“Hunter S. Thompson será uma criatura do gonzo, e ainda mais,
seu único exemplar.”
Hunter Stockton
Thompson foi um jornalista e escritor norte-americano que ficou conhecido como
o criador do que veio a ser chamado de Jornalismo Gonzo. Tal denominação
representou um estilo de escrita e reportagem que era uma espécie nova de New
Journalism, o novo fator gonzo que misturava autor e personagem, ficção e
não-ficção.
Hunter S. Thompson
tinha uma escrita extravagante, e sua vida foi uma junção entre o trabalho
jornalístico do estilo reportagem, com a contracultura e o consumo de drogas,
como um escritor filho da geração beat e do New Journalism norte-americano que,
colocando estas duas formas literárias em comunicação, foi o primeiro e último
representante do Jornalismo Gonzo. Hunter S. Thompson nasceu em 1937, e veio a
se suicidar com um tiro de espingarda na cabeça em 20 de fevereiro de 2005. O
ator Johnny Depp era seu fã mais ilustre, tendo estrelado a excelente versão
para o cinema de Medo e Delírio em Las Vegas em 1998, e o fraco Rum Diary de
2011, filme que vem do livro “Rum: Diário de um Jornalista Bêbado”, tema desta
resenha junto com a definição de Jornalismo Gonzo.
Fruto ficcional de
um período real, isto é, a estadia de Hunter S. Thompson em San Juan, Porto
Rico, por volta de 1960, para escrever ao jornal El Sportivo, o livro “Rum:
Diário de Um Jornalista Bêbado” é uma narrativa na qual aparece o alterego de
Hunter de nome Paul Kemp. Tal técnica de narrativa será a mesma de “Medo e
Delírio em Las Vegas”, aonde o alterego de Thompson, por sua vez, era Raoul
Duke.
A narrativa gonzo,
que mistura, no mesmo texto, ficção e realidade, teria um componente mais real
em “Hell`s Angels”, que foi o primeiro trabalho literário e de reportagem de
Hunter S. Thompson, e que, em “Medo e Delírio em Las Vegas” e “Rum: Diário de
um Jornalista Bêbado” terão a ficção e nomes fictícios de personagens como uma
diferença e uma inovação da narrativa em relação ao “Hell`s Angels”.
Hunter S. Thompson
se tornará de fato gonzo, ou seja, sui generis, com esta prática narrativa de
uma metáfora real, isto é, colocando a ficção a serviço de um trabalho real de
reportagem. Tal técnica nova será algo que terá um sentido sutilmente diverso
da carga realista da narrativa do New Journalism dos EUA, que tinha, por sua
vez, feras como: Tom Wolfe, Truman Capote, Norman Mailer, dentre outros. Agora,
no Gonzo, a carga realista vira fábula, e mesmo que Hunter S. Thompson se
comporte como um verdadeiro repórter em narrativas como Medo e Delírio e Rum, o
que transparece em seu trabalho é uma ênfase ficcional maior do que em seu
Hell`s Angels ou no trabalho de seus colegas do New Journalism.
Portanto, já
entendendo “Rum: Diário de Um Jornalista Bêbado” mais como uma ficção do que
como uma reportagem, e fazendo a equivalência aqui com a narrativa de “Medo e
Delírio em Las Vegas”, o verdadeiro Jornalismo Gonzo aparece mais definido do
que com o trabalho pioneiro de Hunter com os motociclistas dos Hell`s Angels, e
que será diferente da safra nobre do New Journalism dos EUA.
Temos nesta estória de
“Rum: Diário de Um Jornalista Bêbado”, que se passa em Porto Rico, o estilo de
humor que vai determinar Hunter S. Thompson como repórter de ficção, mesmo que,
contudo, o elemento autobiográfico seja forte em sua narrativa, uma vez que os
protagonistas de seus livros Medo e Delírio e Rum, Raoul Duke e Paul Kemp,
respectivamente, não sejam personagens fictícios, mas o próprio
escritor-repórter em sua persona literária.
Ou seja, Hunter S.
Thompson tem o alterego como persona literária, e a garantia de realidade de
sua narrativa está, então, ligada a sua característica de jornalista e repórter,
e não como escritor. Isto significa que Hunter S. Thompson atua numa dupla face
de compreensão, pois ele fala autobiograficamente enquanto repórter, e atua em
ficção e invenção como escritor.
