PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

INTENSIDADE DA NUVEM

Está feito o dia mais intenso

na pena que persiste

em seu intento,

se escreve a sede e a fome,

o canto famélico e sequioso

que é saciado quando

a obra se ergue 

como um castelo sólido,

como um tecido resistente,

como a trama bem urdida

de um plano arquitetado,

deste desenho perfeito

do desiderato realizado

e bem resolvido,

livre do abismo

e prenhe de seus 

próprios sonhos.


24/11/2022 Gustavo Bastos 


POEMA BRASILEIRINHO

Um poema brasileirinho

tem que ter samba e ginga,

sim, um bocado de malandragem,

andar na malemolência.


Um poema brasileiro

sabe viver, sabe que é dura

a lida, que a fome grassa,

que o talento vive cada dia,

na fé que move montanhas,

e que depois de uma noite densa,

faz dia para quem lutou.


24/11/2022 Gustavo Bastos 


BASTA

Chega destes idiotas

que pensam com 

o cu, que vivem

da merda, em que 

o mundo persiste

alienado, da aleivosia

destes cães sarnentos,

com as burras do butim,

atravancando a cultura,

o progresso dos livros,

das pinturas, das músicas

e da arte popular,

matem os assassinos,

acabem com esta ignorância,

com o medo que eles têm

da sabedoria acumulada

da civilização,

com o pavor que eles têm

da criatividade,

e que este poema

faz a denúncia.


24/11/2022 Gustavo Bastos 


DECENTRALAND

Ávidos em Decentraland, um avatar

compra uma alma de vento,

toda estourada, com código

de criptografia, a música

é sampleada, se encontra

um ser alado de ficção

com aparência de mármore,

uma sereia sedenta,

e uma mansão com

quadros de Dalí e Picasso.


Ouve este marulho

no metaverso,

está vendo?

Opa, não tropece

nos móveis,

cuidado com

a porcelana chinesa,

atenção com suas 

células de transístores,

um hacker pegou

um avatar desprevenido,

ele ficou desorientado

numa rua de pac-men,

mais doido que 

o Sonic.


24/11/2022 Gustavo Bastos 


DOS RIOS QUE CORREM

A melodia abre os poros,

percebe o som sinestésico

defronte à bruma,

com a pétala e orvalho

na floração.


Os rios correm abertos,

um rito castanho, caudaloso,

que avança no tempo

e deságua no meu

coração como

um mar.


Os vinhos também correm

como rios, e a festa da uva

e da parreira e que a sebe

colhe para a embriaguez

está vívida.


Ah, meu poeminha briaco,

sabe cantar e bater de frente,

sabe derrotar e vencer.

Seu horizonte é vivo,

qual o sol inclemente.


24/11/2022 Gustavo Bastos 


MELHOR POESIA

Tempera esta festa o baticundum,

tonto o bebum em dia debrum,

bate a estaca na goiva teu chicote,

com guerra e bote de cobra

no gancho e no garrote.


Vai-te sorte buscar a dama,

bem-te-vi como um carteado,

longe dos caretas, dos bundões,

perto da claridade, do fino da bossa.


Ela estava pelada, lá no bloco

em que se bebia a fortuna,

passavam piranhas, e o cachorro

bocejava e lambia o saco.


Poema cheio de si,

de um ego brabo,

dando porrada

na súcia,

com sua astúcia

o fogo queima,

o mar avança,

e Dédalo tonteia

os incautos.


24/11/2022 Gustavo Bastos 


POEMA RESOLUTO

Bebe agora o vento da astúcia,

na hora certa bate o tambor

e o poema que se reveste da luz.


Primeiro ato da pena é reto e corta,

segundo ato mata o inimigo,

terceiro ato, ato final,

seu livramento

é sua obra.


Vem deste rito de inspiração,

flui neste vendaval, o abalo

em que se abre o peito,

aberto em seu mergulho,

resoluto como uma flecha.


24/11/2022 Gustavo Bastos 


SORTE

Força que ergue este templo

na minha mente, os olhos

em que a água flui,

pois este poema

bate seu contra-golpe.


Esta nuvem, que o vento

guarda numa caixa,

e que meu sopro

abre através

do sol,

pois há 

poema

escrito.


Força bruta do verso,

padece na masmorra

o doido que renunciou,

apóstatas e proscritos

gritam nas sombras,

e este poema ri

deste zurro

dos derrotados.


Pois o poema

livra o poeta

da morte,

livra a vida

da morte,

pois escrever

é sorte.


24/11/2022 Gustavo Bastos 


quarta-feira, 23 de novembro de 2022

VITÓRIA E DERROTA

uma destas leis da vida responde pelo nome de evolução”


Os desafios da vida, em geral, são feitos de quedas e reviravoltas, voltas por cima, gente sucumbindo, vitórias incontestes, derrotas fragorosas, tudo o que representa uma disputa de territórios, de forças em choque, de rotas em colisão, de vontades, anseios, anelos, desejos, objetivos, ideias, que podem colidir e somente haverá dois lados, os que foram derrotados e terão que reorganizar o próprio desejo, anseio e delírio, quando é o caso, e o lado dos vencedores, estes que exercem a sua volição em toda a sua plenitude, produto de um caráter impassível, direto.

Existe um campo de batalha, uma guerra, em que não faltam tentativas de nos colocar em escaninhos, bem fáceis de entender e de manejar, e a luta precípua de uma vida original é decepcioná-los, jogar contra tudo o que pode tolher, podar, sabotar. Podemos também ser alvos de uma idealização, e também é nosso dever decepcionar sistematicamente uma proposta que não nos conduza ao que queremos, longe da idealização, com a vida real em campo, e nada mais.

