“Se as portas da percepção se desvelassem, cada coisa
apareceria ao homem como é, infinita.”
APRESENTAÇÃO
O aprimoramento
endireita os caminhos, mas as sendas rudes e tortuosas são as do Gênio.
(William Blake)
William Blake nasceu em Londres, a 28 de novembro de 1757, e
seu pai, seguidor do visionário Swedenborg, não o educou de modo tradicional, e
o poeta, então, recebeu uma educação alternativa e mística, lendo figuras como Swendeborg,
Jacob Boheme, Paracelso e livros de ocultismo, e resolveu assim tornar-se um
pintor, mas os altos custos desta arte fizeram-no optar pela técnica da
gravura.
Passa, em seguida, a ler Spencer, os Elizabetanos, Locke,
Bacon e Winnckelmann. Frequenta o estúdio de Basire, onde inicia-se na arte da
gravura. E em 1787, desenvolve um método totalmente novo de prensagem que, além
de outras inovações, permitia utilizar todos os matizes de cor possíveis. Este
insólito processo, denominado “Impressão iluminada”, foi realizado inspirado
numa visão do espectro de seu falecido irmão Robert, que revelou-lhe então o
bizarro engenho.
Em 1800 desenvolve o poema “Milton”, depois continua a
escrever “Jerusalém” e modifica o título do poema “Vala” para “os Quatro Zoas”.
Em 1812, exibe seus trabalhos na Associação dos Aquarelistas e, entre graves
problemas financeiros, sobrevive graças às ilustrações que faz para o catálogo
das porcelanas Wedgwood.
O poema “Jerusalém”, finalizado em 1812, é muito bem recebido
nos meios culturais e, cercado pelos amigos e jovens artistas admiradores de
sua obra, passa seus últimos anos, morrendo em 1827, quando iniciava a
impressão de seu “Dante”.
O CASAMENTO DO CÉU E DO
INFERNO (1790)
Escrito em 1790, O casamento do céu e do inferno é uma das
obras centrais para a compreensão da obra do poeta. William Blake era vidente e
como Swedenborg, vislumbrava diretamente o mundo espiritual. Seu conhecimento
não advém de preceitos ou codificações religiosas, mas da observação direta. Em
O casamento do céu e do inferno, William Blake, com suas visões de iniciado
druida denuncia o engano das concepções religiosas correntes, que, em seu
redutor sistema binário, insistem em opor Céu e Inferno.
POEMAS:
O ARGUMENTO : William Blake é o poeta das visões,
o poeta místico por excelência, sua aura misteriosa ganha o espírito de um
visionário, que ele tal é em seus poemas, que vêm: “Rintrah ruge & vibra
suas flamas no ar carregado;/Nuvens vorazes pairam sobre as profundezas./Uma
vez submetido e na senda perigosa,/O homem justo manteve seu curso através/Do
vale da morte.”. E o poema segue: “Foi então plantada a senda perigosa,/Um rio
e um manancial/Sobre cada penhasco e tumba,”. A senda perigosa, que leva mesmo
até o homem justo, também é a senda do poema, que vai: “Até que o vil deixou o
suave caminho,/Para trilhar sendas perigosas e impeliu/O justo até as estéreis
paragens.” . O justo é impelido para tal zona estéril, e Blake evoca seu
mestre, Swedenborg: “Trinta e três anos após o surgimento do novo/céu, o Eterno
Inferno ressurge. Mas veja! Swedenborg/é o anjo sentado sobre a cripta: Seus
escritos são as/vestes de linho dobradas.”. E o poema ganha agora fundamentação
filosófica, na famosa alusão aos contrários, ao modo de Blake e suas
concepções, que aqui são bem fortes, e que culminam nas ideias precípuas de Bem
e Mal: “Sem Contrários não há evolução. Atração e/Repulsão, Razão e Energia,
Amor e Ódio são/necessários à existência Humana./Destes contrários nasce aquilo
que o religioso/denomina Bem & Mal. O Bem é o passivo que/obedece a Razão.
