PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

NELSON RODRIGUES FAZ SEU FOLHETIM DEFINITIVO EM ASFALTO SELVAGEM

“A convenção social é dinamitada com o desvelamento da hipocrisia”

Nelson Rodrigues escreveu o romance Asfalto Selvagem como folhetim publicado periodicamente em jornal. Uma tragédia em moldes herdados do romance dostoievskiano, que aqui ganha os matizes das tramas folhetinescas. Asfalto Selvagem transita entre o popular e o sofisticado. Temos o subtítulo Engraçadinha, seus amores e seus pecados, que até virou série na Globo nos anos 1990.

O romance folhetinesco Asfalto Selvagem possui uma estrutura dupla, dividido em dois livros diferentes, com uma primeira parte de uma linha narrativa principal, que se relaciona com a tragédia grega, e uma segunda parte, que tem a dimensão própria de um romance, aqui tendo uma divisão entre tramas paralelas que se enredam e, por fim, que forma uma crônica do cotidiano.

O Livro I, intitulado Dos doze aos dezoito, começa com a narrativa sobre Dr.Arnaldo, onde aparece seu enterro, e que se trata de um pai suicida. Há um boato sobre incesto entre o pai e Engraçadinha, e que resulta numa gravidez. Aqui temos uma confissão que acontece desta com seu irmão Fidélis.

O enredo tem um núcleo principal, que não é o incesto entre pai e filha, mas, entre irmã e irmão. O destino cego envolve o incesto, um tabu em que o crime é cometido na mutilação e revelação, o crime expiado do pai, e toda uma trama incestuosa se desenvolve. A hipocrisia tem parentesco com peças como Álbum de Família, também de autoria de Nelson Rodrigues. O Livro I termina, por fim, num aspecto trágico.

O Livro II, Depois dos Trinta, tem um caráter cômico, Dr. Odorico como uma encarnação do próprio poder Judiciário, e que está asfixiado em meio a uma luta por redenção. Na narração, Engraçadinha, Durval e Luís Cláudio têm o aspecto de um triângulo amoroso, em que se dá, mais uma vez, o incesto.

A cena clássica da compra da geladeira por Dr.Odorico, ao cortejar Engraçadinha, em meio aos filhos dela, Silene, Leleco e Janet, culminando no assassinato de Cadelão, temos uma tragicomédia que passa, ao fim, ao largo de Ésquilo e Dostoiévski. Leleco é um Raskólnikov folhetinesco, que mata Cadelão, e passa por dramas que alimentam o enredo típico de um folhetim.

Os clichês cômicos também são o combustível do romance folhetinesco Asfalto Selvagem. Nelson Rodrigues atua como o mestre do clichê e da frase feita, em que tais atributos se elevam a um gênero literário. Nelson Rodrigues maneja tais atributos se tornando, com isto, um mestre do melodrama e do folhetim. Os acontecimentos são alimentados por escândalos, elevando os tons de cores quentes do folhetim e do melodrama.

As reviravoltas são exageradas para gerar o efeito do ridículo, em que o folhetim tem um enredo que sempre depende de acontecimentos extravagantes, com atores sociais representando verdadeiros clichês. Temos um desfile de pessoas clichês com apelidos clichês.

A convenção social é dinamitada com o desvelamento da hipocrisia, uma prática usual das peças e romances de Nelson Rodrigues, e a fixidez dos papéis sociais, nestes folhetins e melodramas, vai pelos ares em ações cada vez mais intrincadas e extravagantes. Os clichês e máximas são repetidos para revelar ideias insólitas e absurdas. O ridículo dos paradoxos esgarça e rompe com a lógica. Mas, o medo do ridículo, na trama rodriguiana, é reservado exclusivamente aos imbecis.

Nelson Rodrigues, ele mesmo o paradoxo entre o reacionário transgressor e o anjo pornográfico, usa todos os clichês possíveis a seu favor. No seu teatro desagradável, Nelson Rodrigues usa a máscara de tarado, e se dedica às crônicas a partir da década de 1960, em que ganha o papel de polemista.

A provocação do leitor é a arte de Nelson Rodrigues, que tem este trânsito em que vira mestre do melodrama e do folhetim e das crônicas jornalísticas. Asfalto Selvagem foi publicado em 1959, e já é uma inflexão no trabalho de Nelson Rodrigues, que cria a síntese entre suas duas frentes que representavam o teatro do desagradável e a provocação do leitor.

As características naturalistas, românticas, reunindo o popular e o erudito, são o caráter literário principal da trama rodriguiana, e temos aqui a tensão que se dá entre o conservadorismo e a transgressão, o moral e o imoral, estes no mesmo ambiente de hipocrisia, e temos neste título Asfalto Selvagem a evocação de uma trama extrema, em que os limites são testados à exaustão.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/cultura/nelson-rodrigues-faz-seu-folhetim-definitivo-em-asfalto-selvagem

 

 

 

 


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

DARK WEB

“Este local da internet reúne todo tipo de crime e absurdos”

A Dark Web é apenas uma pequena parte do que se chama Deep Web, mas tem um poder de estrago imenso, pois, por meios em que o usuário permanece anônimo, este é um lugar em que as transações e transgressões estão fora do controle da internet de superfície. 

