PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 1 de outubro de 2016

LORD BYRON, UM DOS MAIORES POETAS INGLESES – PARTE III

“Byron foi na Europa, por sua vez, uma influência muito maior e constante do que na Inglaterra”

BYRONISMO

Lord Byron foi um poeta que tinha verve colorida, em que sua poesia se destacava de forma plena e que com sua personalidade enlevou com isso a imaginação europeia. Seu nome tornou-se tanto um símbolo da mais profunda melancolia romântica como das aspirações ao liberalismo político, colocando sua poesia e pessoa como partes duplas entre romantismo subjetivo e atuação política objetiva. Renomado como o “gloomy egoist” (egoísta melancólico) durante a maior parte do século XIX, ele é agora mais geralmente estimado pelo realismo satírico de seu Don Juan e pelo espírito faceto de suas cartas.
Apesar do Childe Harold e O corsário terem sido grandes êxitos de público na Inglaterra, a crítica dos jornais nem sempre foi favorável a Byron – em geral movida por princípios não-literários. Houve, no entanto, exceções ilustres como Shelley que, por exemplo, o considerava um dos maiores poetas dentre todos de sua época, considerando o Don Juan uma obra-prima e o Caim excelente poesia: Sir Walter Scott sempre o apreciou, Tennyson (então com 15 anos) achou que “o mundo escureceu” ao saber da morte do poeta.
Byron foi na Europa, por sua vez, uma influência muito maior e constante do que na Inglaterra, pois nota-se sua sombra em Lamartine, Musset, Heine, Lenau, Lermontov, entre outros poetas importantes. Goethe, por exemplo, o tomava em alta consideração, julgava-o “o maior engenho poético do século” e achava os alemães mais aptos a apreciar-lhe os méritos do que os próprios ingleses. Byron, então, era a representação de um romantismo emotivo, sonhador, melancólico e desesperado, mas, também, colorido, brilhante, rebelde e audaz. Na crítica literária, contudo, Byron tem trajetória acidentada, pois por muitas décadas o poeta perdeu o apreço dos críticos literários ingleses, e quando ele ganha destaque novamente no último terço do século, já está transformado, pois a ênfase agora tende a cair antes em Don Juan e nas outras obras em oitava rima do que no Childe Harold, Manfred e histórias turcas, que lhe haviam dado fama contemporânea e continuaram a sustentar-lhe a reputação no ultramar.
No Brasil não se pode negar que Byron influiu entre os poetas, a ponto de Álvares de Azevedo ser cognominado o “Byron brasileiro”. Na segunda geração de nossos românticos, os byronianos de São Paulo deram a nota, com Francisco Otaviano, Cardoso do Meneses e Sousa, o já citado Álvares de Azevedo, Bernardo Guimarães, Aureliano Lessa. Nesta corrente não faltam características típicas do romantismo como  a dúvida, a descrença, o humor negro e as blasfêmias. Assim como Byron bebera em taça feita de um crânio achado na Abadia de Newstead, vestido de monge, os moços paulistas primaram em esbórnias, de que há notícia na Sociedade Epicureia, e nas orgias mentais de Álvares de Azevedo, como podemos ver em A noite na taverna.
Embora Byron, como se disse, seja hoje especialmente considerado na Inglaterra com o Don Juan e poemas em oitava rima, um tanto ainda com o Childe Harold, as antologias de sua obra costumam incluir suas poesias líricas mais celebradas, que têm peso e ímpeto próprios. Temos ainda o Byron lírico também como base de sustentação de sua reputação como poeta, o que é importante, dada a sua filiação ao romantismo.

