PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 11 de setembro de 2010

IMPÉRIO

Diga, poeta reles de doer, és rei de que território? Não vou acusá-lo, pois teu reino é absurdo. Os mais sórdidos corrompem o teu solo, tuas entranhas são mercadoria para comercial de TV. Vamos ver ... a doença nacional, o populacho enfurecido, todos querem comprar. É noite imunda do meu calafrio, os vermes escrotos, tudo uma putaria, tudo uma zona. Vai todo riso sem pudor, com todo o fel do mundo, esses versos, transtornos ... és Rei! De toda a lama, toda essa merda!

Muitos enganos, tendes agora uma nave de insanos, tudo como se fosse explodir. É longe o porvir, neste mistério longe de tudo. Por onde cheguei foi um desmaio, serviam-se as chagas. Quem diria que teu reino é uma morte bem célebre? Você furtou a fortuna dos babacas. Ninguém irá te punir mais do que se já estivesses no fogo, pois é a morte tua fortuna ... lhe asseguro, não irás ver este instante, irás dormir por demais, ninguém te julgará ... pois o inferno é teu, todo o inferno que esteve em teu destino, em tua miséria. E ainda te recusas a morrer? Maldito seja!

Dizia em outros tempos: “Quero ser o verso que brota da terra ... meus dramas seriam plantas, nos galhos diversos de uma arte natural, eu que não seria poeta se não fosse antes verso ... todos os dias lembrarei ... é verter o sangue do mundo, poeta que é poeta enfrenta a morte, se perde na loucura, nos delírios, nas festas, nos batuques ... onde as guitarras rasgam o ar.” Penso que hoje és um desregrado, seria então teu império um abismo de tortura, tens medo que a loucura volte.

É fraco e terrível o pilar de teu castelo repleto de pestes, com ódios e invejas querendo o teu pescoço. Eram o medo e a penúria as testemunhas de tua queda, a vingança faria a honra em teu peito, ó trevas, terríveis encantos! Grandes sóis nos navios, ópio e vinho em teu sangue. Farás da morte um escárnio, ferve na caverna o réu dos crimes em que um fiel caiu de joelhos. Ferve a mentira, por isso és riso, és escárnio. Não declarou-se em obras post-mortem. Não pecou e não subverteu teu próprio instinto, por isso vives de rir dos que lhe bajulam. Tens mesmo que viver como Deus quer ... e toda a vida lhe mostrará qual ritmo cantar. Pois já penou demais ... te digo, fiel do navio, estás vivo, não vives no mesmo rio, mas sempre vês o mesmo mar. Tua sorte dirá em teu livro: “Partir agora jamais!”. E teus pulsos carregarão a juventude de tudo libertar, ser livre e se arrebentar por aí, ser libertino de liberdade tosca, os bares vão agradecer. Tudo barato e de prazo indeterminado, todos os vermes do grande, do abominável Rei! O império treme e o calabouço abriga um pobre idiota que pensou em duelar com o terrível Rei! És rei! Como digo ... não enlouqueça ainda, podes virar Napoleão! Não sejas o bobo da corte então, vá e lute!

Não lhe dão vinho de graça? Nem fumo e mulheres? Pois podes ser rei em qualquer caverna, rei dos libertinos, dos pervertidos que bebem na madrugada até se afogarem ... com todas as vontades do mar, do desatino, e as maldições dos que te veneram.

Terão ainda as pragas e teus mistérios acordado milhões de insultos? Pois tudo do que me lembro é de um delírio torto, tão difícil de compor, como um verso espetado no coração. Senti que tuas vestes estúpidas carregavam o tormento de tudo sentir como se a morte o destronasse. Mas tinhas então o teu velho abismo, semeadura de penitências, quando se vê o poder do fogo.

