PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

segunda-feira, 15 de maio de 2017

EMILY DICKINSON – POEMAS ESCOLHIDOS – PARTE I

“a maior poetisa dos Estados Unidos”

A ESCRITORA EMILY DICKINSON

Emily Dickinson é uma das maiores escritoras do século XIX, uma das raras mulheres a praticar literatura com propriedade ainda naquele século, o qual só tinha como tradições literárias femininas ainda somente a literatura inglesa ou francesa, e Emily era norte-americana. Aqui fica o registro que a literatura feita por mulheres terá mais vulto na entrada do século XX, e não ainda no século XIX em que viveu Emily Dickinson.
Emily Dickinson, um verdadeiro fenômeno literário póstumo, teve uma biografia monótona e sem grandes acontecimentos, vivendo reclusa em uma afastada comunidade no interior da Nova Inglaterra, o que era um contraste com a sua vasta produção em poesia, e com um brilho intenso de originalidade e profundidade.

ATIVIDADE LITERÁRIA DE EMILY DICKINSON

Emily Dickinson foi contemporânea de Walt Whitman e da Guerra Civil norte-americana, e publicou em vida apenas menos de uma dezena de poemas sem assinatura, e que ainda sofreram modificações e edições à revelia da autora. Em vida a escritora só era conhecida na sua atividade literária por um pequeno círculo de amigos íntimos, como se sua atividade literária tivesse sido algo bem secreto, mas que na posteridade revelou uma das maiores poetisas de todos os tempos, sendo considerada a maior poetisa dos Estados Unidos e uma das maiores de língua inglesa.
A poesia de Emily Dickinson é marcada por uma independência formal em relação às regras poéticas de sua época, com liberdade sintática e pontuações originais, o que provocava ojeriza em alguns dos editores que se propuseram a publicar sua obra, tendo como resultado publicações mutiladas em relação aos originais deixados pela escritora.
O conteúdo da poesia de Emily Dickinson, por sua vez, revelam um romantismo, o tema da morte como recorrente, e também problemas mais gerais e universais da humanidade, contendo também poemas sobre a natureza.

A POSTERIDADE

Uma das razões de Emily Dickinson não publicar sua poesia era um reflexo da estranheza do contexto no qual a escritora estava inserida, num ato de rejeição da sociedade de sua época. Era uma ruptura que também representou o efeito de sua reclusão, de seu isolamento, contra a mentalidade estreita da burguesia norte-americana de sua época. Emily Dickinson, por fim, encarregou a sua irmã de queimar todos os seus textos após sua morte, no que a irmã rejeitou o pedido, e a importante produção de Emily Dickinson sobreviveu tanto ao seu isolamento quanto aos seus impulsos destrutivos, e sua irmã atuou para salvar a obra toda do fogo, e nos demos bem, e a literatura sobretudo.

ASPECTOS BIOGRÁFICOS

Emily Dickinson nasceu em dezembro de 1830, no vilarejo de Amherst, em Massachusetts, na região da Nova Inglaterra, região Nordeste da costa norte-americana, e era a mais velha dos três filhos do advogado Edward Dickinson, este que trabalhou por cerca de 40 anos como tesoureiro do tradicional Amherst College, além de ter sido um destacado político local, tendo sido deputado estadual.
Amherst, localizada na região do vale do Rio Connecticut, era na época em que viveu Emily Dickinson uma vila isolada, local em que a poetisa morou por quase toda a sua vida, em reclusão. Por sua vez, o pai de Emily colocou seus três filhos para ter uma educação excepcional para os padrões norte-americanos de então, incluindo estudos que iam da literatura e filosofia clássicas, latim, como também botânica, geologia, história e aritmética, possibilitando a Emily uma sólida base intelectual, na qual ela foi capaz de criar na sua atividade literária uma obra com profundidade e extensão crítica.