POEMAS:
VERSOS INSCRITOS NUMA TAÇA FEITA DE UM CRÂNIO: A festa em Newstead tem a taça de crânio, a bebida é sorvida, Byron reflete, e o poema convida e enobrece o gesto de beber como o de viver: “Vivi, amei, bebi, tal como tu; morri:/Que renuncie a terra aos ossos meus;/Enche! Não podes injuriar-me; tem o verme/Lábios mais repugnantes do que os teus./Antes do que nutrir a geração dos vermes,/Melhor conter a uva espumejante;/Melhor é como taça distribuir o néctar/Dos deuses, que a ração da larva rastejante./Onde outrora brilhou, talvez, minha razão,/Para ajudar os outros brilhe agora eu;/Substituto haverá mais nobre do que o vinho/Se o nosso cérebro já se perdeu?/Bebe enquanto puderes; quando tu e os teus/Já tiverdes partido, uma outra gente/Possa te redimir da terra que abraçar-te,/E festeje com o morto e a própria rima tente.” Lord Byron tem um de seus ápices neste poema, que é um poema de vida, a vida de um poeta, a sua taça de crânio, onde o poeta sabe que viveu e morreu, amou e bebeu, pois que como taça não serve ao verme, o néctar é dado aos poetas, a festa é dos poetas junto com Byron, e o vinho é a bebida dos deuses, brilha a razão e o eu do poeta, e o poeta bebe enquanto pode, ele aproveita, com os deuses ele sabe que o vinho é sagrado, e a passagem também se dá, pois quando Byron e seus amigos se forem, outros virão e a festa do vinho não terá fim. Pois quando Byron estiver morto, tanto o vinho como a rima, estas estarão ainda no mundo, e o que Byron viveu e bebeu será a divindade da poesia e do vinho.
OS GRAUS DO AZUL: O poema começa com esta cor azul que ganha aspecto intelectual: “Vós que a sorte dos livros todos resolveis,/Vós, azuis do segundo sexo, tão cordiais!/Que anunciais os nossos poemas com o olhar,/Acrescentar vosso “imprimatur” não quereis?”. Segue o poema: “Já não há gosto, e a fama é dada em loteria/Por moças de casaco azul em parceria.” Ou seja, tal imprimátur é do grupo azul das mulheres cultas, as letras são discutidas, o azul no poema é a cor e vulto literário que toma parte neste grupo de mulheres, no que segue o poema: “Oh! “Escura, forte, belamente azul” – é o que/Nalgum lugar alguém cantou do firmamento,/E de vós, doutas damas, coisa igual sustento;” (...) “Muitas de vós, como criatura, é um serafim,/Mas foi-se o tempo em que, de rimas amador,/Lieis minhas estâncias, e eu vosso rosto:/Mas não importa, que isso tudo teve fim;”. As rimas que se amam, e a autoridade das belamente azuis sobre o poema do Byron e isso teve fim, eis que o poema dá uma razão, e é a lida castiça, rebuscada, que, de outro lado, só deixa a tolice demarcada por máscara intelectual, mas Byron arremata, e não poupa: “Conheci uma mulher da escola rebuscada,/Linda, casta, a melhor – mas tola rematada.” E o poema entra na última estrofe, com vigor: “Humboldt, esse “primeiro dos viajantes”, não/O último, se recente informe é sem senão,/Inventou, e lhe deu um nome que olvidei/Com a data dessa descoberta assim de lei,/Um aéreo instrumento, para procurar/Do estado da atmosfera se certificar,/Medindo os graus do azul, tal como ele apareça./Deixai portanto, ó Lady Daphne, que eu vos meça!”. Os graus do azul aparece enfim no poema, instrumento de Humboldt para a cor azul, e o grupo literato de mulheres colocando o azul como uma via de imprimátur literário, e Byron mede estes azuis, com Humboldt e com as  Blue Stockingers. Azul literário que também é a cor azul, e os graus de azul que o poema faz aparecer enfim. 

POEMAS:

VERSOS INSCRITOS NUMA TAÇA FEITA DE UM CRÂNIO

Não, não te assustes; não fugiu o meu espírito;
Vê em mim um crânio, o único que existe,
Do qual, muito ao contrário de uma fronte viva,
Tudo aquilo que flui jamais é triste.

Vivi, amei, bebi, tal como tu; morri:
Que renuncie a terra aos ossos meus;
Enche! Não podes injuriar-me; tem o verme
Lábios mais repugnantes do que os teus.

Antes do que nutrir a geração dos vermes,
Melhor conter a uva espumejante;
Melhor é como taça distribuir o néctar
Dos deuses, que a ração da larva rastejante.

Onde outrora brilhou, talvez, minha razão,
Para ajudar os outros brilhe agora eu;
Substituto haverá mais nobre do que o vinho
Se o nosso cérebro já se perdeu?

Bebe enquanto puderes; quando tu e os teus
Já tiverdes partido, uma outra gente
Possa te redimir da terra que abraçar-te,
E festeje com o morto e a própria rima tente.

E por que não? Se as frontes geram tal tristeza
Através da existência – curto dia -,
Redimidas dos vermes e da argila
Ao menos possam ter alguma serventia.
(Este poema – escrito na Abadia de Newstead, em 1808 – pareceu muito atraente a poetas nossos como Castro Alves, que o traduziu. O mesmo fez Luís Delfino, que se valeu, segundo Onédia Célia, de interposta tradução francesa. A taça realmente existiu e foi usada por Byron e amigos em festa em Newstead.)

