PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

BANCAS DE JORNAL

   Eu sempre frequentei bancas de jornal, desde muito cedo. Comecei a minha história com bancas de jornal recém-alfabetizado, ia atrás das revistas da Turma da Mônica, era engraçado, pois era uma época complicada de hiperinflação, você chegava para comprar o almanaque da Mônica por 15.000 cruzeiros numa semana (sim, gibis já custaram isso um dia), e na outra semana já estava custando 20.000 cruzeiros, acho que peguei ainda um período de cruzado e cruzado novo, mas, vá lá.
   A coisa começou a ficar boa quando descobri a Mad, fiquei louco por Mad, fui aplicado em Geraldão e Chiclete com Banana também, mas colecionei mesmo, numa primeira fase, e já com assinatura, a Turma da Mônica, que teve um fim trágico. No apartamento novo, para o qual a minha família se mudou, achei que iria manter o meu esquema clandestino de ler gibis da Turma da Mônica no escuro do quarto, depois que tinha "ido dormir". Pois, lia os gibis só com a luz do corredor, o que me rendeu um ano de astigmatismo e hipermetropia de meio grau, e tive que usar uns óculos por um ano, até que não precisei mais.
   Pois então, mantive esta leitura clandestina por um bom tempo numa casa em que morava com minha família, mas, na primeira noite no novo apartamento, eu "rodei" com a minha mãe, e logo, na semana seguinte, ela suspendeu a minha assinatura de gibis da Turma da Mônica, dizendo que eu já não tinha mais idade para aquilo. Foi o fim trágico do meu esquema, da minha assinatura e de minha história com os gibis do Maurício de Souza. (Como é bom lembrar das leituras vorazes do Almanacão de Férias!).
   E então, comecei, já durante esse processo todo, a colecionar Mads, curtia o Ota, o "Respostas cretinas para perguntas imbecis" era o meu preferido, tinha lido Geraldão algum tempo também, nunca fui de Marvel e essa pilha de heróis, gostava do escracho, e isso nunca faltou na Mad, ler a sessão de cartas da Mad também era uma diversão.
   Também tive a minha febre com álbuns de figurinhas, passei por figurinhas Calafrio, o mais foda foi um álbum chamado Viagem ao Mundo, que era bem educativo, outro de terror, com Jason e Freddy Kruger, a Gangue do Lixo, Vamp (a novela), Que Rei Sou Eu (também novela), e vários álbuns incompletos sobre um pouco de tudo. Tinha um de dinossauros, outro de cachorros, um de carros, outro de corrida de carros, e a fase do futebol que todo moleque passa alguma vez na vida, o que me fez saber nomes de jogadores aos montes. E, hoje, me lembro como nós, moleques, sabíamos quais figurinhas não tínhamos, dentro de um bolo, sendo que o álbum inteiro tinha umas 250 figurinhas para completar o álbum, era algo prodigioso.
