, o vocalista e principal motor por detrás do Mercyful Fate, uma das mais importantes bandas abertamente satânicas do metal dos anos 1980, admite que sofreu influência dramática de um show do Black Sabbath que ele assistiu quando criança no seu país, a Dinamarca, em 1971. Ele também diz ter encontrado inspiração na vocalista do Coven, Jinx”.

Anton Szandor LaVey, por sua vez, fora do campo exclusivo da música, foi o fundador da chamada Igreja de Satã, a primeira igreja satanista oficial, fundada em Walpurgisnacht, em 30 de abril de 1966. LaVey, que foi artista circense, fotógrafo policial, organista de burlesco e, finalmente, ocultista. LaVey se tornou uma das figuras mais importantes da cultura popular satânica.

Os fundamentos filosóficos desta igreja de LaVey não eram de blasfêmias infantis, de um satanismo de desenho animado, mas ligado à uma ética nietzschiana de um desenvolvimento anti-igualitário do homem como um deus na terra, rompendo as barreiras impostas pela moral cristã. A mídia focou nesta Igreja de Satã, e logo LaVey ganhou notoriedade. Em 1968, LaVey lançou o LP “Satanic Mass”, que veiculava uma Missa Negra em seu vinil.

LaVey explica : “Eu não acho que ele foi lançado originalmente como propaganda, mas sim para esclarecer as coisas a respeito do que é uma Missa Satânica, a distinguindo de uma Missa Negra, esta que é, é claro, apenas uma inversão do rito cristão. Era também uma oportunidade para alcançar um certo elemento naquela época.

A gravação foi feita ao vivo com diferentes faixas – ela foi gravada da forma que foi apresentada. Mas eu acho que você pode dizer que acabou virando propaganda (...) ele foi posteriormente distribuído por Lyle Stuart (o distribuidor) e Howard Hughes bancou parte dele. Ele era bastante solidário com o que estávamos fazendo”.

Em Lords of Chaos, segue o tema LaVey : “Após a cerimônia da “missa”, o lado B do álbum também tinha uma série de declarações satânicas de LaVey, recitadas sobre Wagner e outras trilhas sonoras bombásticas. Esses textos eram pedaços de ensaios de LaVey que posteriormente formariam o esqueleto de seu infame livro “A Bíblia Satânica”, que apareceria em 1969.

Sendo o único manual de pensamento abertamente satânico a ser amplamente distribuído entre as massas (...) o livro inevitavelmente influenciou os mais proeminentes músicos de rock que estavam explorando temas de demonismo e ocultismo nas suas personas, canções e shows ao vivo”.

Aqui temos um panorama da influência e desenvolvimento do ocultismo e do satanismo no rock e na cultura, bandas seminais como Black Sabbath, mais obscuras como a Coven, aparecem nos mesmos anos da pregação filosófica de LaVey, e o que era um fetiche em torno de Aleister Crowley, se expande, e a figura de LaVey cresce como um vetor contemporâneo do que fora Crowley em outra época.

Link recomendado : Coven – Black Sabbath : https://www.youtube.com/watch?v=UA5HK-cfJ-M (imagens do filme dinamarquês Häxan : A Feitiçaria Através dos Tempos, de 1922, do diretor Benjamin Christensen).

 

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/cultura/lords-of-chaos-a-sangrenta-historia-do-metal-satanico-underground-parte-iv