OS GRAUS DO AZUL

CVIII
Vós que a sorte dos livros todos resolveis,
Vós, azuis do segundo sexo, tão cordiais!
Que anunciais os nossos poemas com o olhar,
Acrescentar vosso “imprimatur” não quereis?
Quê! Devo os esquecidos cucas procurar,
Os córnicos que pilham ruínas imortais?
Devo ser eu o único menestrel, que já
Proibistes de tomar vosso castálio chá?
CIX
Quê! não posso mostrar-me nunca mais um “leão”?
Um barrete de bobo, um bardo de salão,
Para aguentar os rapapés de algum pateta,
Gemer como a ave de Yorick, “não posso sair”,
Ou então jurarei, Wordy assim fez, o poeta,
(O mundo não vai lê-lo, está sempre a rosnir),
Já não há gosto, e a fama é dada em loteria
Por moças de casaco azul em parceria.

CX
Oh! “Escura, forte, belamente azul” – é o que
Nalgum lugar alguém cantou do firmamento,
E de vós, doutas damas, coisa igual sustento;
Dizem que vossas meias são azuis (por quê,
Sabe o céu, poucos pares vi eu dessa cor);
Azuis tais como as jarreteiras, que ao dispor
Da perna esquerda dos senhores, ornarão
A festa à noite ou a manhã de recepção.

CXI
Muitas de vós, como criatura, é um serafim,
Mas foi-se o tempo em que, de rimas amador,
Lieis minhas estâncias, e eu vosso rosto:
Mas não importa, que isso tudo teve fim;
Porém de sábias naturezas não desgosto,
Que às vezes cobrem virtuosíssimo primor;
Conheci uma mulher da escola rebuscada,
Linda, casta, a melhor – mas tola rematada.

CXII
Humboldt, esse “primeiro dos viajantes”, não
O último, se recente informe é sem senão,
Inventou, e lhe deu um nome que olvidei
Com a data dessa descoberta assim de lei,
Um aéreo instrumento, para procurar
Do estado da atmosfera se certificar,
Medindo os graus do azul, tal como ele apareça.
Deixai portanto, ó Lady Daphne, que eu vos meça!

(Verso 2: Vós, azuis do segundo sexo, tão cordiais!: Ceruleans, cerúleas = azuis. Blue, além do significado normal de azul, tem no poema, referindo-se a mulheres, o sentido de eruditas, pedantes (Oxford English Dictionary). Esse dicionário remete a blue-stocking e explica: em reuniões mantidas em Londres, por volta de 1750, na casa de Mrs.Montague e outras, trocaram as damas o jogo de cartas por maneiras mais intelectuais de passar o tempo, inclusive conversação sobre assuntos literários, das quais muitos homens de letras às vezes tomavam parte. Muitas das participantes evitavam trajes formais: uma delas era Mrs.Benjamin Stillingfleet, que usava habitualmente meias de lã cinza ou azul, em vez de seda preta. Daí um almirante Boscawen ter chamado a “coterie” de “the blue stocking Society”. As senhoras do grupo eram chamadas Blue Stockingers, depois abreviado para blues, no slang. A graça do excerto de Byron é a ambiguidade de blues, nos sentidos de mulheres de gosto literário e azul.)
(Verso 24: Deixai portanto, ó Lady Daphne, que eu vos meça!: Este verso e o anterior deixam patentes os dois tipos de azul: o literário e a cor.)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário: http://seculodiario.com.br/30835/17/lord-byron-um-dos-maiores-poetas-ingleses-parte-3



segunda-feira, 26 de setembro de 2016

FERINO MAR DE AZUL

Se uma vaga estoura d`além,
eu sigo a poesia e o canto
com fundos d`alma
encanto.

Se tenho registros da flora,
cantos em demanda todo
ao canto aflora.

Vinho incansável, e o reto odor
das linhas traçadas, os calmos rios
em dores castanhas, os azuis pelo ar,
e o céu como um sonho também livre,
por entre a terra que vigia o lírio.

Se uma onda arrebenta na pedra,
o in loco das práticas de arte
fazem castelos de rocha púrpura,
como uma nave que afunda
na boca e no ventre do mar.

26/09/2016 Gustavo Bastos

O ESPASMO DA COR

Quebranta, e o lume estala frio,
um âmbar qualifica a moldura,
em cada costa um pincel,
e de través a cor que a tela conquista.

Qual rasgo, um canto de dor, fere alma
e o recanto do artista, em um pincel
cabe o lustro de quasares,
como uma galáxia particular,
toda empapada de tinta.