   Com uns 13 anos comprei a minha primeira Playboy, a da Paloma Duarte, depois uns pornôs, e aí comecei com onda de rock pesado, e conheci a Metal Head, e logo depois pirei com a Rock Brigade, passei a assinar a Rock Brigade por uns anos, com 11 e 12 anos, também tive uma onda boa com a Placar de futebol (na época em que ainda me interessava por futebol, sabia tudo, até os resultados de toda a tabela da Copa de 1994 em que o Brasil fora tetra).  Passou o tempo, deixei a Rock Brigade para lá. E essa história também teve um fim trágico, pois a coleção que eu tinha, molhou toda,  e isso, junto com outras tralhas que, por fim, quando soube, a minha madrasta tinha jogado tudo fora. (Essa de jogarem minhas coisas fora, eu já tava vacinado, perdi minha coleção de latinhas importadas que o meu padrasto bebeu, e minha mãe jogou tudo fora).
   Bom, nos últimos tempos, tenho tido ido muito às bancas de jornal. Compro revistas de política em geral, Carta Capital e Istoé, Le Monde Diplomatique, revistas de Filosofia, descobri a Piauí, que é ótima. Também comprei uns filmes clássicos. Numa época, há uns dez anos atrás, comprei uns pockets da Martin Claret, que agora, tô me desfazendo.
   Sempre tive uma relação muito boa com bancas de jornal. Hoje, você pode comprar uma revista, e ainda tem coca-cola, e um cigarro pra completar o pacote. Perto da minha casa, antes de ir ao trabalho, paro numa banca, e sento num banquinho que o jornaleiro tem na entrada da banca, e fico tomando uma coca e fumando um cigarro  (tenho que largar essas coisas). E tem de tudo um pouco. Hoje, em bancas de jornal, agora tem até cerveja, mas já parei com isso.
   A banca de jornal, hoje, é um mundo que tem tudo. Passa de CDs do Legião Urbana, comprei alguns, os filmes clássicos da Folha, também tenho uns. Sempre tem alguma novidade, hoje compro até cédulas e moedas importadas, tudo na banca de jornal, o difícil é segurar o dinheiro quando estou dentro daquele mundo, é um mundo cada vez mais vasto, com várias enganações, também, vide o número de revistas de Maçonaria e sociedades secretas que invadem alguns tópicos por aí. Tem banca, também, até de Playboy velha, vai ver se achamos as raridades tipo Beth Faria por aí. Tem os livros da LM& pocket, os da Martin Claret deram uma sumida, tenho algumas relíquias comigo, que tô passando para a frente. As Mads, já não tenho mais "idade" para isso, a Mônica e o Cebolinha viraram jovens, e se transformaram em mangás, nunca li mangá, nunca fui de Marvel, mas andei comprando umas Vertigo, que ainda não li. Tô atrás de uns Neil Gaiman, tipo Sandman, comprei a Orquídea Negra, tem uma madrinha que vai me dar sua herança de HQs, tenho agora que reentrar neste universo. Minhas Mads eu não sei como sumiram, ah, foi na tragédia da Rock Brigade!