Tua companheira dormia num sono de víbora, e tu sabias que era o fim. Dizias em tua penitência: “Tudo será destino!”. E não encontravas o teu. Mistério maior seria o infortúnio besta de um assassinato, com os hipócritas rezando por tua vida, incapazes de evitar tal golpe de marido traído. É verdade! Todos rezavam, como se tudo aquilo não fosse nojento. Pois sim! Tu és um rei! Te aclamo império triste! Pois tua vida é um inferno! Os bobos ficaram calados, tudo uma calamidade, era o império dos invejosos, o império dos esqueletos. Pois te acharão bonito ... morto. És teu pecado, a paixão que te matou, a mulher que te honrou à espera de tua bondade, mulher que tinha medo de ser odiada por ti, que foi tão pequena e devassa, que te levou para bem perto do ato manchado de sangue, em tuas vestes mortuárias, mordaças e mortalhas, às custas de um vil negociante, que te viu cadáver.

MANIFESTO

Aqui no mundo reluz a fábrica temporal, declaro guerra aos imbecis que vociferam suas astúcias, aos cavalheiros mascarados que não seduzem mulheres, aos capatazes que incitam o suadouro, aos gentis de toda ordem que se dizem filhos de família, aos ladrões de gravata com seus banquetes, aos homens da lei que disfarçam toda a pilhagem da ética tão rara para os que vivem deste poder, às indústrias de modinhas óbvias, ao consumo dos ídolos, e de perto, bem de perto, declaro a revolta com a arma em punho, desenrolando o novelo que descarrila a falsa nobreza dos políticos aspirantes. Eu sinto nojo da glória destes descampados, dos cantos de vitória dos bestiais, alegres bêbados que são a fonte da corrupção.

Nas altivas construções, estamos repletos do sabor amargo da cisão social – o esnobe flácido horror da fome – a serpente solta pela rua da violência. Eu estou em todos os lugares, observo as cordiais hipocrisias de antecâmaras, o jantar servido com iguarias estúpidas, para encher o bolso dos quer vivem de bandalhas. E a entoar um cântico desesperado, sinto que não nasci para este mundo.

O belo campo, ora, não nasceu ainda, e ainda ou jamais, não verei um perfeito ser humano, posto que a quimera reinante é a jogatina desenfreada, o desejo do despautério, a calamidade da desonra, o execramento moral. Estive já destinado ao ridículo, e a vergonha toda destas porcarias mexeram os vermes das almas, as insípidas almas mesquinhas. É de se revoltar, existe o vício da mentira, o vício da tortura, o vício do sadismo, as deformidades infinitas dos que bailam na noite, que comem excretas servidas em potes de ouro, que bebem a morte em taças douradas banhadas de ouro, que compram toda sorte de quinquilharias chiques, e que se regozijam de terem um leito macio ao amanhecer de uma ressaca alcoólica.

Já está determinado, de antemão, o fim da poesia. Vamos destituir-lhe o título de beleza, pois a beleza se divorciou do mundo, e o mundo que há para o poeta – pode ser trágico e conflituoso – há no manifesto. Toda a honra da negociata ignora um bom honesto. Declaro guerra aos olhos da maldade, à baixeza que reina nos costumes degenerados, aos defensores da estirpe, não somos cachorros! Que barbárie é o tempo do mundo inteiro. Vou andar com a nudez de uma sinceridade rara, vou andar longe da estupidez dos falsos, longe dos pregadores de peças. As vitrines cravejadas de diamantes explodirão, quando tudo o que foi ignorado – os que pedem misericórdia – já estarão aflitos. Venham todos os mendigos da plebe desprovida, ganhar o coração que se perdeu.

É o manifesto, aí está! Sem amor e sem virtude. Sem coragem e sem simpatia. Tudo é nefasto como o sangue do fanatismo. Tudo neste mundo seria representado no irmão de dor, com o rancor fervendo na barriga, eu estarei pronto – depois de feita a última canção desiludida – e o ataque poético morrerá no tédio crônico desta sujeira farta e doce dos que se comprazem no absurdo, o melhor é se calar. Já está feita a caricatura do guerreiro que derramou seu pranto, sabendo que é o mais inútil dos homens. A inocência está morta.