Se o frio e o gelo, e os escuros tons
suscita, e o lume recobre a dança,
testa a cor ao olho clínico em toda face,
e plana as medidas tal esquadro.

Com um tilintar de roxo, e uma rubra azul
de amarelo ácido, quantifica a sombra
por sobre a instalação, e os ferros retorcidos
da paisagem, e um bom cantor atrás da cena,
o fauno, eis, com harpa e adoração,
como num Hieronymus Bosch,
a visão infernal, iconoclasta e lúbrica.

Queda sob luz mortiça, e o quadro maneirista
ou austero, de qual cor a cor se emula,
e os sons quasares pintam a galáxia de dentro,
e os labirintos de minotauro
cercam a cena em fundo espiralado.

Vago qual vaga, e a cor biruta
penteia o ambiente verde vivo,
e se uma flor se espanta,
o pintor a cobre de violáceo.

Voltas de um adorador, esquenta
o vermelho ocre tal marrom barro
de brio, cor do coração em fel,
cor do coração em paixão,
tal o susto e a pensata.

Vigor, no rés-do-chão, pinta o
branco lume vagar de bruma,
eis o estoico pintor,
na boca do pincel.

26/09/2016 Gustavo Bastos

domingo, 25 de setembro de 2016

DIA DE VERÃO

Minutos de silêncio e uma resposta no abajur,
perto dos romances de dostoiévski
passam os meus planos geométricos,
as astúcias e burrices, os quadros sonoros
de massas coloridas, os risos de bêbado
no peitoril das noites ardentes,

vejo o recreio da minha janela,
claras nuvens também vejo,

viajo de maconha com uma ideia de câmara escura,
fotograma, direção de arte nos ombros
de um motor infalível,
eis, a ideia martelando à mil,
e uma coisa de duzentas quilometragens
no ar de veneno da motocicleta,
uma harley bem doidona de pó.

Acendo as pálpebras, as cores mudam
diante do sol, caem em negro no sabor da lua,
és estrela maldita com vinhas de sarça
em sol e lua, ah, se meus horrores
de flor à pele maldosa, se meus orgasmos
fossem ... à pele mordida e lambida
sem poemas, sem teorias literárias,
sem estética e sem vícios,

vejo o tumulto da minha janela,
tempestades de fim de verão vejo,

por entre as frestas uma transa,
e todos os continentes da visão,
por entre as dores os cortes de faca,
e todos os mares da sensação,

eu ligo para um monte de coisas,
listas de afazeres todos,
e montes de coisas ínfimas
com minudências de microgramas,

sal e açúcar, sangue e suor,
quero ir para a floresta,
quero virar primata,
um animal ou totem,

por entre as nuvens as tempestades,
e flores azuis na velha ordem
do universo,

como gritam estes corpos de praia,
como dormem estes bêbados
da noite,

ah, se eu fosse tão poeta
a ponto de voar!
ah, se eu não fosse demasiado humano
e tão poeta a me suicidar,
ah, tudo tão rápido,
como um dia de verão.

25/09/2016 Gustavo Bastos

RUA DEMOCRACIA

Passo lento rumo ao ócio da rua,
o mercado está fumegando,
os homens da feira gritam e giram
com suas bugigangas,

um senhor calvo acende um charuto,
duas meninas pulam amarelinha,
o porteiro segura uma senhorinha
na entrada do prédio à direita
de um mendigo que dorme,

adolescentes, no meio das motos,
fumam cigarros mentolados,
uma moça gostosa de saia
passa ao largo, dá boas-vindas
ao moço que está no carro,
sabe-se marido ou namorado?
um irmão? não sei.

Passo lento rumo ao ócio da rua,
tem uma janela no fim desta rua,
lá está o brilho do televisor,
um aposentado que mora no térreo,

passa um cachorro com uma jovem alternativa,
passa um punk e um funkeiro,
esta rua ... esta rua ...
é a rua democracia.