27/11/2013 Crônica (Gustavo Bastos)

terça-feira, 26 de novembro de 2013

CARTA AO INVENTOR DA MÚSICA

   Uma outra morte nos dará vida. Neste bem-vindo anátema dos dias fugidos do horizonte. Não quero o emblema da farsa no meu sangue, ouvi os odres vazios, os cacos de blues sob a névoa de jazz. Claro como o silêncio, delirava montanhas no meu passo entre meu corpo e meu espírito, entre a minha dor empírica e minha angústia transcendental.
   Volta e meia dá água, vou ao hospital psiquiátrico, tenho a barriga do tamanho do mundo, o meu punho umedecido, os meus olhos espoucados de riso, meu ventre túmido de pranto. Volta e meia tenho asco de poesia de penumbra, quero a poesia de luz estourada e de sombra macabra. Vejo na água do frio o mar como um grande basalto de limo e de ferro. Tenho asco de poltrões, asco de minudências vis, os asnos de asco que moram fora dos vitrais, os asnos mortos de uma longa dor, estes que estão bem longe das dores de uma flor de ametista. As flores mais úmidas eu as guardei em uma vagina rainha, a queda de debrum de suas vísceras eram bem vivas, me alimentavam e me davam boa capacidade de sonho.
   O poema risonho no mar de urdidura fenecia como bela pintura nos átrios de um mausoléu, fantasmagorias passavam entre as visões, canções de visionários lutavam com seus fogos entre os detritos de uma guerra nuclear. Fecha o blues da meia-noite, na aurora suscitava desdém de febre com o horror das ventanias de música, soldados armados de bombas defendiam os trópicos de duendes frios, seres do gelo contemplavam o frio mais absurdo das notas que caíam nas vinhas mais diurnas, girassol e pecado, revelação e teoria, nada ficaria impune sob a veste dos náufragos, vento e poesia seriam volteios de dança na lembrança de uma chuva.
   Os nazistas seriam vitoriosos na farsa de um ditador, morte e surra na pauta, carne e demônio nos rádios, estoura a boiada, faz-se uma revolução de paus e pedras, uma intifada mais que justa na queda dos déspotas de suma ignorância. Velocidade e ataque, tudo o mais que fosse de verso morreria no mar de overdose, nadamos em esmeraldas sob o luar de loucura, os loucos uivam para a lua, o riso dos loucos é patético, patética é a ilusão dos loucos, os loucos são poetas desgovernados, arrotam símbolo entre as nuvens, morrem de seus símbolos, comem seus fantasmas, ficam na noite à espreita de uma boa porrada. Nada mais claro na dor dos loucos, a música os entoa entre os desejos, entre as canções, e vigas são destruídas por um montante incalculável de sonhos abortados.
   Os poetas fazem a cadência da decadência. O decadente sonha pouco, fala pouco, sempre ou tem cara de mau ou rosto azedo, não faz mais nada senão delirar estultícia sob o governo do álcool, uma cena podre de riso torto, de choro escondido, de grito de abismo sob a lua plangente de sofismas burros, o decadente queria ser grande, mas fala das mesmas coisas e não diz nada, a decadência dos poetas é um pouco diferente, é astúcia entorpecida, inteligência rítmica e verbosa de tanto explodir e resgatar-se de ondas inumeráveis, do vício do espanto que rutila de onde o sonho mais fundo eclode na harmonia do beijo venenoso de um poema bruto como o sol.
   Levita a rosa sob o sândalo vidente. Vento e porra na hora da música, tanto sonho de cal e gesso e fuligem e brilho fundo de alma. Fogo entre os sonhos mais azuis, rosa pálida da negra flor da noite, vento e karma sob a justiça de deidades iradas sob o manto de um monge ressequido. O verso se enumera de coleções de espantos, mas ao espadachim não há nada limitado, honra se dá na nau da palavra como monte no céu de Meru. Shambala anárquico dá as cartas, os olhos são muitos, vento e drama são faces duplas de poesia de espada de corte no coração pelo gelo mais frio da rima e do verdor de tanta bruma. Verso e reverso na noite suja, mais longe vai o grito na dor espetada dos dias. Os poetas do ócio não vão além, pois na escrita tem que ter o sentido da guerra, a morte de guerra, a vida disputada à tapa na farsa derrotada, na faca enfiada dentro d`alma!
