PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 19 de maio de 2022

OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

“a fundamentação de uma liberdade de expressão, sem implicações de responsabilidades civis e penais, demonstra ser bastante problemática e aporética”

 

O cânone da Primeira Emenda coloca a expressão política no centro da proteção constitucional, o que implica que os discursos de ódio, na realidade civil, social e política norte-americana, goza de imunidade para a sua ampla e franca manifestação. Por isso que nos Estados Unidos é possível ver passeatas neonazistas ou da Klu Klux Klan. Especificando a ideia do cânone constitucional norte-americano, o combate ao ódio não se dá em sua supressão, mas no debate político aberto.

Esta proteção dada pela Primeira Emenda, nos Estados Unidos, coloca a liberdade de expressão numa dimensão de igualdade intrínseca, as consequências dos discursos de ódio, no plano ideológico (e não das práticas violentas e físicas que deles possam advir), não são levadas em conta.

O princípio de igualdade política se dogmatiza, colocando a liberdade de expressão numa perspectiva absoluta, sem considerações de mérito ou de conteúdo sobre o debate, o que poderia servir para eventuais supressões de manifestações, o que não ocorre no debate político norte-americano e na concepção de liberdade de expressão subjacente a este.

Contudo, a crítica feita a esta concepção de debate político é a de que esta ideia de igualdade sofreria uma corrosão por estes discursos de ódio, com consequências reais às minorias agredidas. A corrosão da liberdade seria a consequência do livre trânsito de ideologias de exclusão.

Em A Justiça como equidade, John Rawls é questionado sobre se sua concepção de liberalismo político seria suficientemente neutra, pois não daria vazão para todos os modos de vida possíveis. Contudo, Rawls responde que existem doutrinas que entram em conflito direto com os princípios de justiça, portanto, não tendo as condições para sustentar um regime constitucional justo. Uma ideia de bem que pregue a repressão de minorias, por exemplo, não seria capaz de criar um ambiente de justiça e de práticas justas.

Por conseguinte, a neutralidade não é o pano de fundo em que se delimita a concepção de justiça em Rawls. Existe um espaço social limitado, portanto, a justiça não pode ser neutra, pois existe um conflito entre o que favorece uma sociedade justa (e não neutra) e doutrinas que ameaçam corroer este estado de coisas, produzindo ataques e agressões a minorias.  Na sociedade justa, para Rawls, estas doutrinas excludentes podem perdurar em pequenos grupos, desde que estas convicções não sejam colocadas em prática, privando os seus alvos de direitos constitucionais.

Existe um certo minimalismo perverso em colocar numa perspectiva igualitária no debate público concepções baseadas na justiça e na liberdade civil, de um lado, e doutrinas que pregam o ódio e a segregação, de outro lado. O poder de reação institucional eficiente servirá, neste caso, para preservar princípios civilizatórios inegociáveis, e que não podem ser subsumidos numa pretensa igualdade política que vá de encontro à própria natureza do exercício de liberdade, pois  estas ideologias de exclusão pretendem suprimi-la, e impor uma ordem política autoritária ou segregacionista.

O princípio da dignidade humana, por exemplo, não se limitaria a uma aura kantiana, mas na interação de minorias em pé de igualdade no plano civil, no mundo real, com meios de proteção social que produzam este efeito nas relações sociais e de trabalho, colocando a ideia de justiça para além do plano discursivo, de uso da palavra, conseguindo alcançar o terreno da vida prática.

Ronald Dworkin, por sua vez, ignora as consequências reais de doutrinas excludentes. Ele é um opositor do controle sobre os discursos de ódio, pois defende a autonomia individual, dizendo que este controle seria paternalista. A liberdade de expressão possuiria um valor intrínseco, acima de seu valor instrumental, numa ideia de preservar cada indivíduo como sujeito moral pleno, que não pode ser cerceado em sua livre expressão de ideias.