25/09/2016 Gustavo Bastos

LORD BYRON, UM DOS MAIORES POETAS INGLESES – PARTE II

“Sua morte colaborou para aumentar-lhe ainda mais o mito”

No inverno e verão de 1814 Lord Byron publicou suas sombrias narrativas orientais, como O corsário, que vendeu, segundo o próprio Byron, 14 mil exemplares no dia de sua publicação. Lara é também dessa época. Propôs casamento, pela segunda vez, a Annabella Milbanke, moça aristocrática, intelectualizada, moralista, e dessa vez foi aceito. Casou-se em 2 de janeiro de 1815,  e um ano depois, a esposa foi visitar os pais e abandonou-o, sem nunca mais vê-lo nem querer se reconciliar. Assinados os papéis de separação, achando-se sem ambiente na Inglaterra, encetou uma segunda viagem ao estrangeiro, da qual não voltaria vivo. Visitou Waterloo, o Reno, a Suíça, onde se encontrou com Shelley e passou a residir na Villa Diodati, perto de Genebra e às margens do lago Leman. Na Villa terminou o terceiro canto do Childe Harold, vindo a lume em 18 de novembro de 1816 e que fez sua reputação literária aproximar-se do mais alto nível, na sua terra. E com as impressões de uma viagem aos Alpes iniciou a fantasia dramática Manfred, que concluiria em Veneza (1817).
Depois da Suíça Byron foi para a Itália, primeiramente a Veneza. Enquanto na Itália, vendeu Newstead Abbey por 94.500 libras, o que terminou com as agruras financeiras e a vida de débitos que até então conhecera. Pagas as dívidas, ficou com uma renda de 3.300 libras. Por morte de sua sogra, Lady Noel de nascimento, adquiriu uma renda adicional de três mil libras, e tomou o nome de Noel Byron. Na Itália Byron se tornou uma das grandes figuras continentais, com uma fama mais ampla, e um crescentemente cálido renome, e uma pouco merecida reputação como o profeta do liberalismo europeu que deram-lhe uma importância que ele próprio nunca esperara. Seu apoio perfuntório e amadorístico aos carbonários num período subsequente, e aos gregos no último ano de sua vida, confirmaram e estabeleceram essa reputação. Por um singular processo de alargamento romântico, o dandy em suas viagens tornou-se um dos imperecíveis heróis da liberdade e da independência das nações, mas isso ainda não era previsível em 1817. Em setembro de 1817 compôs o poema “Beppo”, que antecipa o Don Juan e é hoje considerado obra de importância em sua carreira, e isso pela força, hilaridade e facilidade do poema, mesmo na oitava rima. Byron, a essa altura, vivia com ostentação. Tinha cavalos, gôndola e gondoleiro; morava em palácio, com catorze criados. O 4° canto do Childe era bem recebido na Inglaterra, dizendo o próprio Scott Magazine que a poesia de Byron era de uma espécie nova e sem precedentes – coisa que até hoje há quem repita do Childe Harold. Em 1818 Byron começou, em meio às suas extravagâncias, a redação do poema hoje considerado na Inglaterra sua obra-prima, o Don Juan satírico, faceto, divagador, mas sempre vário e vivo.
Byron frequentava encontros secretos dos carbonários, Byron recebeu Shelley, que julgava estar ele a caminho da virtude. Publicou Caim (com “Sardanapalus” e “The Two Foscari”), o qual levantou um tumulto, especialmente no clero. De 21 também foi “Heaven and Earth” e, de 22, “Werner”, dedicado a Goethe. Com “The Vision of Judgement”, hoje antológico, arrasou seu inimigo de toda a vida, Southey.
Shelley deseja um barco e Byron um iate, que são construídos em Gênova – o Ariel (de início Don Juan, ao menos para Byron) para Shelley, o Bolívar para Byron. Este acolhe Leigh Hunt, para editar um jornal em inglês, The Liberal, cujo primeiro número saiu em outubro de 1822. O Ariel foi levado para Lerici no golfo de Spezia, e logo depois chegou o Bolívar. Shelley conduziu seu barco para Livorno. De volta para Lerici, Shelley tomou o Ariel, em companhia de Williams e de Charles Vivian, em 8 de julho de 1822. O barco entrou num nevoeiro e desapareceu. Naufragou e só muitos dias depois o corpo de Shelley foi encontrado na praia, perto de Viareggio.
Byron compôs os cantos extremos a que chegou, do Don Juan. Byron já estava resolvido a ir para a Grécia, embora tivesse o pressentimento de que de lá não voltaria. Aceitara o convite do Comitê Grego de Londres, com a perspectiva de tomar uma força militar sob o seu comando na luta pela libertação da Grécia. Embarcou no brigue Hércules em 13 de julho de 1823. O navio ancorou na enseada de Argostoli, na ilha de Cefalônia, então protetorado britânico. Byron embarcou para Missolonghi, envergando um uniforme vermelho. Recebido ao som de canhões, música e canto, o lorde hospedou-se no andar superior da casa do coronel Stanhope, perto da laguna. O chefe geral era o príncipe Mavrocordato. Em 22 de janeiro de 1824, o poeta completou trinta e seis anos, escrevendo um poema a respeito, tido como o último que redigiu. No fim do mês recebeu plenos poderes civis e militares. Mas em Missolonghi, afora a confusão de suliotas e gregos, só havia dois canhões em bom estado. Em 15 de fevereiro teve um ataque convulsivo. Em 9 de abril foi colhido por uma tempestade e, completamente encharcado, tomou uma canoa para voltar para a cidade. Ao chegar, queixou-se de dores e febre, e dois dias depois já estava bastante mal. Teve delírios. Médicos o trataram, mas em vão: morreu em 19 de abril de 1824. Sua morte colaborou para aumentar-lhe ainda mais o mito, dando-se, como se deu, pela libertação de uma terra oprimida.