   Corrói o espesso drama, teatro de verso na hora da tragédia sob o riso funesto de um delírio que ruma ao norte, o norte da saudade dos vícios cerúleos dos anjos, das máquinas vigoradas na lida mais forte de todas as armas apontadas no fogo do brio com o olho mórbido do poema suicidado que não dá nota fora do fastígio. Emblema, dor e fúria, a pena atávica decifra todos os enigmas como um duende, o mago abissal revela ao terror a bruma na lua dos lobos uivantes como os loucos. Vejo a música tétrica e vejo a lua cheia, nota abissal retinta sob os gritos da penúria que sai dos alvos campos e mata a caça depois de fugir da verdade búdica que cantou num espírito jovem. Lembra: os notívagos iam atrás das canções de amor como flechas dançando entre os corações ciosos de tanto amar, com o corte da madrugada em seus vinhos, com a beberagem e a voragem dos livros estacados entre palavras de mistérios gozosos. A virgem mais linda sorriu como poema de sonoro verso, e a noite se abriu na galanteria, os versos são paixões tortas como o fiel sabor do amor depois da fria mentira que ressoou pelo tempo matado de raiva.
   Me espantei na alma da esfera como fera pútrida de tanto canto em mar de selvagens, com os ossos na urna que ressoa o cadáver entre os potes quebrados e uma ratoeira. Mas que alma mora no sol? Quais os segredos guardados na urna de Da Vinci? Tem poemas estarrecidos de penumbra com flores viciosas na temperatura bruta do cais em tempo de fervura e paixões vermelhas. Venta muito no leste de meus olhos, tempestade que ruma ao sonho alto da viga de aço do terror que rumina entre as frias canções de morte que ainda vivia nos adoradores de Moloque. Venta com a nuvem roxa entre os cantos de funeral num inverno grosso de neve tola nas quedas românticas de mar glacial que congela o poema sob o sangue mais sério da litania. Venta e tudo é tempo na vida da selva, romance de calor vai ao longe falar de flor quando o desmaio é inevitável, caem os espíritos das nuvens que rumam para o oriente, monges fogem de suas cercanias, o monastério fica azul como num bom delírio beatífico.
   Venta ao sul, ao norte venta. Mais poemas caem de meu relógio, tenho poemas caindo por todos os lados, tenho poemas em vento como na dor horizontal que teima em versos verticais. Venta com tudo o que há na mais intensa fornalha dos ares que deliram por todos os rios que veem os castanhos deltas sob a piramidal letra. Rezo. Tenho o vício de tantra em meu corpo com os leves sonhos de asa da vertigem entre os folguedos que rumam ao sul, ao norte, vejo no horizonte flores pulando no fim do mar. Quais ventos me levam ao sul ao norte? Vento que reclama na funda bruma do verão, que grita no vinho secreto do inverno. Rezo em todas as cores de meus delírios atávicos, brota o símbolo de minha pena como um mar tolo de fundo drama que é floração do tempo em tinta de eternidade, flor e saudade, mais a queda dos anjos com cintilantes fenecimentos que caem de rumor e vigor que vem na estrada, tal é a estrada brusca dos ferozes campos de trigo, desterro do deserto amarelo, amar a virtude como a morte saudosa do campo de feno, fadado ao sucesso como a alma mais risonha do sangue que pula no mar azul de safira, mar de sangue, flor e tempo, sepulcro rinha de gládios gaudérios pascácios néscios patuscos parvos patente de todo poema quando afoga na tenebrosa beldade que é berro de morte entre a areia e os olhos da pesca.
   Lembro dos ócios antes da morte, tenho o caos que nem poema pelo canto de mistério que rumina febre nas ondas que invadem o estaleiro na dor da urtiga e no frio dos espinhos. Cai e renasce o sonho de flor vermelha na via macerada das cabeças de ferro, aço indelével mora no peito, e o poema se vinga com as machadadas na cara de poetaços.
   Ruma ao sul, ao norte, qual nau fomentada e de paramentos rústicos como carne e memória. Lenho seco entre os fogos, galhos espraiados na noite de céu estrelado como abóbada na carne e no tempo, memória que ruge em mnemosyne que nem o espanto de renascer com os olhos furiosos na panaceia que levita no sonho do préstito. Bela unção vem o tempo ressoar a estrela maldita que nasce na manhã, enquanto o arrebol canta qual fulminado a dor de seu trovão, venho em mais sal e vigor que o mar, venho com o tempo vertido em mancha de desaforo, em mentira vertida entre o sangue e a espada, entre a faca e o livro, dentre todas as vinhas canto o valor da poesia que nem mendigo diante do fardo de ser máquina entre o total universo e o repleto nada.