Como na Deep Web, esta Dark Web possui endereços de sites não indexados pelos mecanismos de busca. Temos nesta Dark Web uma coleção de domínios para sites que possuem sequências aleatórias e confusas, com strings de letras e números que não fazem sentido, e somente quem possui os domínios e credenciais completos são autorizados a entrar nestes sites. 

Para acessar a Dark Web é necessário, portanto, fazer uso de ferramentas poderosas de criptografia e de proteção de dados, pois você pode se tornar alvo de hackers por lá, e certamente os ataques serão constantes.

Este local da internet reúne todo tipo de crime e absurdos como tráfico de drogas, exploração infantil, contratos para assassinos de aluguel, sites com vídeos reais de pessoas sendo torturadas até a morte, tráfico de pessoas, tráfico de armas, sites de sexo com práticas perturbadoras e abjetas, etc.

Por exemplo, o site de venda de drogas que ficou bem conhecido na Dark Web foi o Silk Road, lançado em 2011, e que era um mercado bem operante na Darknet, utilizando a rede Tor, e que se tornou um dos maiores domínios para venda de drogas. 

Em 2013, contudo, o FBI fechou o Silk Road, e seu criador, Ross Ulbricht, foi condenado à prisão perpétua, sem direito a condicional. Depois da queda do Silk Road, surgiram outros domínios com variedades de itens como exploits para softwares, e ofertas mais especializadas, para dados roubados recentemente, e incluindo o famigerado tráfico de armas.

Também temos na Dark Web uma série de fóruns em que se discutem vários temas e que juntam grupos radicais, e que podem detonar atos criminosos. Aqui se opera na chamada dark internet que foi criada com o intuito de fornecer anonimato ao usuário, mantendo toda a comunicação privada, por meio de criptografia e roteamento de conteúdo através de diversos servidores.

A história da chamada Dark Web começou com o lançamento da Freenet, no ano 2000, que foi um projeto de tese de Ian Clarke, que era um estudante da Universidade de Edimburgo, na Escócia. Ian Clarke buscava um sistema distribuído de armazenamento e recuperação de informações descentralizadas, ou que pode ser traduzido por um meio de se comunicar e compartilhar informações ou trocar arquivos que mantivesse o usuário interagindo online de forma anônima.

No ano de 2002, a chamada Dark Web cresceu muito quando pesquisadores apoiados pelo Laboratório de Pesquisa Naval dos Estados Unidos lançaram a rede Tor. Ainda no início dos anos 2000 a internet era fácil de controlar e vigiar, qualquer usuário poderia ser rastreado com facilidade.

Esta facilidade de rastreamento do usuário mudou com o advento do Tor, rede que foi criada, inicialmente, para manter canais de comunicação seguros para dissidentes políticos que estivessem vivendo em países de regimes fechados e opressores, e também servia para agentes norte-americanos que estivessem ao redor do mundo.

Posteriormente, a rede Tor ganhou uma licença gratuita e uma organização sem fins lucrativos chamada de The Tor Project, o que foi feito em 2008, e que permitiu que pessoas leigas em programação ou informática pudessem navegar com facilidade na Dark Web.

A Dark Web opera de forma caótica e sem fronteiras. Contudo,  apesar da grande repercussão, é um lugar de dimensões ínfimas frente ao grande território de dados de toda a internet. 

Pesquisadores da Recorded Future fizeram uma estimativa de que o número de domínios na Dark Web se aproximava apenas de 55.000 domínios, todos na forma onion, na qual opera a rede Tor, com apenas 8.400 ou 15 % destes domínios ativos, o que, por fim, só contando estes domínios ativos, eles representam apenas 0,005% de toda a superfície da web.

Por sua vez, tais domínios na Dark Web são inconstantes, com domínios surgindo e desaparecendo o tempo todo. Por outro lado, existem ferramentas que podem ajudar na navegação na Dark Web. 

Por exemplo, o The Hidden Wiki, que é uma espécie de diretório da Dark Web, e que fornece links para domínios onion e breves descrições do que se pode encontrar em tais domínios. Contudo, dada a inconstância de tais domínios, muitos já podem estar quebrados ou levar a lugares que oferecem serviços e produtos ilegais. 

Dos mecanismos de busca que podem auxiliar na navegação da Dark Web, temos o DuckDuckGo, que existe na superfície da rede, mas, também possui uma versão onion para a Dark Web. Outros mecanismos de busca para a Dark Web, por sua vez, exigem pagamento para serem usados e ainda podem direcionar especificamente para sites relacionados a drogas. 

O chamado Onionland, outro mecanismo de busca para Dark Web, por sua vez, permite uma pesquisa por meio de palavras-chave, o que leva a uma lista de URLs, sem qualquer outra sinalização ou informação para auxiliar nesta pesquisa, lembrando do padrão caótico destes domínios, sem possuir qualquer identificação do que se tratam. 

Na Dark Web também se tem oferta por parte de hackers de serviços de aluguel, e que se pode acessar contas de e-mails, perfis de redes sociais e demais informações que podem ser usadas para roubo de identidade. 