Poemas:
WATERLOO: O poema napoleônico, abre com seu ímpeto metafórico, emulando a guerra e a imagem da tirania: “Detém na poeira de um Império essas passadas!” (...) “Fizeste que contigo o mundo isto obtivesse,/Primeiro campo de batalha e terminal!” (...) “No sepulcro da França, Waterloo mortal!” Eis a queda final em Waterloo, que conduz e dá título ao poema, e segue: “Aqui a águia em seu último auge foi notada/E feriu, garra em sangue, a terra lacerada,/Pela flecha da união dos povos traspassada;” Do auge à queda, o serviço da guerra tem por si uma união de povos que sempre reage, e como é bom saber disso, e o poema segue em seu ritmo, e o embate se dá entre a liberdade do mundo e os anseios da Gália, ou melhor, da França então sob Napoleão: “Pode a Gália morder – é justo – o freio a fundo/E em ferros escumar: está mais livre o mundo?” (...) “Senão, que um déspota caiu não clameis tanto!” E o poema termina como contra o clamor por um tirano, embora politicamente o poeta fosse admirador de Napoleão, mas em poesia e neste Waterloo, talvez por descrever a queda de um líder na guerra, a perspectiva negativa tenha lhe atraído a pena neste caso. A liberdade do mundo dependeria deste fim em Waterloo, que é começo para este poema e título que lhe dá, pois.
A INÊS: Este poema representa o auge do Romantismo inglês, e a pena de Lord Byron, neste caso, atinge seu clímax, em que o poema começa, sem mais: “Não me sorrias à sombria fronte,/Ai! sorrir eu não posso novamente:” (...) “E perguntas que dor trago secreta,/A roer minha alegria e juventude?/E em vão procuras conhecer-me a angústia” Ele indaga nas interrogações de Inês, uma contra-imagem que o poeta se dá de modo evanescente e disfarçado, num momento, e na qual a angústia própria, tanto Inês em vão a perscruta, como o próprio poeta tenta definir, como faz a seguir: “É esse tédio que deriva, e quanto!/Não, a Beleza não me dá prazer,” Eis que a angústia é o tédio, e beleza não há neste estado de espírito, embora o poema se desenvolva, e que prossegue assim: “Que exilado – de si pode fugir?/Mesmo nas zonas mais e mais distantes,/Sempre me caça a praga da existência,/O Pensamento, que é um demônio, antes.” Eis que o poeta quer se exilar, mas (aqui ecoa Descartes na minha cabeça), ele não pode escapar do próprio pensamento, evadir-se do mundo não lhe dará escapatória de seu pensamento, de seu ser enquanto sujeito, e aqui como um emissor poético, que persiste e existe, e a pena que ainda quase morta, dá grandeza ao romantismo como corrente de poesia e de filosofia, como pendor estético inexorável, segue assim: “Sorri! não sofras risco em desvendar/O coração de um homem: dentro é o Inferno.” Lord Byron revela um coração infernal, este seu pensamento, que no exílio, na evasão e na dispersão, torna-se poesia.
O OCEANO: O poema que homenageia o oceano, e que lhe dá o título, começa com grandeza: “Rola, Oceano profundo e azul sombrio, rola!/Caminham dez mil frotas sobre ti, em vão;/de ruínas o homem marca a terra, mas se evola/na praia o seu domínio. Na úmida extensão/só tu causas naufrágios,” (...) “Do passo do homem não há traço em teus caminhos,” (...) “Tuas bordas são reinos, mas o tempo os traga:/Grécia, Roma, Cartago, Assíria, onde é que estão?/Quando outrora eram livres tu as devastavas,”. No oceano, os homens, pequenos seres frágeis, não resistem, e nele há o lugar dos naufrágios, e nem as nações, por mais vastas, não lhe resistem a força e a imponência, Lord Byron neste poema já tinha a consciência da vastidão e do poder da natureza sobre os homens e as nações, e aqui a natureza ganha seu representante no oceano, este grande e imenso oceano que percorre e cobre a maior parte da Terra, no que o poema segue: “em tua fronte azul o tempo não põe traço;/como és agora, viu-te a aurora da criação.” O oceano aparece como testemunha da criação, de sua aurora, pois deste oceano também é a origem da vida, e o poema segue: “Tu, espelho glorioso, onde no temporal/reflete sua imagem Deus onipotente;/calmo ou convulso, quando há brisa ou vendaval,/quer a gelar o polo, quer em clima ardente/a ondear sombrio, - tu és sublime e sem final,/cópia da eternidade, trono do Invisível;” No poema há, por fim, o oceano como reflexo da imagem e da vontade divina, a onipotência divina tem seu exemplo maior no oceano que de calmo ou convulso domina a Terra e os homens que lhe navegam, este oceano que é cópia da eternidade e que contém em si o portal para o mundo invisível, já que, uma vez tendo assistido a aurora da criação, guardou-lhe os mistérios, o oceano cria a vida e sabe do segredo da vida. Ele é espelho de Deus na Terra. E Lord Byron, neste poema, lhe dá o contorno perfeito.
WATERLOO
XVII
Detém na poeira de um Império essas passadas!
Ruínas de um terremoto aqui estão sepultadas!
Não orna este lugar um busto colossal?
Nem troféus nem colunas em visão triunfal?
Não, contudo moral mais simples aqui aflora:
Como o solo era antes, seja assim agora!
Como com a chuva rubra vicejou a messe!
Fizeste que contigo o mundo isto obtivesse,
Primeiro campo de batalha e terminal!