POEMAS:

(obs: a escritora não colocava títulos em seus poemas, no que aqui uso a convenção de apenas numerá-los)

POEMA I : O poema é um dos de Emily sobre a natureza que a cerca, com base prosaica ela capta o extraordinário, no que temos: “Bem pouco a fazer tem o pasto:/Reino de irrestrito verde,/Só tem borboletas para criar,”. Os sentidos entram aqui no jogo: “E ondular o dia inteiro aos sons/Que a brisa consigo arrasta;”. E o clima ganha aromas, os nardos entram no ambiente aqui pacato e pacífico: “E acabar-se, ao fenecer,/Por entre aromas divinais/De especiarias dormidas/Ou de agonizantes nardos –“ (...). E volta o pasto, onde finda o poema num grande abraço preguiçoso, com o sonho escoando o tempo: “E, pelo sonho, levar a escoar-se o tempo;/Bem pouco a fazer tem o pasto,”.

POEMA II : Um dos poemas clássicos de Emily Dickinson, a messe se faz presença, o trigo e sua estação faz o poema nutrir-se, os versos surgem: “Há certo mês de junho em que se corta o trigo/E as rosas na semente –/É um verão mais breve que o primeiro,/Porém mais suave, certamente,”. O verão dos justos dá ao poema abertura, mas a geada também vem, e o poema contrasta para findar: “Há duas estações, dizem –/O verão dos justos/E este nosso, diferenciado,/De esperanças feito, e de geadas.”.

POEMA III : Este poema brevíssimo é de uma beleza estonteante, a púrpura vai ao poente de um sol que convida ao verso, âmbar e berilo dançam nestes sons, o poema é uma pintura natural, e Emily Dickinson é uma observadora privilegiada em seu refúgio pacato em que ela cria tais pérolas como este poema: “Púrpura –/A cor das rainhas é esta –/A cor de um sol, no poente;/Ainda, além dessa, o âmbar;/E o berilo – se o dia vai a meio./Mas quando à noite amplidões de aurora/Atingem de súbito os homens –/Essa cor, e o feitiço. A Natureza, porém,/Reserva ainda um lugar para os cristais de iodo.”.

POEMA IV : O poema vai do outono em poesia para uma visão prosaica de que também se faz a poesia, no que temos: “Além do outono, os poetas cantam/Uns poucos dias prosaicos,”. A rarefação das coisas do poema o tornam esguio e quieto, o rumor do regato também aqui silencia, sossega, no que temos: “Poucas manhãs incisivas –/Noites ascéticas, poucas” (...) “Aquietou-se o rumor no regato,”. E os dedos tateiam hipnóticos, com visões mitológicas, e o poema clama por uma mente forte e solar, na qual todo o tormento divino seja objeto de uma poesia que resiste firme em seu lugar de expressão: “Dedos mesméricos tocam suaves/Os olhos de muitos elfos.” (...) “Dá-me, Senhor, uma ensolarada mente/Para suportar Teu desejo tormentoso!”.

POEMA V : Outro poema breve de Emily Dickinson, que vai dos diamantes e percorre seu pequeno trecho de diademas, e o cultivo para venda, em que o poema se abre em dia estival, numa obra que já teve mecenas, numa poesia que foi rainha e depois borboleta: “Quando os diamantes são mito/E os diademas, uma lenda,/Broches e brincos semeio/E cultivo para venda./E embora meu parco renome,/Minha obra – um dia estival – já teve mecenas:/Primeiro, foi uma rainha;/Depois, uma borboleta.”.

POEMA VI : O poema de Emily Dickinson aqui ganha o retrato do que é uma mente poética, tabernáculo de pássaros, uma entidade incorpórea, de lares etéreos, no que temos um poema que finda com clarins para visões de reinos insondáveis, numa intuição solar e livre de amarras: “Não me fales de árvores estivais/A folhagem da mente/É tabernáculo de pássaros/De espécie incorpórea/E ventos à tarde nesse rumo sopram/Em busca de seus lares etéreos/Onde clarins convocam o mais humilde ser/Para indescritíveis reinos.”.