A conduta clara, objetiva, não faz concessões, não regateia, e muito menos irá rifar a própria honra, e assumam as consequências desta escolha e de seus efeitos. Não há, de fato, o que negociar, a ética está determinada como vontade de poder, soberana, biográfica, sem peias em seu discurso, e que vai direto ao ponto. Não se rifa a honra e o respeito. A morte existencial, biográfica, reage, e dá um tiro de misericórdia no que poderia ser esta morte simbólica, que é a mentira, a farsa e o fingimento. E a vida afirmativa, livre, mata o seu matadouro, o buraco negro de planos que não lhe pertencem, e que sujam o seu nome.

De outro lado, o mau perdedor, em que pese a soberania dos fatos, como sempre, tem na impassibilidade dos resultados a determinação de sua derrota ipso facto, com a crueldade necessária do riso de escárnio que o mau perdedor precisa e merece. A vitória plena, diante do mau perdedor, exerce a sua soberania e classifica a realidade de acordo com o fato consumado. Seu parâmetro é a excelência do fato, da verdade, e nele se exerce a sua liberdade, produzida por sua vitória, e o mérito que afirma o seu critério distributivo de sucessos e fracassos, e o que será aprendido, ou não, com isto. 

Sartre tinha uma frase existencial muito importante, e que pode definir a diferença entre uma vida que vingou e uma que sucumbiu, que diz o seguinte : “Não somos aquilo que fizeram de nós, mas o que fazemos com o que fizeram de nós”. A força espiritual, em um campo de batalha, irá formar o caráter, sua estrutura, sua resiliência, e toda uma gama de habilidades que se tornarão necessárias para enfrentar a selva com tática e estratégia, para que a meta seja alcançada.

E não faltarão golpes abaixo da cintura, que poderão atingir diretamente a sua honra, e a ação direta serve como o escopo em que a batalha, a guerra, será decidida, e como se diz, não se faz um bom omelete sem quebrar alguns ovos, e os que são derrotados neste trajeto podem ser estes que ficam quebrados pelo caminho, em relação à nossa permanente construção biográfica. Golpes baixos não faltam e não faltarão, é preciso estar atento e forte.

As regras são claras e as consequências para quem as subverte são inauditas, dolorosas, não existe pena e comiseração com o erro, existe sim correção, e mais adiante, corretivo, e que é definitivo. Não há qualquer coitadismo, pois escolhemos, decidimos e deliberamos, e isto ocorre o tempo todo, diariamente, a cada gesto corporal e mental. Portanto, a responsabilidade física e moral sempre está em jogo, o tempo inteiro.

A liberdade é uma mistura de conquista e merecimento, a prisão, por sua vez, é um merecimento das consequências de atos nefastos, que confrontam a civilização com o que há de mais asqueroso, moralmente e existencialmente, e a afronta, o assédio, de uma sucursal do inferno, toma uma rasteira precisa, cirúrgica, metódica, sistemática. Não se reclama do destino, não se blasfema a própria sorte azarada de terem sido pegos em flagrante, é do jogo perder, ser derrotado, e mau perdedor é pior, vamos com sangue nos olhos, com a faca nos dentes, para liquidar a fatura, sem mais.

A vitória é um anelo pleno sobre anelos liquidados. Prestes a pegar os frutos, Tântalo escorrega e cai, esta é a lei da verdade, não se dá asas à cobra, e as regras do jogo são obedecidas, querendo ou não, justamente por suas consequências. Abrir o olho, se orientar, não são meras expressões, são rotas prudentes, bem urdidas, e para quem está cochilando, um sacode que a vida pode dar quando necessário. O susto, a pegadinha, é exatamente para formar o caráter, esta é a questão.

A formação pela derrota é uma universidade para os fortes, pois os fracos olham para o abismo, flertam, e o abismo passa a olhar para eles, pois o atalho do cambalacho leva ao abismo, e o caráter em questão é subsumido pelo desastre de seus próprios atos. Os sintomas são auto evidentes, e as causas claras, para quem sabe ler situações, gestos e atos. Não tem mistério, e o derrotado é obrigado a lidar com este desconhecido, seu próprio futuro, o que ele terá que pensar finalmente, uma vez que seu anelo foi destruído, sua ambição sem nobreza colocada em xeque. 

A confrontação existencial pela qual passa o derrotado é intensa, merecida, precisa em seu propósito, e fico feliz em informar que não há escapatória, a universidade da vida tem suas próprias leis. E digo que uma destas leis da vida responde pelo nome de evolução, que é uma régua, uma métrica, em que uns avançam e outros sucumbem, podem devoluir, regredir, acontece também, não é algo linear, pois a evolução também é uma escolha, uma decisão e uma deliberação, mas como lei da natureza, ela se dá itself, no todo, ou em certa conjuntura, até como nêmesis sobre os que regridem e sucumbem.

Uma conquista, uma vitória, é um merecimento de um esforço e sobretudo de uma postura, contra inúmeras correntezas, de benesses das quais o inferno está cheio, e não tem choro, a bala vai no alvo, o desiderato foi e é implacável. A vida biográfica não dorme no ponto, e a honra não poderá sofrer mácula, a reputação não joga com a glória, mas com a verdade, e este é o jogo supremo da vida, sua verdade, seus fatos, sua própria história, que não foi colonizada, alienada, sequestrada. A vitória é a vida plena, em que se escolhe, se decide e se delibera, sempre com os horizontes amplos em que o olhar pode se abrir e se expandir, feliz consigo mesmo e com seus eleitos.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :

https://www.seculodiario.com.br/colunas/vitoria-e-derrota