O Mal é o ativo que surge da Energia./Bem é Céu. Mal é Inferno.”. Tem uma visão
espiritual e teórica bem sofisticada contida neste poema.
A VOZ DO DEMÔNIO : O poema, em sentido bíblico, é como
uma heresia, vai de encontro ao dualismo, e é monista, a divisão usual de corpo
e alma é logo subvertida, o cânon aqui vira pó, e Blake não tem pena de tais
códigos sagrados fundados na tradição teológica, e o poema é este contraponto
que é produto da pena de um místico, que tem experiências diretas da
espiritualidade, sem meios ou subterfúgios, ele vê o infinito, como prova em
todos os seus poemas: “Todas as Bíblias ou códigos sagrados têm sido a/causa
dos seguintes erros:/1 . Que o Homem possui dois princípios reais de/Existência:
um Corpo & uma Alma./2 . Que a energia, denominada Mal, provém/unicamente
do Corpo; E a razão, denominada Bem,/deriva tão-somente da Alma./3 . Que Deus
atormentará o Homem pela/Eternidade por haver imantado suas Energias./Mas, por
outro lado, são verdadeiros os/seguintes Contrários:/1 . O Homem não tem um
Corpo distinto da/Alma, pois aquilo que denominamos Corpo não/passa de uma
parte de Alma discernida pelos cinco/sentidos, seus principais umbrais nestes
tempos./2 . Energia é a única força vital e emana do/Corpo. A Razão é a
fronteira ou o perímetro circunfeérico/da Energia./3 . Energia é Eterna
Delícia.”. O poema é de uma beleza e complexidade comoventes, eu fiquei
extasiado como tal poesia de Blake em geral é esclarecedora e interessante, e o
poema segue, agora em forma de uma pequena tese: “Aqueles que reprimem o desejo
podem fazê-lo/Quando este é fraco e passível de ser refreado; e quem/o reprime,
ou Razão, usurpa seu lugar & governa os/relutantes./Uma vez reprimido, ele
se torna cada vez mais/passivo até não ser mais que mera sombra do desejo./Esta
história se encontra escrita no Paraíso/Perdido & o Governador ou Razão
chama-se/Messias./E o Arcanjo Primeiro, mentor das hordas/Celestiais, se chama
Demônio ou Satã. Seus filhos/chamam-se Pecado & Morte./Mas no Livro de Jó,
o Messias de Milton é/denominado Satã.” E o poema agora se fundamenta na visão
miltoniana para erigir a sua teologia mística renovada e herética: “Na verdade,
a Razão acabou achando que o/Desejo fora expulso. Mas a versão do Diabo
pontifica/Que o Messias caiu e engendrou um Paraíso com o que/roubou do Abismo./Isto
é revelado no Evangelho, onde ele roga ao/Pai que envie o Consolador ou Desejo,
de forma com/Que a Razão tenha Ideias nas quais se fundamentar./O Jeová Bíblico
não é senão aquele que habita o fogo/flamejante./Sabeis que após sua morte,
Cristo tornou-se/Jeová. Mas em Milton, o Pai é o Destino, o Filho é o/Racionalismo
dos cinco sentidos & o Espírito Santo/é o Vazio!”. A trindade tradicional,
ao fim, com Milton, é erodida, a poesia é mais importante.
UMA VISÃO MEMORÁVEL : O poema se expande como as volúpias
do Gênio, eis: “Enquanto errante cruzava as flamas do Inferno,/deliciando-me
com as volúpias do Gênio, que aos/anjos transfiguram-se como Tormento e
Loucura,/recolhi alguns dos seus Provérbios,” (...) “indicariam decerto a
Sabedoria dos Vértices Abissais/melhor do que qualquer outra descrição de/Edificações
ou Vestes./Ao voltar ao lar, sobre o abismo dos cinco sentidos/onde um
precipício de escorregadias escarpas/franze seu cenho a este mundo atual,
vislumbrei um/poderoso Demônio em negras nuvens envolto/pairando sobre os
flancos dos penhascos, e com fogos/corroentes gravava a seguinte frase, agora
captada/pelas mentes dos homens, e por eles à Terra revelada:/“Como sabeis, que
cada Pássaro que irrompe a/ventania não abarca um imenso universo de delícias,/imerso
em vossos cinco sentidos.”. Aqui as limitações dos cinco sentidos são
denunciadas e subvertidas, e o Demônio dá a saber que o Pássaro só abarca as
delícias do infinito fora da prisão dos sentidos naturais, numa nova vida e com
liberdades infinitas e sobrenaturais.
