“a maior poetisa dos Estados Unidos”
A ESCRITORA EMILY
DICKINSON
Emily Dickinson é uma das maiores escritoras do século XIX,
uma das raras mulheres a praticar literatura com propriedade ainda naquele
século, o qual só tinha como tradições literárias femininas ainda somente a
literatura inglesa ou francesa, e Emily era norte-americana. Aqui fica o
registro que a literatura feita por mulheres terá mais vulto na entrada do
século XX, e não ainda no século XIX em que viveu Emily Dickinson.
Emily Dickinson, um verdadeiro fenômeno literário póstumo,
teve uma biografia monótona e sem grandes acontecimentos, vivendo reclusa em
uma afastada comunidade no interior da Nova Inglaterra, o que era um contraste
com a sua vasta produção em poesia, e com um brilho intenso de originalidade e
profundidade.
ATIVIDADE LITERÁRIA DE
EMILY DICKINSON
Emily Dickinson foi contemporânea de Walt Whitman e da Guerra
Civil norte-americana, e publicou em vida apenas menos de uma dezena de poemas
sem assinatura, e que ainda sofreram modificações e edições à revelia da
autora. Em vida a escritora só era conhecida na sua atividade literária por um
pequeno círculo de amigos íntimos, como se sua atividade literária tivesse sido
algo bem secreto, mas que na posteridade revelou uma das maiores poetisas de
todos os tempos, sendo considerada a maior poetisa dos Estados Unidos e uma das
maiores de língua inglesa.
A poesia de Emily Dickinson é marcada por uma independência
formal em relação às regras poéticas de sua época, com liberdade sintática e
pontuações originais, o que provocava ojeriza em alguns dos editores que se
propuseram a publicar sua obra, tendo como resultado publicações mutiladas em
relação aos originais deixados pela escritora.
O conteúdo da poesia de Emily Dickinson, por sua vez, revelam
um romantismo, o tema da morte como recorrente, e também problemas mais gerais
e universais da humanidade, contendo também poemas sobre a natureza.
A POSTERIDADE
Uma das razões de Emily Dickinson não publicar sua poesia era
um reflexo da estranheza do contexto no qual a escritora estava inserida, num ato
de rejeição da sociedade de sua época. Era uma ruptura que também representou o
efeito de sua reclusão, de seu isolamento, contra a mentalidade estreita da
burguesia norte-americana de sua época. Emily Dickinson, por fim, encarregou a
sua irmã de queimar todos os seus textos após sua morte, no que a irmã rejeitou
o pedido, e a importante produção de Emily Dickinson sobreviveu tanto ao seu
isolamento quanto aos seus impulsos destrutivos, e sua irmã atuou para salvar a
obra toda do fogo, e nos demos bem, e a literatura sobretudo.
ASPECTOS BIOGRÁFICOS
Emily Dickinson nasceu em dezembro de 1830, no vilarejo de
Amherst, em Massachusetts, na região da Nova Inglaterra, região Nordeste da
costa norte-americana, e era a mais velha dos três filhos do advogado Edward
Dickinson, este que trabalhou por cerca de 40 anos como tesoureiro do
tradicional Amherst College, além de ter sido um destacado político local,
tendo sido deputado estadual.
Amherst, localizada na região do vale do Rio Connecticut, era
na época em que viveu Emily Dickinson uma vila isolada, local em que a poetisa
morou por quase toda a sua vida, em reclusão. Por sua vez, o pai de Emily
colocou seus três filhos para ter uma educação excepcional para os padrões
norte-americanos de então, incluindo estudos que iam da literatura e filosofia
clássicas, latim, como também botânica, geologia, história e aritmética,
possibilitando a Emily uma sólida base intelectual, na qual ela foi capaz de
criar na sua atividade literária uma obra com profundidade e extensão crítica.
POEMAS:
(obs: a escritora não colocava títulos em seus poemas, no que
aqui uso a convenção de apenas numerá-los)
POEMA I : O poema é um dos de Emily sobre a
natureza que a cerca, com base prosaica ela capta o extraordinário, no que
temos: “Bem pouco a fazer tem o pasto:/Reino de irrestrito verde,/Só tem
borboletas para criar,”. Os sentidos entram aqui no jogo: “E ondular o dia
inteiro aos sons/Que a brisa consigo arrasta;”. E o clima ganha aromas, os
nardos entram no ambiente aqui pacato e pacífico: “E acabar-se, ao fenecer,/Por
entre aromas divinais/De especiarias dormidas/Ou de agonizantes nardos –“ (...).
E volta o pasto, onde finda o poema num grande abraço preguiçoso, com o sonho
escoando o tempo: “E, pelo sonho, levar a escoar-se o tempo;/Bem pouco a fazer
tem o pasto,”.
POEMA II : Um dos poemas clássicos de Emily
Dickinson, a messe se faz presença, o trigo e sua estação faz o poema
nutrir-se, os versos surgem: “Há certo mês de junho em que se corta o trigo/E
as rosas na semente –/É um verão mais breve que o primeiro,/Porém mais suave,
certamente,”. O verão dos justos dá ao poema abertura, mas a geada também vem,
e o poema contrasta para findar: “Há duas estações, dizem –/O verão dos justos/E
este nosso, diferenciado,/De esperanças feito, e de geadas.”.