XVIII
Haroldo está de pé – que de ossos no local! –
No sepulcro da França, Waterloo mortal!
Como teus dons anulas, tu, poder que dás,
Como transferes uma fama tão fugaz!
Aqui a águia em seu último auge foi notada
E feriu, garra em sangue, a terra lacerada,
Pela flecha da união dos povos traspassada;
Todo o trabalho da ambição foi infecundo:
Leva os anéis partidos dos grilhões do mundo.

XIX
Pode a Gália morder – é justo – o freio a fundo
E em ferros escumar: está mais livre o mundo?
Lutaram as nações para vergar só um?
Ou ensinar os reis a preexceler na ação?
Quê! a Escravidão ressuscitada será algum
Ídolo tosco de dias de ilustração?
Devemos render preito ao Lobo, nós que o Leão
Derrubamos? Perante o trono olhos baixar,
Dobrar os joelhos? Não, provai para exaltar!

XX
Senão, que um déspota caiu não clameis tanto!
Em vão em belos rostos derramou-se pranto
Por tanta flor da Europa, que viu arrancada
O que pisava as vinhas; épocas em vão
De fim, despovoamento, servidão e horror
Foram sofridas, mas quebrou-se a união
De milhões que se ergueram; o que faz amada
A glória, é quando o mirto vem coroar a espada,
Como a que Harmódio opôs – de Atenas ao senhor.

(Poema Waterloo: Childe Harold, canto III: A popularidade das obras de Byron na era vitoriana entre operários intelectualizados foi testemunhada por Friedrich Engels em 1845, e no termo do período leitores não sofisticados de todas as classes sociais ainda se lembravam de morceaux de bravoure tais como o que descreve Waterloo em Childe Harold, III. Apesar de seus versos contra Napoleão, sabe-se que Byron o prezava, sendo essa até uma das razões que o antipatizaram nos seus círculos ingleses. O poeta era contrário ao estado de coisas que sucedeu a queda do corso.)
(Verso 14: “Aqui a águia em seu último auge foi notada”: Pride of place é um termo de falcoaria e significa o mais alto alcance do voo. Ver Macbeth: “An eagle towering in his pride of place”. Verso 18: “Como a que Harmódio opôs – de Atenas ao senhor”: Harmódio e Aristogito comspiraram contra os Pisistrátidas – Hípias e Hiparco. Só Hípias foi morto, sendo Harmódio abatido pela guarda de Hiparco e Aristogito preso e executado (514 a.C.). Foram posteriormente reverenciados em Atenas como campeões da liberdade. Byron cita o verso a que alude, “With myrth my sword will I wreathe”, do canto grego traduzido por Denman.)

