A polêmica em torno das pesquisas eleitorais em 2022, com estimativas discrepantes entre os diferentes institutos, levantaram questões sobre a lisura e a eficácia das metodologias e métricas utilizadas. Depois do conflito bolsonarista com a XP, e o salto no número de institutos que divulgam seus dados à imprensa e sociedade civil, se torna relevante entender as virtudes e limites das pesquisas políticas e eleitorais.
No início da redemocratização, a situação era mais simples e estável, pois havia o Gallup e o Ibope como os institutos de pesquisa que divulgavam estimativas eleitorais. Em seguida, os institutos predominantes foram tanto o Ibope como o Datafolha. Recentemente, por sua vez, tivemos uma proliferação de institutos de pesquisa que deixaram mais patentes as diferenças de metodologias e abordagens gerando previsões diversas e até conflitantes nos números divulgados nestas eleições.
Atualmente, são onze os institutos que divulgam regularmente seus dados estatísticos. Esta ampliação de institutos também se deveu ao aprimoramento de métodos de pesquisa telefônicas durante a pandemia, como também a entrada de instituições financeiras interessadas em atuar neste mercado, e agora temos praticamente metade destes institutos sendo financiados por bancos e corretoras.
A discrepância entre os dados estatísticos dos diferentes institutos, portanto, envolvem fatores como os meios de coleta de dados, que podem variar entre pesquisas presenciais de fluxo de pedestres nas ruas ou domiciliar, e pesquisas online ou por telefone (estas feitas por entrevistadores ou robôs). As diferenças entre os institutos também se dão pelo corte sociodemográfico, com os pesos dados aos diferentes estratos e classes da sociedade, a chamada estratificação destas pesquisas, com o corte social de renda, e o demográfico relacionado a sexo, idade, região, raça, religião etc.
O Ipec, criado em 2021 por ex-diretores do extinto Ibope, faz levantamento presencial por domicílio, ao passo que o Datafolha faz seu levantamento de forma presencial em pontos de fluxo de pedestres. A diferença dos resultados destas pesquisas, então, se dá ao peso que cada instituto atribui aos diferentes segmentos selecionados. Neste ano de 2022 os institutos tiveram que obter do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) informações recentes sobre sexo e idade do eleitorado, contudo, em relação à renda, os dados oficiais atualizados são do último Censo do IBGE, que é de 2010. O Datafolha, por exemplo, neste quesito renda, utiliza pesquisas recentes feitas pelo próprio instituto.
A fiscalização das pesquisas feitas pelos diferentes institutos é feita pelo Conselho Federal de Estatística (Confe), pois esta norma serve para verificar se os institutos e os estatísticos estão vinculados formalmente aos conselhos regionais. O Confe, contudo, atualmente não dá conta de acompanhar as metodologias aplicadas pelos institutos de forma satisfatória, e se utiliza do auxílio do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ao pleitear um maior detalhamento metodológico no momento do registro da pesquisa. Outro crivo para os levantamentos de dados estatísticos feitos pelos institutos é o da Justiça Eleitoral, em que esta exige que no início do registro da pesquisa sejam fornecidos o questionário que será aplicado, a metodologia, fontes de financiamento, data de divulgação, etc.
As pesquisas eleitorais podem ter erros não amostrais, isto é, que passam ao largo do modelo de pesquisa aplicado, e então os institutos fazem ajustes ad hoc das estimativas, que geram os chamados house effects. Estes são os conhecidos vícios estatísticos, o viés da casa, que são vieses sistemáticos associados aos diferentes institutos de pesquisa.
Este viés pode ser de uma metodologia que tende a superestimar ou subestimar diferentes candidatos, embora estas escolhas metodológicas sejam devidamente publicadas no sistema de registro de pesquisas eleitorais do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Contudo, todo instituto tem um viés estatístico, e é normal que seja assim. Este viés não produz necessariamente dados errados, o que ocorre é que este viés serve para o instituto de pesquisa se posicionar no mercado. A tentativa de fundamentação objetiva das pesquisas, portanto, não escapam de escolhas metodológicas que estarão vinculadas a um viés estatístico.
O viés estatístico é gerado por diversos fatores, o mais importante passa pelas cotas demográficas, que são escolhas do instituto de como segmentar a população e quais serão as cotas inclusas que irão refletir na amostra final e, por conseguinte, no resultado da pesquisa. Este viés na amostra de eleitores acaba sendo influência para um determinado perfil sociodemográfico da pesquisa.
O instituto cria este viés, também, ao usar métodos de sorteio em uma ou mais etapas no processo de pesquisa, em que este instituto pode criar diferentes estratégias de balanceamento e ponderação das amostras, que incluem técnicas como raking, MrP ou matching, o que gera resultados diferentes de institutos que não fazem etapas de pós-estratificação.
Outro viés é incluir perguntas introdutórias ao tema da pesquisa ou ir direto a este, a redação e ordem das perguntas, o modo de pesquisa, que envolve o tipo de seleção e entrevista, sendo que as pesquisas presenciais podem influenciar de uma forma a resposta, e as virtuais ou telefônicas, de outra. Estas últimas, é bom lembrar, possuem baixa representatividade e cobertura na população geral comparadas às pesquisas presenciais.
A redução de heterogeneidade nos resultados de uma pesquisa pode ocorrer quando esta é feita por sorteio e com definição censitária. Dados colocam as pesquisas presenciais domiciliares e as telefônicas como mais neutras, e as pesquisas por ponto de fluxo e as online com vieses favoráveis e desfavoráveis. Um desvio estatístico corrente em 2022 é o fato de não termos dados oficiais censitários atualizados, e o fato de na pandemia ter havido muitas mudanças de domicílio e diversas alterações na estrutura social.
Por fim, as diferenças estatísticas entre institutos como Paraná Pesquisas e Datafolha nestas eleições advêm do fato dos diversos métodos de amostragem, que geram resultados que podem ser conflitantes entre si. E ainda temos polêmicas como o do instituto Gerp, que afirma ser financiado por recursos próprios, levantando suspeitas sobre fontes não divulgadas de financiamento, pois foi o único instituto que deu empate técnico entre Lula e Bolsonaro, destoando dos resultados gerais de outros institutos.
As próprias campanhas políticas, por sua vez, realizam as suas próprias pesquisas, que são as chamadas pesquisas de tracking, com a palavra inglesa que significa monitoramento, usada por empresas para criar gráficos e mostrar a evolução desta empresa no mercado, feitas por enquetes quantitativas. As pesquisas de trecking na política, por sua vez, são feitas com periodicidade diária durante as eleições, pois fornecem informações como se as estratégias de marketing político estão funcionando e influenciando nas escolhas dos eleitores, e também para identificar eventuais falhas da oposição.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/pesquisas-eleitorais