POEMAS:

POEMA I

Bem pouco a fazer tem o pasto:
Reino de irrestrito verde,
Só tem borboletas para criar,
E abelhas para entreter –

E ondular o dia inteiro aos sons
Que a brisa consigo arrasta;
Cumprimentar a todas as coisas
E embalar, ao colo, a luz solar –

Fazer com rocio, à noite, colares de pérola,
Compostos com tal requinte,
Que uma fidalga não saberia
Perceber a diferença –

E acabar-se, ao fenecer,
Por entre aromas divinais
De especiarias dormidas
Ou de agonizantes nardos –

Quedar-se, por fim, em nobres celeiros
E, pelo sonho, levar a escoar-se o tempo;
Bem pouco a fazer tem o pasto,
Feno eu quisera ser –

POEMA II

Há certo mês de junho em que se corta o trigo
E as rosas na semente –
É um verão mais breve que o primeiro,
Porém mais suave, certamente,

Como se um rosto, dado por sepulto,
Na erma tarde emergisse
E em refulgências envolto
Nos afetasse e partisse.

Há duas estações, dizem –
O verão dos justos
E este nosso, diferenciado,
De esperanças feito, e de geadas.

Não podíamos o nosso ao primeiro
De tal modo justapor
Que um deles relembrássemos
Tão-só para escolher o outro?

POEMA III

Púrpura –
A cor das rainhas é esta –
A cor de um sol, no poente;
Ainda, além dessa, o âmbar;
E o berilo – se o dia vai a meio.

Mas quando à noite amplidões de aurora
Atingem de súbito os homens –
Essa cor, e o feitiço. A Natureza, porém,
Reserva ainda um lugar para os cristais de iodo.

POEMA IV

Além do outono, os poetas cantam
Uns poucos dias prosaicos,
Um tanto este lado da neve
E, da neblina, o outro lado –

Poucas manhãs incisivas –
Noites ascéticas, poucas –
Terminaram-se as dálias de Mr.Bryant –
E as medas de Mr.Thomson.

Aquietou-se o rumor no regato,
Fechadas estão as vagens-de-cheiro;
Dedos mesméricos tocam suaves
Os olhos de muitos elfos.

Talvez permaneça um esquilo,
Com quem partilhe minhas aflições –
Dá-me, Senhor, uma ensolarada mente
Para suportar Teu desejo tormentoso!

POEMA V

Quando os diamantes são mito
E os diademas, uma lenda,
Broches e brincos semeio
E cultivo para venda.

E embora meu parco renome,
Minha obra – um dia estival – já teve mecenas:
Primeiro, foi uma rainha;
Depois, uma borboleta.

POEMA VI

Não me fales de árvores estivais
A folhagem da mente
É tabernáculo de pássaros
De espécie incorpórea
E ventos à tarde nesse rumo sopram
Em busca de seus lares etéreos
Onde clarins convocam o mais humilde ser
Para indescritíveis reinos.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/34070/17/emily-dickinson-a-maior-poetisa-dos-estados-unidos-1



domingo, 14 de maio de 2017

POR QUE LER OS CLÁSSICOS – ÍTALO CALVINO – PARTE III

“o livro da Natureza é escrito em linguagem matemática”