SEM TÍTULO : O poema conta a história da
progressão dos deuses, que tais aparecem como guardiães de nações, como
espécies de Gênios, e que os poetas sopraram vida nas narinas de tais
entidades, e que tais deuses e gênios eram associados com a natureza, e que
tais poetas da Antiguidade poderiam fazer tais encantamentos pois viviam com os
sentidos dilatados, num estado sobrenatural e permanente de êxtase: “Os poetas da Antiguidade animaram todos os/objetos
sensíveis com Deuses ou Gênios,/nomeando-os e adornando-os com as propriedades
dos/bosques, lagos, cidades, nações e tudo o que seus/dilatados sentidos podiam
perceber./Particularmente, estudaram o Gênio de cada/Cidade & país,
colocando-o sob a égide de sua/deidade mental./Até que se formou um sistema, do
qual alguns se/aproveitaram e escravizaram o vulgo, interpretando/e abstraindo
as deidades mentais de seus respectivos/objetos. Então surgiu o Clero;/Elegendo
formas de culto dos mitos poéticos./E proclamando, por fim, que assim haviam/ordenado
os Deuses./Os homens então esqueceram que Todas as/deidades residem em seus
corações.”. E, por fim, quando estas entidades naturais surgidas do transe
poético de sentidos dilatados ao infinito são subjugados pelo espírito de
sistema, temos o Clero e a ordem da tradição sedimentada como cânon e não mais
a experiência espiritual direta que será tão fundamental quando nos debruçamos
sobre a poesia de William Blake e sua biografia.
UMA VISÃO MEMORÁVEL : Este poema de William Blake é
emblemático, e é uma trama bíblica em forma poética original, no que temos: “Os
profetas Isaías e Ezequiel jantavam comigo./Perguntei-lhes como se atreviam a
afirmar que Deus/falava com eles; e se não achavam que isto os tornava/incompreendidos
& passíveis de perseguição./Isaías respondeu: “Jamais pude ver ou ouvir
Deus/dentro de uma percepção orgânica e finita; Meus/sentidos descobriram o
infinito em cada coisa, e como/desde então estivesse convicto & recebesse o
sinal que/a voz da indignação sincera é a voz de Deus, alheio às/consequências
escrevi.”/Então perguntei: - “A firme convicção de que/uma coisa é, assim pode
torná-la?/Ele respondeu: - “Todos os poetas têm a certeza disto &/em épocas
de imaginação, esta fé inquebrantável moveu montanhas.”. Os poetas, assim como
os profetas, tinham as visões do infinito, os sentidos espirituais emancipados
da limitação carnal, e o poema segue: “Ezequiel retrucou: “A filosofia do
Oriente ensinou os princípios básicos da percepção humana. Algumas nações
adotaram um princípio para a origem. Outras criaram versões distintas para
explicá-la. Nós, de Israel, ensinamos que o Gênio Poético (como agora o
denominam) foi o princípio básico e os demais não passam de meras derivações.