Este jogo duplo é o que vai dar no estilo do
Jornalismo Gonzo que, através disso, será uma literatura de repórter, com uma
romantização ou uma ficcionalização de algo que vem de um trabalho real, de uma
escritura biográfica, e que tem no jornalismo de Hunter S. Thompson o
certificado de que o gonzo é o narrador que está na estória, e então,
biograficamente, a narrativa passa de estória ou ficção para reportagem e
trabalho de registro. A ficção gonzo é um realismo jornalístico na medida em
que aparece como persona o caráter biográfico, que é, na sua origem real,
produto de um trabalho de repórter, algo que só fica mais evidente em Hell`s
Angels, e que, em Medo e Delírio e Rum ganha o selo gonzo como narrativa mista
de autor que faz autobiografia e jornalismo como ficção e literatura.
Falando, agora, do
livro “Rum: Diário De Um Jornalista Bêbado”, Hunter S. Thompson aparece, nesta
narrativa, com o alterego ou persona Paul Kemp. Algo biográfico vira ficção, e
a estadia de Paul Kemp em San Juan é a estória sobre as aventuras de um
jornalista norte-americano em Porto Rico, país vinculado aos EUA, mas que faz
parte de uma cultura diferente da que se tem no norte.
Paul Kemp narra em Rum esta impressão dele
como jornalista numa terra estrangeira, com condições materiais diversas da
qual ele estava acostumado nos EUA. Paul Kemp chega ao local para trabalhar no
San Juan Daily News, jornal fundado por um ex-comunista que chegara da Flórida
de nome Lotterman. Paul Kemp descreve o ambiente de trabalho do jornal como
algo caótico, pois era composto por um grupo de aventureiros comandados por
Lotterman, numa espécie de vida alternativa, na qual o trabalho era mesclado
com loucuras alcoólicas, e a rotina ficava entre o cumprimento do dever e a
malandragem de profissionais que tinham uma queda profunda pela esbórnia.
Paul Kemp também se
incluía neste universo em que o jornalismo ganhava, com a narrativa de Hunter
S. Thompson, seu conteúdo gonzo, sua forma e estilo de literatura que eram,
também, estilo de vida. O jornalismo aparece como o meio de vida, e a
literatura como resultado de uma vivência que tinha na veia de repórter a face na
qual Paul Kemp é o elemento que narra a loucura que coloca o San Juan Daily
News como uma ilha profissional que tem na contracultura os seus operários, e que,
na folga, exercem a vocação de bêbados, aonde o desleixo, numa terra
estrangeira, coloca tudo como novidade, juntando esta liberdade com eventuais
compromissos de repórter. A vida de jornalista gonzo é a que, com a narrativa
de Hunter S. Thompson, se torna um estilo de vida e de trabalho numa mesma chave
de compreensão: Paul Kemp é um trabalhador competente no meio de uma loucura
tropical.
Porto Rico era um
fim de mundo, e a equipe do Daily News era formada, principalmente, por uma
ralé itinerante de temperamento imprevisível. O que Paul Kemp narra é uma vida
errante, vida que era uma reunião de doidões numa terra estrangeira, e que,
incrivelmente, formava um grupo de jornalistas, e se tratava, ainda, do mundo
do trabalho, apesar de tudo. Tal mundo profissional alternativo era um dos
temas desta narrativa, e que representava uma profissão de personagens nômades,
em que a liberdade aparece como um conceito de vida andarilha, de algo que é um
estilo errante de trabalho e de vivência, liberdade que é resultado
praticamente de uma vida de freelancer.