O LIVRO DA NATUREZA EM GALILEU

Galileu tem como a metáfora mais famosa de sua obra a de que o livro da Natureza é escrito em linguagem matemática, e é usando tal metáfora, que é o próprio método da nova filosofia, que é aqui realizada nada mais do que a inauguração da ciência moderna. Nas palavras de Galileu, temos: “A filosofia está escrita nesse imenso livro que continuamente se acha aberto diante de nossos olhos (falo do universo), mas não se pode entender se antes não se aprende a compreender a língua, e conhecer os caracteres nos quais está escrito. Ele vem escrito em linguagem matemática e os caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem as quais é impossível para os homens entender suas palavras; sem eles é rodar em vão por um labirinto escuro.” (Saggiatore, 6).
Tal forma de ver o livro da Natureza tem antecedentes em filósofos da Idade Média, e também envolve figuras como Nicolas de Cues, Montaigne, e também era usada por contemporâneos de Galileu como Francis Bacon e Tommaso Campanella. Já na Istoria e dimostrazioni intorno alle macchie solari (1613), ou seja, dez anos antes do Saggiatore, Galileu opunha a leitura direta (livro do mundo) à indireta (livros de Aristóteles). E a inovação de Galileu foi a de que ele tinha atenção à metáfora livro-mundo como um alfabeto especial, ou seja, Galileu tinha sua observação voltada à natureza no sentido de determinar os caracteres nos quais esta está escrita. 
Para Galileu, portanto, a matemática e sobretudo a geometria são este alfabeto que decifram os elementos naturais e do universo, e Galileu então não fala ainda das elipses de Kepler, mas sim, fazendo a sua análise combinatória, parte das formas mais simples. E aqui temos o combate de Galileu contra o cânone do modelo ptolomaico, mas ainda numa ideia clássica de proporção e perfeição, numa relação do alfabeto novo da ciência moderna ao estudar o livro da natureza com uma ideia de nobreza das formas, como melhores que as formas naturais empíricas, acidentadas etc.
Segundo Calvino: “É sobretudo a propósito das irregularidades da Lua que a questão é discutida: Enquanto partidário da geometria, Galileu deveria apoiar a causa da superioridade das formas geométricas, mas enquanto observador da natureza ele recusa a ideia de uma perfeição abstrata e opõe a imagem da Lua “montanhosa, áspera e desigual”, à pureza dos céus da cosmologia aristotélico-ptolomaica.”
A verdadeira oposição se situa, entretanto, entre imobilidade e mobilidade, e é contra uma imagem de imobilidade da natureza que Galileu luta para derrubá-la. E é no alfabeto geométrico ou no modelo matemático da natureza que Galileu demonstrará, decompondo seus elementos até aos mínimos possíveis, a prova e a representação de todas as formas do movimento e da mudança, derrubando o modelo dividido da física aristotélica, de uma oposição entre céus imutáveis e elementos terrestres, dos mundos supralunar e sublunar.
Seguindo tal ruptura, temos o texto de Calvino, que cita o diálogo de Galileu, por fim: “A dimensão filosófica desta operação está bem ilustrada por esta fala do Dialogo entre o ptolomaico Simplicio e Salvati, porta-voz do autor, em que retorna o tema da “nobreza”: “Simp.: Este modo de filosofar tende à subversão de toda a filosofia natural e a desordenar e arruinar o céu, a Terra e todo o universo. Mas acredito que os fundamentos dos peripatéticos sejam tais que não há perigo de que com a ruína eles possam construir novas ciências. Salv.: Não se preocupe com o céu nem com a Terra, nem tema sua subversão, como tampouco da filosofia; porque, quanto ao céu, é vão que temam aquilo que vocês mesmos consideram inalterável e impassível; quanto à Terra, tratamos de nobilitá-la e aperfeiçoá-la, enquanto procuramos fazê-la semelhante aos corpos celestes e de certo modo colocá-la quase no céu, de onde os seus filósofos a expulsaram.”