A INÊS

I
Não me sorrias à sombria fronte,
Ai! sorrir eu não posso novamente:
Que o céu afaste o que tu chorarias
E em vão talvez chorasses, tão-somente.

II
E perguntas que dor trago secreta,
A roer minha alegria e juventude?
E em vão procuras conhecer-me a angústia
Que nem tu tornarias menos rude?

III
Não é o amor, não é nem mesmo o ódio,
Nem de baixa ambição honras perdidas,
Que me fazem opor-me ao meu estado
E evadir-me das coisas mais queridas.

IV
De tudo o que eu encontro, escuto, ou vejo,
É esse tédio que deriva, e quanto!
Não, a Beleza não me dá prazer,
Teus olhos para mim mal têm encanto.

V
Esta tristeza imóvel e sem fim
É a do judeu errante e fabuloso
Que não verá além da sepultura
E em vida não terá nenhum repouso.

VI
Que exilado – de si pode fugir?
Mesmo nas zonas mais e mais distantes,
Sempre me caça a praga da existência,
O Pensamento, que é um demônio, antes.

VII
Mas os outros parecem transportar-se
De prazer e, o que eu deixo, apreciar;
Possam sempre sonhar com esses arroubos
E como acordo nunca despertar!

VIII
Por muitos climas o meu fado é ir-me,
Ir-me com um recordar amaldiçoado;
Meu consolo é saber que ocorra embora
O que ocorrer, o pior já me foi dado.

IX
Qual foi esse pior? Não me perguntes,
Não pesquises por que é que me consterno!
Sorri! não sofras risco em desvendar
O coração de um homem: dentro é o Inferno.

(Este poema, que consta do Childe Harold, I, entre LXXXIV e LXXXV, foi um dos mais cultuados em nosso Romantismo.)

O OCEANO

CLXXIX
Rola, Oceano profundo e azul sombrio, rola!
Caminham dez mil frotas sobre ti, em vão;
de ruínas o homem marca a terra, mas se evola
na praia o seu domínio. Na úmida extensão
só tu causas naufrágios, não, da destruição
feita pelo homem sombra alguma se mantém,
exceto se, gota de chuva, ele também
se afunda a borbulhar com seu gemido,
sem féretro, sem túmulo, desconhecido.

CLXXX
Do passo do homem não há traço em teus caminhos,
nem são presa teus campos. Ergues-te e o sacodes
de ti; desprezas os poderes tão mesquinhos
que usa para assolar a terra, já que podes
de teu seio atirá-lo aos céus; assim o lanças
tremendo e uivando em teus borrifos escarninhos
rumo a seus deuses – nos quais firma as esperanças
de achar um porto ou angra próxima, talvez –
e o devolves à terra: - jaza aí, de vez.

CLXXXI
Os armamentos que fulminam as muralhas
das cidades de pedra – e tremem as nações
ante eles, como os reis em suas capitais -,
os leviatãs de roble, cujas proporções
levam o seu criador de barro a se apontar
como Senhor do Oceano e árbitro das batalhas,
fundem-se todos nessas ondas tão fatais
para a orgulhosa Armada ou para Trafalgar.

CLXXXII
Tuas bordas são reinos, mas o tempo os traga:
Grécia, Roma, Cartago, Assíria, onde é que estão?
Quando outrora eram livres tu as devastavas,
e tiranos copiaram-te, a partir de então;
manda o estrangeiro em praias rudes ou escravas;
reinos secaram-se em desertos, nesse espaço,
mas tu não mudas, salvo no florear da vaga;
em tua fronte azul o tempo não põe traço;
como és agora, viu-te a aurora da criação.

CLXXXIII
Tu, espelho glorioso, onde no temporal
reflete sua imagem Deus onipotente;
calmo ou convulso, quando há brisa ou vendaval,
quer a gelar o polo, quer em clima ardente
a ondear sombrio, - tu és sublime e sem final,
cópia da eternidade, trono do Invisível;
os monstros dos abismos nascem do teu lodo;
todas as zonas te obedecem: porque és todo
insondável, sozinho avanças, és terrível.

CLXXXIV
Amei-te, Oceano! Em meus folguedos juvenis
ir levando em teu peito, como tua espuma,
era um prazer; desde meus tempos infantis
divertir-me com as ondas dava-me alegria;
quando, porém, ao refrescar-se o mar, alguma
de tuas vagas de causar pavor se erguia,
sendo eu teu filho esse pavor me seduzia
e era agradável: nessas ondas eu confiava
e, como agora, a tua juba eu alisava.

(O poema é de Childe Harold`s Pilgrimage, Canto IV)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

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