Esta é a razão de nosso desprezo pelos Filósofos & Sacerdotes de outros
países. Profetizamos, e disto não resta dúvida, que todos os Deuses são
originários do nosso & tributários do Gênio Poético. Foi precisamente isto
que nosso grande poeta, o Rei Davi, desejava mais fervorosamente & evocou
de forma tão enternecedora, exprimindo que é assim que triunfa-se sobre os
inimigos e governa-se os reinos. Tanto amamos nosso Deus que em seu nome
desdenhamos todas as deidades das nações vizinhas, afirmando que elas haviam se
rebelado: Daí advém que o vulgo acabasse por acreditar que todas as nações
seriam submetidas pelos judeus.”. O Gênio Poético ganha em Israel autoridade
religiosa, e aqui o seu Deus é colocado como fonte e os outros deuses são
heréticos, a rebelião fica por conta desses deuses familiares, e o verdadeiro
Deus será este do poeta e Rei Davi e o dos profetas bíblicos, nenhum mais: “Perguntei
então a Ezequiel por que deglutira esterco & permanecera por tanto tempo
deitado de lado direito & esquerdo. Ele respondeu: _ Para elevar os homens
à percepção do infinito.” (...) “A antiga crença de que o mundo será consumido
pelo fogo ao cabo de seis mil anos é real, como revelaram-me nas profundezas do
Inferno./Pois foi ordenado ao Querubim com a espada de fogo que abandonasse a
guarda da Árvore da Vida e quando isso ocorrer, toda criação será consumida e
vislumbrar-se-á infinita e purificada, pois agora apresenta-se finita &
corrompida.”. O advento trará de volta então a percepção espiritual original que
é infinita, o desvelamento do universo tem este sentido para a percepção humana
que quer de volta as suas faculdades sobrenaturais ou de ter a visão das coisas
na sua essência tal qual é, infinita, no que temos um dos versos mais
emblemáticos de William Blake, em meio de poções que fazem a potência da
percepção normal se expandir, tais que são os venenos e corrosivos, e que Blake
chama logo de métodos infernais, no que o poema segue: “Mas antes de tudo, a
noção de que o homem tem um corpo distinto de sua alma será abolida. Isto
conseguirei através do método infernal, cujos ácidos corrosivos, que no Inferno
são saudáveis & terapêuticos, ao dissolver as superfícies visíveis, revelam
o Infinito antes oculto./Se as portas da percepção se desvelassem, cada coisa
apareceria ao homem como é, infinita./Pois o homem se enclausurou a tal ponto
que apenas consegue enxergar através das estreitas frestas de sua gruta.”.
Através destas poções potentes o mundo se rasga e se desvela em sua origem
infinita, e o método de Blake, como o próprio nos diz, é como uma terapia que
dissolve as fronteiras usuais e revela o infinito que estava até então oculto,
e que a poesia também nos revela.
POEMAS:
O ARGUMENTO
Rintrah ruge & vibra suas flamas no ar carregado;
Nuvens vorazes pairam sobre as profundezas.
Uma vez submetido e na senda perigosa,
O homem justo manteve seu curso através
Do vale da morte.
Há rosas onde crescem espinhos,
E na charneca estéril
Cantam as abelhas.
Foi então plantada a senda perigosa,
Um rio e um manancial
Sobre cada penhasco e tumba,
E sobre os ossos branqueados
A argila rubra emergiu;
Até que o vil deixou o suave caminho,
Para trilhar sendas perigosas e impeliu
O justo até as estéreis paragens.
Agora, a furtiva serpente desliza
Na dócil humildade
E o justo enfurece nos desertos
Onde vagam os leões.
Rintrah ruge & vibra suas flamas no ar carregado;
Nuvens vorazes pairam sobre as profundezas.
Trinta e três anos após o surgimento do novo
céu, o Eterno Inferno ressurge. Mas veja! Swedenborg
é o anjo sentado sobre a cripta: Seus escritos são as
vestes de linho dobradas. É chegado o domínio de
Edom & o retorno de Adão ao Paraíso. Ver Isaías
capítulos XXXIV e XXXV.
Sem Contrários não há evolução. Atração e
Repulsão, Razão e Energia, Amor e Ódio são
necessários à existência Humana.
Destes contrários nasce aquilo que o religioso
denomina Bem & Mal. O Bem é o passivo que
obedece a Razão. O Mal é o ativo que surge da Energia.
Bem é Céu. Mal é Inferno.
A VOZ DO DEMÔNIO
Todas as Bíblias ou códigos sagrados têm sido a
causa dos seguintes erros:
1 . Que o Homem possui dois princípios reais de
Existência: um Corpo & uma Alma.