CYRANO NA LUA

Na época em que Galileu entrava em conflito contra o Santo Ofício, havia um de seus partidários parisienses que se levantava para propor um novo e sugestivo modelo de sistema heliocêntrico: o universo é feito como uma cebola, e seu centro contém um pequeno Sol “deste pequeno mundo, que aquece e nutre o sal vegetativo de toda a massa”.
E aqui podemos passar aos infinitos mundos de Giordano Bruno; e se vê que todos esses corpos celestes “que se veem ou não se veem, suspensos no azul do universo, não passam da espuma dos sóis que se depuram. Como poderiam subsistir esses grandes fogos, se não fossem alimentados por alguma matéria que os nutre?”. E aqui temos a descrição na qual podemos já fazer um paralelo com a explicação atual da condensação dos planetas da nebulosa primordial e das massas estelares que se contraem e se expandem.
E tal imaginoso cosmógrafo é Savinien de Cyrano (1619-55), mais conhecido como Cyrano de Bergerac, como um verdadeiro precursor da ficção científica, numa cosmografia em que a personagem mistura os conhecimentos científicos surgidos na época com elementos das tradições mágicas renascentistas, e que nele revelam uma imaginação poética de um sentimento cósmico que vai evocar em suas elucubrações o atomismo lucreciano, numa ideia de unidade de todas as coisas, e que aqui reúne os quatro elementos de Empédocles como uma única realidade de átomos que estão ou rarefeitos numa hora ou densos num outro momento, numa espécie de ciência epicuriana. 
A inventividade de Cyrano é exemplificada nos sistemas para ir à Lua, e Calvino nos diz: “o patriarca Enoch amarra sob as axilas dois vasos cheios de fumaça de um sacrifício que deve subir ao céu; o profeta Elias realizou a mesma viagem instalando-se numa pequena embarcação de ferro e lançando para o ar uma bola imantada; quanto a ele, Cyrano, tendo untado com unguento à base de miolo de boi as amassaduras resultantes das tentativas precedentes, sentiu-se erguido na direção do satélite, porque a Lua costuma sugar o miolo dos animais.”
E neste contexto de Cyrano a Lua abrigava o Paraíso, com a personagem principal Cyrano caindo exatamente sobre a Árvore da Vida, e a serpente aqui, depois do pecado original, sendo agora o intestino humano, e que é a explicação dada pelo profeta Elias a Cyrano, e que também nos narra o fato da serpente ser também “aquela que sai do ventre do homem e se lança para a mulher a fim de espirrar seu veneno nela, provocando um inchaço que dura nove meses.” Mas Elias fica bravo com as brincadeiras de Cyrano e o expulsa do Éden, o que aqui é mais um reflexo desta obra ambígua por seu caráter jocoso em que verdade e mentira se tornam relativas ou impossíveis de serem distinguidas.
Cyrano, depois de ser expulso do Éden, vai visitar as cidades da Lua, tendo como guia o “demônio de Sócrates”, e que, segundo Calvino, demônio do qual “Plutarco falou num pequeno livro seu.” E ainda seguindo Calvino, temos que: “Qualidade intelectual e qualidade poética convergem em Cyrano e fazem dele um escritor extraordinário, no Seiscentos francês e em termos absolutos. Intelectualmente é um “libertino”, um polemista envolvido na confusão que está mandando para os ares a velha concepção do mundo: é partidário do sensualismo de Gassendi e da astronomia de Copérnico, mas é nutrido sobretudo pela “filosofia natural” do Quinhentos italiano: Cardano, Bruno, Campanella.”
Aqui Cyrano se revela como um escritor barroco, sinuoso, virtuose, lugar no qual não é mais o da correção das ideias que são colocadas à frente, mas sim de um divertimento e liberdades em que a troça revela a riqueza das ideias diversas sem uma unidade conceitual ou de realidade, tudo num jogo em que a personagem conhece bem seus elementos e por isso mesmo pode brincar com tudo, tendo propriedade intelectual sobre seus objetos.
E ainda segundo Calvino: “Poderíamos dizer que a viagem à Lua de Cyrano antecipa em algumas situações as viagens de Gulliver: na Lua como em Brobdignag o visitante se encontra no meio de seres humanos muito maiores que ele e que o exibem como um animalzinho. Assim como a sequência de desventuras e de encontros com personagens de sabedoria paradoxal antecipa as peripécias do Candide voltairiano.”
Contudo, o sucesso literário de Cyrano ocorreu mais tardiamente, com o livro sendo póstumo, e também mutilado pela censura, vindo a lume em seu conteúdo original já no século XX. No entanto, temos uma redescoberta de Cyrano na era romântica, como nos diz Calvino: “Charles Nodier primeiro e depois sobretudo Théophile Gautier haviam, baseando-se numa tradição anedótica dispersa, desenhado a personagem do poeta-espadachim e zombeteiro que depois o habilíssimo Rostand transformou no herói do bem-sucedido drama em versos.”  

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :  http://seculodiario.com.br/34072/17/italo-calvino-por-que-ler-os-classicosij