   Vingo os filhos, caio sem fé nas poças de estanho e no limo do gás que ruge no ar entre as frações de meu coração, tento abarcar os sonhos vis na canoa que vem do mar com os lírios de ilusão nas mãos, venho que nem estrela na barafunda de um pomar que tem tulipas de raiz e tubérculos na metamorfose dos insetos, venho no mar ao mar e vou ao sol pelo sol para tardar até a lua, o sangue vinga o tema azul das horas mais sujas que rutilam pelo vinho e nas sagradas sacerdotisas do império milenar que é nódoa na vulgar serpente dos dramas que comem as tragédias no vício pantraguélico de comédias excêntricas.
   O vento rumina flor funesta que nem ritmo de muro pintado de cor estranha no palco dos venenos de mundo e de mundo atordoado na tinta funda dos lenhos mais tardos da chuva. Vinho e terror, a paus e pedras se faz todo o monte de lenho, pedras são roladas no átrio do coração em espanto de ferro como certezas de cobre. Venho, e o vento é mais sinistro que todo o mar, o poema é mais veneno que o delírio da serpente, o poema é vício de estrela entre o sol e a lua no eclipse de sombra que aguarda mistério na ventania e nos olhos que acordam entre satoris de sarça e sândalo. Vejo como o poema cresce como flor circense nas odes mais cruentas que podem nascer da pena vingativa.
   O tempo da hora vasta, como filho de Pã sob a lua cheia, tenho meu cenho cortado de palração infinita, sob o leme ao castelo de dor em febre, meus instantes são como sóis, guardo a beleza em forno de ossos. Enquanto a febre dá o calor da morte, tenho o frio sob a noite, e eles, os déspotas, fogem sob a espada com o grunhido louco da ferocidade, cada lado da moeda antiga celebra o punho erguido da viga e da força. Tem toda a hora espetada de espanto, a poesia se emoldura de fracasso, a força não está lá no mundo, a poesia busca desde o eterno sua salvação, e ela, a poesia, se salva própria, de si, uma vez que verso e prosa se fundem no mistério que vem na pena. Não há eterno que se busque, a pena se dá ao fim como ao mítico começo, e o universo se faz verbo e emula em seu sonho um poeta e todas as cores do desespero, um poeta e todas as dores da esperança, os filhos da carne se dão aos montes na orgia, o sal que corre em meu sangue é o poema quando danço, o sal que mora no silente campo de fora, é alma dentro de um poema que se faz carne, e a santidade destes mistérios, ao poema tudo se desvela, e não há chave que a poesia já não conheça, a vidência é o poema em sol com veste lunar, pois à noite o lírio se espanta, e à lira, funda parca, o poema se eterniza.
   Flores rutilam no jardim das delícias, minha alma não se salva de tanta dor, e do amor mais vasto, não se fere aos montes mais gélidos, e da cantoria à música de orquestra, ao fundo da câmara a alma se encanta, e o poema-música de som ao corte de cor e morte faz como sinal e signo de toda uma canção. O poeta está na visão, e os olhos ouvem toda a cor de que o cais vai ao mar, nada sobra senão o som do marulho na dama que dança, e o sol fiel morre de êxtase na lira possuída de sombra, ritmo e farsa.
   Os poemas montam no campo de flor e riso, e o pranto mais doído, se esquece na queda e olvido. Mais, ao terror da febre o poeta se tece, dá tudo o mais, ao calor feérico de seu delírio, e ao frio racional de sua pena. Dionísio se esmera de loucura abissal, e o poema cai refém de toda loucura da imaginação, todas as sabedorias explodem no ventre de morte que ao lodoso vinho os corpos se esfacelam, e a alegoria dos campos elísios era nada mais que o surto visionário que à poesia se traduziu, olho esférico no transe que é hipnose de uma doença de eternidade.
   A alma que tem saudade, no jogo da língua e na torre de luz vai à areia da praia pela liberdade que se encontra com o mar, e da aurora mais funda, o resto do nada ao eterno vai à luta imortal que se fez encampada, e da guerra moribunda a poesia virou corpo e denso karma de canto e música. Nos solos da terra eterna o canto moldou seu ressoar de esfera, e o corpo do som à cor gerou a criação em sinestesia, e o olho semeou a flor de anarquia, e o poeta virou anjo e visão na morte do mar que a onda batizou. O mar feroz se virou ao caudal da prosa. E o silente rumor das feridas d`alma, da flor nascedoura ao rio desceu, como ferro e brasa que na vitória foi liquidada, e o mistério da nuvem densa de amor à tempestade se derramou. A pena faz a História, e o verso se dá ao espanto, sob a jugular da Necessidade:

                             Lírios de morte querem vida,
                             os olhos querem explosão,
                             vinho de meu fel vai ao céu,
                             o paraíso é a rua e a boêmia,
                             vaticina seu holocausto a temida
                             pena de socorrista, nau estrelada
                             que nem vertigem, a noite densa
                             liberta a alma amargurada,
                             de fel morre a estrada sem luz,
                             pois do lume ao vigor do poema,
                             todo mar é música.

(Escrito em dois dias diferentes, pronto em 26/11/2013)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
 

ANGÚSTIA

O espectro retumba na sombra,
sua sede é de alma viva,
a vida lhe dá muito ódio,
o espectro chora e se desalma
qual fundo sopro de escuridão.

Seu corpo já não mais vê,
seu tempo já não mais o tem,
o espectro chora
seu não ter e não ver
em que ele está.

O espectro não tem mais a alma,
a perdeu ao pacto de morte,
e espera,
sob a sombra fúnebre,
um novo sol
que nunca vem.

26/11/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

O FIM DO MISTÉRIO

Faço do tempo o dorso da hora,
qual ferrugem e sopro,
vento e líquido,
ao passar de sua cauda.

Faço da estrada o espanto da manhã,
a esperança do dia é o ritmo do tempo,
o temporal que se funde ao espaço-átomo.

Desde sua queda, o homem não
se vê mais em paraíso,
já se vai longe o delírio de eternidade,
a herança não é maldita,
o mortal se crê em infinito,
e o tempo lhe é a mão que tudo faz,
e o corpo é o fim que o pecado,
origem das coisas,
dá ao tempo suas horas
e às horas o fim do mistério,
como quem faz poema
e nada sabe.

26/11/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

AS DOZE ESTÁTUAS

Bruma de solitude aporta ao pórtico,
doze estátuas de mármore
vivem sob pedra de escudo,
a defesa da mortalha
acorda o mistério
em flor que se nutre
do mel ao vento de lamparina.

Doze estátuas recordam
suas vidas na estrada,
aprisionadas pelo escultor
sofrem na febre do mármore,
sonham despertas e petrificadas.

Quem mais delira que o poeta
em tirá-las do frio da pedra?
Desafia ao escultor
uma vida em sua goiva,
a dar um coração e uma alma
a estas doze estátuas
mortas sob a dureza
do mármore
na vida encantada
de suas esculturas,
pois ao poeta a pena
revira a pedra,
e o coração que pula de sua pena,
é alma viva à arte
que da pedra se esculpiu.

26/11/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

LETRAS DA PENA EM POESIA

O solo, em teu corpo de sol,
remove a terra da devoluta solidão.
Clamo às fadas o olho do furacão.
Mais que o vigor que se oculta no matagal,
quero ver flechado o meu amor no abismo.

Quantas águas douram ao rio frio?
Que sóis morrem de fundo suicídio?

O mar, tal o esteio da água e sal,
freme em seu violento vento
de onda e tormenta.
Eu sei dos sábios antediluvianos
ressuscitados do sal,
eles atravessam a noite oceânica
com seus corpos de cobre
sob a lua das mortas almas,
e correm com seus papiros
na penumbra do cais
ao mistério da flor da noite.

O sol, em sua fúria de terra,
do sal dá ao solo a sesmaria do caos.
Eu, poeta insano, boêmio e roto,
cato os detritos de versos
que a lua indômita
cantou depois do silêncio
de meus ardores de paixão.

As nuvens de céu vermelho
cantam a poesia na fria bruma,
gotas vermelhas caem
no patíbulo de meus vitrais,
na amurada o afresco saboreia
o lume que desponta da aurora,
e o temor de arrebol que encanta
fecha ao negro da noite,
quando a poesia,
malgrada a hora,
se volta ao vento
de versos que brotam
da corola que,
à copa de uma árvore,
vê o desterro do poeta.

Lembro que a alma se quer infinita,
e de morte se quer lembrada,
uma vez já ao corpo vivido,
dá seu adeus
na ponta da pena,
e a poesia lhe assina.

26/11/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)