2 . Que a energia, denominada Mal, provém
unicamente do Corpo; E a razão, denominada Bem,
deriva tão-somente da Alma.
3 . Que Deus atormentará o Homem pela
Eternidade por haver imantado suas Energias.
Mas, por outro lado, são verdadeiros os
seguintes Contrários:
1 . O Homem não tem um Corpo distinto da
Alma, pois aquilo que denominamos Corpo não
passa de uma parte de Alma discernida pelos cinco
sentidos, seus principais umbrais nestes tempos.
2 . Energia é a única força vital e emana do
Corpo. A Razão é a fronteira ou o perímetro circunfeérico
da Energia.
3 . Energia é Eterna Delícia.
*
Aqueles que reprimem o desejo podem fazê-lo
Quando este é fraco e passível de ser refreado; e quem
o reprime, ou Razão, usurpa seu lugar & governa os
relutantes.
Uma vez reprimido, ele se torna cada vez mais
passivo até não ser mais que mera sombra do desejo.
Esta história se encontra escrita no Paraíso
Perdido & o Governador ou Razão chama-se Messias.
E o Arcanjo Primeiro, mentor das hordas
Celestiais, se chama Demônio ou Satã. Seus filhos
chamam-se Pecado & Morte.
Mas no Livro de Jó, o Messias de Milton é
denominado Satã.
Pois esta história tem sido adotada por ambos
os lados.
Na verdade, a Razão acabou achando que o
Desejo fora expulso. Mas a versão do Diabo pontifica
Que o Messias caiu e engendrou um Paraíso com o que
roubou do Abismo.
Isto é revelado no Evangelho, onde ele roga ao
Pai que envie o Consolador ou Desejo, de forma com
Que a Razão tenha Ideias nas quais se fundamentar.
O Jeová Bíblico não é senão aquele que habita o fogo
flamejante.
Sabeis que após sua morte, Cristo tornou-se
Jeová. Mas em Milton, o Pai é o Destino, o Filho é o
Racionalismo dos cinco sentidos & o Espírito Santo
é o Vazio!
UMA VISÃO MEMORÁVEL
Enquanto errante cruzava as flamas do Inferno,
deliciando-me com as volúpias do Gênio, que aos
anjos transfiguram-se como Tormento e Loucura,
recolhi alguns dos seus Provérbios, considerando que,
assim como as máximas de um povo exprimem o seu
verdadeiro caráter, então os Provérbios do Inferno
indicariam decerto a Sabedoria dos Vértices Abissais
melhor do que qualquer outra descrição de
Edificações ou Vestes.
Ao voltar ao lar, sobre o abismo dos cinco sentidos
onde um precipício de escorregadias escarpas
franze seu cenho a este mundo atual, vislumbrei um
poderoso Demônio em negras nuvens envolto
pairando sobre os flancos dos penhascos, e com fogos
corroentes gravava a seguinte frase, agora captada
pelas mentes dos homens, e por eles à Terra revelada:
“Como sabeis, que cada Pássaro que irrompe a
ventania não abarca um imenso universo de delícias,
imerso em vossos cinco sentidos.”
SEM TÍTULO
Os poetas da Antiguidade animaram todos os
objetos sensíveis com Deuses ou Gênios,
nomeando-os e adornando-os com as propriedades dos
bosques, lagos, cidades, nações e tudo o que seus
dilatados sentidos podiam perceber.
Particularmente, estudaram o Gênio de cada
Cidade & país, colocando-o sob a égide de sua
deidade mental.
Até que se formou um sistema, do qual alguns se
aproveitaram e escravizaram o vulgo, interpretando
e abstraindo as deidades mentais de seus respectivos
objetos. Então surgiu o Clero;
Elegendo formas de culto dos mitos poéticos.
E proclamando, por fim, que assim haviam
ordenado os Deuses.
Os homens então esqueceram que Todas as
deidades residem em seus corações.