POEMA III : Este poema brevíssimo é de uma
beleza estonteante, a púrpura vai ao poente de um sol que convida ao verso,
âmbar e berilo dançam nestes sons, o poema é uma pintura natural, e Emily
Dickinson é uma observadora privilegiada em seu refúgio pacato em que ela cria
tais pérolas como este poema: “Púrpura –/A cor das rainhas é esta –/A cor de um
sol, no poente;/Ainda, além dessa, o âmbar;/E o berilo – se o dia vai a meio./Mas
quando à noite amplidões de aurora/Atingem de súbito os homens –/Essa cor, e o
feitiço. A Natureza, porém,/Reserva ainda um lugar para os cristais de iodo.”.
POEMA IV : O poema vai do outono em poesia para
uma visão prosaica de que também se faz a poesia, no que temos: “Além do
outono, os poetas cantam/Uns poucos dias prosaicos,”. A rarefação das coisas do
poema o tornam esguio e quieto, o rumor do regato também aqui silencia,
sossega, no que temos: “Poucas manhãs incisivas –/Noites ascéticas, poucas”
(...) “Aquietou-se o rumor no regato,”. E os dedos tateiam hipnóticos, com
visões mitológicas, e o poema clama por uma mente forte e solar, na qual todo o
tormento divino seja objeto de uma poesia que resiste firme em seu lugar de
expressão: “Dedos mesméricos tocam suaves/Os olhos de muitos elfos.” (...) “Dá-me,
Senhor, uma ensolarada mente/Para suportar Teu desejo tormentoso!”.
POEMA V : Outro poema breve de Emily
Dickinson, que vai dos diamantes e percorre seu pequeno trecho de diademas, e o
cultivo para venda, em que o poema se abre em dia estival, numa obra que já
teve mecenas, numa poesia que foi rainha e depois borboleta: “Quando os
diamantes são mito/E os diademas, uma lenda,/Broches e brincos semeio/E cultivo
para venda./E embora meu parco renome,/Minha obra – um dia estival – já teve
mecenas:/Primeiro, foi uma rainha;/Depois, uma borboleta.”.
POEMA VI : O poema de Emily Dickinson aqui
ganha o retrato do que é uma mente poética, tabernáculo de pássaros, uma
entidade incorpórea, de lares etéreos, no que temos um poema que finda com
clarins para visões de reinos insondáveis, numa intuição solar e livre de
amarras: “Não me fales de árvores estivais/A folhagem da mente/É tabernáculo de
pássaros/De espécie incorpórea/E ventos à tarde nesse rumo sopram/Em busca de
seus lares etéreos/Onde clarins convocam o mais humilde ser/Para indescritíveis
reinos.”.
POEMAS:
POEMA I
Bem pouco a fazer tem o pasto:
Reino de irrestrito verde,
Só tem borboletas para criar,
E abelhas para entreter –
E ondular o dia inteiro aos sons
Que a brisa consigo arrasta;
Cumprimentar a todas as coisas
E embalar, ao colo, a luz solar –
Fazer com rocio, à noite, colares de pérola,
Compostos com tal requinte,
Que uma fidalga não saberia
Perceber a diferença –
E acabar-se, ao fenecer,
Por entre aromas divinais
De especiarias dormidas
Ou de agonizantes nardos –
Quedar-se, por fim, em nobres celeiros
E, pelo sonho, levar a escoar-se o tempo;
Bem pouco a fazer tem o pasto,
Feno eu quisera ser –
POEMA II
Há certo mês de junho em que se corta o trigo
E as rosas na semente –
É um verão mais breve que o primeiro,
Porém mais suave, certamente,
Como se um rosto, dado por sepulto,
Na erma tarde emergisse
E em refulgências envolto
Nos afetasse e partisse.
Há duas estações, dizem –
O verão dos justos
E este nosso, diferenciado,
De esperanças feito, e de geadas.
Não podíamos o nosso ao primeiro
De tal modo justapor
Que um deles relembrássemos
Tão-só para escolher o outro?
POEMA III
Púrpura –
A cor das rainhas é esta –
A cor de um sol, no poente;
Ainda, além dessa, o âmbar;
E o berilo – se o dia vai a meio.
Mas quando à noite amplidões de aurora
Atingem de súbito os homens –
Essa cor, e o feitiço. A Natureza, porém,
Reserva ainda um lugar para os cristais de iodo.
POEMA IV
Além do outono, os poetas cantam
Uns poucos dias prosaicos,
Um tanto este lado da neve
E, da neblina, o outro lado –
Poucas manhãs incisivas –
Noites ascéticas, poucas –
Terminaram-se as dálias de Mr.Bryant –
E as medas de Mr.Thomson.
Aquietou-se o rumor no regato,
Fechadas estão as vagens-de-cheiro;
Dedos mesméricos tocam suaves
Os olhos de muitos elfos.
Talvez permaneça um esquilo,
Com quem partilhe minhas aflições –
Dá-me, Senhor, uma ensolarada mente
Para suportar Teu desejo tormentoso!
POEMA V
Quando os diamantes são mito
E os diademas, uma lenda,
Broches e brincos semeio
E cultivo para venda.
E embora meu parco renome,
Minha obra – um dia estival – já teve mecenas:
Primeiro, foi uma rainha;
Depois, uma borboleta.
POEMA VI
Não me fales de árvores estivais
A folhagem da mente
É tabernáculo de pássaros
De espécie incorpórea
E ventos à tarde nesse rumo sopram
Em busca de seus lares etéreos
Onde clarins convocam o mais humilde ser
Para indescritíveis reinos.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/34070/17/emily-dickinson-a-maior-poetisa-dos-estados-unidos-1
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