Os chamados Scams são também numerosos na Dark Web, com serviços de pistoleiros de aluguel, e que podem, muitas vezes, receber o dinheiro da encomenda sem, contudo, efetuar o serviço, e a pessoa enganada não pode denunciar para a polícia o golpe, por óbvio.

O FBI, no combate a estes sites ilegais da Dark Web, por sua vez, pode até mesmo utilizar-se de agentes duplos, em que o próprio agente executa sites e introduz malwares para descobrir identidades reais de outros usuários na Dark Web. 

Estes truques de hackers, portanto, são usados por tais agentes duplos do FBI. Por sua vez, o acesso à Dark Web nos Estados Unidos é legalizado, mas, por outro lado, em alguns outros países, não. 

No rol de atividades que não envolvem crimes, e que se faz uso dos recursos da Dark Web temos, por exemplo, o Facebook, que criou domínios onions para pessoas que quisessem permanecer anônimas, e que podem ser pessoas que vivem em países em que o acesso normal ao Facebook é proibido. Sendo, então, fundamental o uso da Dark Web por parte de ativistas políticos que vivem em países com regime fechado, o que foi o intuito inicial da criação desta darknet.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/dark-web



 


domingo, 30 de janeiro de 2022

O ROMANCE ESCRITO

Na pauta do dia o diário

está cheio deste solavanco

em que se dá o noticiário.


"Pegaram o ladrão com

 a boca na botija, denunciaram

a madame, mulher de grã-fino,

estava toda prosa com

joias de dinheiro lavado

em offshore etc."


Quando se lia isto tudo

de um fôlego só,

o pobre escritor

dava de ombros

e terminava a

sua historieta

de folhetim,

uma trama violenta

tal qual um jornal

sensacionalista

e brutal.


"Sim, o herói da história

agora está rico, mas a

sua consciência carrega

todo o peso desta batalha

épica que deixou um

rastro de caos pelo caminho."

(final)


30/01/2022 Gustavo Bastos 

A RESSACA DOS PERDIDOS

Os bêbados da corte

estão felizes com o

novo arrazoado

de um tal serviçal,

o seu chefe astuto

brincou de deus

entre a noite

e a espada,


no bar, alto da noite,

funda madrugada,

este sabujo conta

as ordens deste

sicário das almas

penadas, deste seu

chefe do comando

supremo,


a besta baba como idiota

nas sombras mortiças

do ataque e da guerra,

a bebedice destes imundos

o apraz na sua vileza,

e sua fortuna é

a noite imensa

do estrelado campo

e do sereno das ruas,


este sicário mata os boêmios

na ressaca final da aurora.


30/01/2022 Gustavo Bastos 

AVANTE

Tome cuidado e o espanto

mostrará as cartas

do jogo, todo este

estro se refestela

e sorri.


Tome a frente na batalha.

O cão está na vigília 

e serve ao seu comandante.

O estro é forte

como a rocha

e segue avante.


30/01/2022 Gustavo Bastos 

PANDEMIA

Dobrando a esquina a sombra

dos esquecidos, a senhora senil

chamada morte observava

a romaria e o drama espectral

e sua baba amarela descia

de seu lábio bichado.


Dos corpos doentes da peste

ela babava como um troglodita

no cio, e o campo em que

se jogavam estes corpos,

ela lambia e jogava a

peste nos pulmões,

nas narinas, fechava

a respiração, e provocava

a febre e o caos.


30/01/2022 Gustavo Bastos 

O CASTELO

Gera em meu tear

a leveza mais prenhe

deste ar tecnicolor,

a bruma rimada

na estrela e na água.


Poeta, sempre feliz

e um canto doce,

para de seu peito forte

a planta se dá ao 

corte e o coração

busca a sua sorte,

o incógnito destino

da pena que labuta.


Poeta, seu vinho indolor

e a estrela e a água

e seu mar e seu páramo,

de sorte que o corte

pelas mãos furiosas

erguem outro castelo

e esfacelam o resto.


30/01/2022 Gustavo Bastos  

O DELÍRIO DA BARCA

A barca segue estrépito e ranger

de suas hostes benditas,

o maligno adormece

neste campo silente.


De outrora a aurora

despontava e a raiva

dos poetas se acalmava.


Brotos espoucavam,

a floração do canto imberbe

mordiscava o néctar

e o sentimento onírico.


Venha, as ruas intumescidas

deste ópio matinal

correm das artérias

às veias e a gota

deste orvalho azul

campeia o sol.


Dentre o poema e o mar,

estou nesta navegação

em que o sol me queima

e me bronzeia, como a 

garra de espuma de uma

onda de cristal brilhoso,

este mistério que quebra

e desmonta a empáfia.


Leve-me deste calabouço

alagadiço e das trombetas

trêmulas deste pastiche

e deambulação mortiça,

tenho estado em missas

e os meus castiçais

se acendem na noite

das garrafas e dos

cantos líricos,

como a boêmia madura

do poeta e seu delírio.


30/01/2022 Gustavo Bastos