UMA VISÃO MEMORÁVEL
Os profetas Isaías e Ezequiel jantavam comigo.
Perguntei-lhes como se atreviam a afirmar que Deus
falava com eles; e se não achavam que isto os tornava
incompreendidos & passíveis de perseguição.
Isaías respondeu: “Jamais pude ver ou ouvir Deus
dentro de uma percepção orgânica e finita; Meus
sentidos descobriram o infinito em cada coisa, e como
desde então estivesse convicto & recebesse o sinal que
a voz da indignação sincera é a voz de Deus, alheio às
consequências escrevi.”
Então perguntei: - “A firme convicção de que
uma coisa é, assim pode torná-la?
Ele respondeu: - “Todos os poetas têm a certeza disto &
em épocas de imaginação, esta fé inquebrantável moveu montanhas. No entanto,
poucos conseguem ter essa firme convicção de qualquer coisa.”
Ezequiel retrucou: “A filosofia do Oriente ensinou os
princípios básicos da percepção humana. Algumas nações adotaram um princípio
para a origem. Outras criaram versões distintas para explicá-la. Nós, de
Israel, ensinamos que o Gênio Poético (como agora o denominam) foi o princípio
básico e os demais não passam de meras derivações. Esta é a razão de nosso
desprezo pelos Filósofos & Sacerdotes de outros países. Profetizamos, e
disto não resta dúvida, que todos os Deuses são originários do nosso &
tributários do Gênio Poético. Foi precisamente isto que nosso grande poeta, o
Rei Davi, desejava mais fervorosamente & evocou de forma tão enternecedora,
exprimindo que é assim que triunfa-se sobre os inimigos e governa-se os reinos.
Tanto amamos nosso Deus que em seu nome desdenhamos todas as deidades das
nações vizinhas, afirmando que elas haviam se rebelado: Daí advém que o vulgo
acabasse por acreditar que todas as nações seriam submetidas pelos judeus.”
“Isto”, disse ele, “como todas as firmes convicções, está
prestes a se realizar já que todas as nações acreditam no código judaico e veneram
o Deus dos judeus. Que maior sujeição poderia haver?
Ouvi assombrado & não pude deixar de confessar minha
própria convicção. Terminando o jantar, pedi a Isaías que regalasse o mundo
revelando suas obras perdidas. Ele respondeu que nenhuma obra de valor se
perdera. Das suas obras, Ezequiel afirmou o mesmo.
Também perguntei a Isaías o que levara-lhe a vagar desnudo
por três anos. Ele respondeu: _ “O mesmo que impeliu nosso amigo Diógenes o
Grego.”
Perguntei então a Ezequiel por que deglutira esterco &
permanecera por tanto tempo deitado de lado direito & esquerdo. Ele
respondeu: _ Para elevar os homens à percepção do infinito. As tribos
norte-americanas também utilizam esta prática & poder-se-ia dizer honesto
aquele que, resistindo a seu gênio ou consciência, os troca pelo bem-estar e a
satisfação imediata?
A antiga crença de que o mundo será consumido pelo fogo ao
cabo de seis mil anos é real, como revelaram-me nas profundezas do Inferno.
Pois foi ordenado ao Querubim com a espada de fogo que
abandonasse a guarda da Árvore da Vida e quando isso ocorrer, toda criação será
consumida e vislumbrar-se-á infinita e purificada, pois agora apresenta-se
finita & corrompida.
E isto ocorrerá mediante a sofisticação do prazer sensual.
Mas antes de tudo, a noção de que o homem tem um corpo
distinto de sua alma será abolida. Isto conseguirei através do método infernal,
cujos ácidos corrosivos, que no Inferno são saudáveis & terapêuticos, ao
dissolver as superfícies visíveis, revelam o Infinito antes oculto.
Se as portas da percepção se desvelassem, cada coisa
apareceria ao homem como é, infinita.
Pois o homem se enclausurou a tal ponto que apenas consegue
enxergar através das estreitas frestas de sua gruta.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/34645/17/william-blake-o-casamento-do-ceu-e-do-inferno-1790