Paul Kemp será um
dos caras de confiança de Lotterman no jornal, uma vez que havia, neste tipo de
trabalho, pessoas que não tinham a competência de Kemp. Nesta aventura por
Porto Rico, um dos eixos centrais desta narrativa do Rum será o triângulo
Yeamon, Chenault e Kemp. Yeamon era namorado da bonita moça Chenault, e Paul
Kemp, embora próximo de Yeamon, terá uma atração física por Chenault. E toda a
narrativa de “Rum: Diário De Um Jornalista Bêbado” será, dentre os trabalhos de
repórter de Paul Kemp, uma miríade de situações que envolverão a lei, a
polícia, o jornalismo, e o romance circunstancial de Kemp e Chenault, aonde
Yeamon terá papel decisivo, uma vez que no andamento da narrativa, Yeamon,
mesmo sendo o namorado de Chenault, com os acontecimentos, este se afastará de
Chenault, e Kemp, meio sem querer, apesar de sua atração pela moça, ficará
praticamente responsável por Chenault no fim da narrativa, tudo isto depois de
um episódio surreal envolvendo ela, o qual deixo aos leitores de Hunter S.
Thompson a descoberta.
“Rum: Diário De Um
Jornalista Bêbado” será, então, o Jornalismo Gonzo que, nesta narrativa, terá o
estilo de reportagem com ficção de Hunter S. Thompson, assim como em “Medo e
Delírio em Las Vegas”, sua obra maior, e que em Rum, pela voz de Paul Kemp, neste
livro, documento gonzo, peça de jornalismo, será, por conseguinte, literatura
do período de contracultura. Aventura amorosa, retrato de um jornal no meio do
fim do mundo, junção de personagens errantes, caóticos, delirantes, e que,
junto com o narrador, serão parte de uma cultura de trabalho e empreendimentos
que preservarão a ideia de liberdade, já que, nesta narrativa, ninguém leva uma
vida formal.
Paul Kemp, por fim,
que é o próprio Hunter S. Thompson, colocará o sentido do que é o Jornalismo
Gonzo, ou seja, um estilo de vida que usa a narrativa literária como modelo de
jornalismo alternativo, e que é uma criação nova que tem Hunter S. Thompson
como grande criador e personagem único.
O Gonzo, intitulado
jornalismo, é a literatura que corrobora a tendência norte-americana do New
Journalism com o elemento de contracultura hippie do mundo das drogas e do
álcool, da herança da geração beat, e que, com o trabalho de Hunter S.
Thompson, cristaliza a ficção como trabalho de repórter, profissão deste escritor
gonzo que é o autor de si mesmo, e o personagem de uma história real. O
Jornalismo Gonzo é a autobiografia de Hunter S. Thompson como reportagem e
literatura.
Hunter S. Thompson,
que desenvolve seu trabalho literário desde “Hell`s Angels”, exercício que tem
seu ápice em “Medo e Delírio em Las Vegas”, tem agora, falando de “Rum: Diário De
Um Jornalista Bêbado”, isto que se chama gonzo. A relação do conceito de Gonzo
será, então, uma junção de mais três conceitos: contracultura, literatura e
jornalismo.
O Gonzo, como
conceito ou ideia, virá em sua nomeação com a pré-definição de jornalismo e,
acompanhando o New Journalism norte-americano, será o jornalismo de reportagem.
Ou seja, tanto a origem do New Journalism como do Jornalismo Gonzo estará na figura
mítica também do jornalismo formal: o repórter. No jornalismo, mais do que o
âncora ou o redator, a grande centralidade da informação estará na figura do
repórter, pois é nele que se realiza o documento, a peça da informação, na sua
origem. E aqui, falando do conceito de Gonzo, que tem seu sentido primário como
jornalismo, e como especificidade o trabalho de reportagem, ganha, com sua
amplitude documental feita por Hunter S. Thompson, suas duas outras
conceituações que são as ideias de literatura e de contracultura.
O Jornalismo Gonzo,
que se origina da reportagem, vira peça literária. Gonzo que será o reflexo de
uma filosofia ou estilo de vida, a chamada contracultura. Gonzo que será uma
manifestação de protesto envolvendo a arte em geral, e que terá um sentido
político de emancipação da tradição, e de crítica da cultura desta mesma
tradição, criando um movimento de ruptura com a vida nos moldes vigentes da
existência institucionalizada, se realizando, junto com o conceito de contracultura,
o que poderemos chamar de a liberdade criativa de uma nova geração. Esta que
surgiu no fim da década de 1960, sob influência da literatura beat. O
Jornalismo Gonzo será o produto, então, de uma mistura entre New Journalism e
geração beat. Hunter S. Thompson será uma criatura do gonzo, e ainda mais, seu
único exemplar.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/20236/14/diario-de-um-jornalista-bebado