 

 

O sujeito moral de enunciação, que deve ter autonomia plena, um direito de expressão livre de amarras, não torna ainda a liberdade de expressão absoluta, mas é uma inflexão de liberdade que vai além de uma motivação ou validação apenas instrumental. Contudo, concepções abrangentes da liberdade de expressão, como a de Dworkin, apresentam sempre o mesmo problema, que é quando o discurso de ódio se concretiza, causando danos às suas vítimas.

Ao colocar este sujeito moral como responsável pelos próprios atos, estaríamos interditando a possibilidade reversa de exclusão de minorias mediante violência, que é o problema no qual a concepção abrangente de liberdade de expressão se encapsula e vira uma espécie de minimalismo perverso que usa uma justificativa que não se fundamenta plenamente, devido a implicações no mundo real, no mundo da vida.

Ou seja, a fundamentação de uma liberdade de expressão, sem implicações de responsabilidades civis e penais, demonstra ser bastante problemática e aporética. Na esfera deliberativa, o interdito, uma vez estabelecido, impede o dano a possíveis grupos discriminados.

Esta desigualdade política, que impede o discurso de ódio de se expandir, que é o argumento que defende uma igualdade ilimitada, é fictícia, uma vez que o discurso de ódio se apoia numa igualdade política postiça, contraditória. O discurso de ódio pretende destruir através de um princípio que este discurso nunca afirma, pelo contrário, nega, renega e exclui, que é a igualdade também para as minorias, dizendo-se detentor de um direito universal que se fundamenta nesta pretensa igualdade política.

 

 

  

 

 

 

 

 

Colocar o sujeito moral na esfera de suas responsabilidades, isto é, como autor das consequências de seus atos e de suas assunções civis e penais, o situa, necessariamente, como objeto de punição por danos que cause. Esta possibilidade interdita a desigualdade de fato e de direito, refutando a ficção de igualdade na qual o segregacionismo e o discurso de ódio tentam se apoiar, numa contradição de sinais trocados. 

No debate norte-americano, contudo, tal interdição dentro da liberdade de expressão seria uma mutilação deste debate público. Afirma-se que o debate público se tornaria mais áspero para os grupos vulneráveis, caso tivéssemos esta limitação para os discursos de ódio na realidade norte-americana.

A objeção a isto é a de que, por outro lado, o precedente para a violência física, no caso de uma liberdade de expressão ilimitada, estaria aberto e virtualmente iminente, pois mesmo com amarras legais a esta agressão, o campo aberto do debate que prega a violência, por seu turno, não deixaria de autorizá-la nas vias de fato.

A centralidade do discurso político, na realidade dos Estados Unidos, cria um sistema de proteção da liberdade de expressão que, em consequência, autoriza os discursos de ódio em sua plenitude. A justificativa para garantir direitos plenos a qualquer tipo de discurso político, nos Estados Unidos, se dá pela necessidade, segundo a interpretação constitucional e civil, de manter a esfera pública norte-americana aberta. Contudo, a contradição está em que o discurso de ódio pode bloquear o acesso de suas vítimas à esfera pública.

No Brasil, por sua vez, temos como um exemplo mais claro de interdição de discurso de ódio, o racismo, que na Constituição Federal de 1988 criminaliza a prática, enquadrada no artigo 5°, XLII, como crime inafiançável e imprescritível, seguida da Lei n. 7.716/89 (a Lei Afonso Arinos, de 1951, que colocava o racismo na categoria de contravenção penal.

Contudo, temos uma versão nebulosa e permissiva nos casos elencados como injúria racial. Uma filigrana da legislação brasileira, que tenta diferenciar o ataque individual ofensivo, dos ataques racistas que agridem a coletividade afrodescendente.

 

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/os-limites-da-liberdade-de-expressao 

 

 

 

 

CORAÇÃO DE VINHO

A reza 

cai em oração,

o coração

de Maria

na anunciação,

a fé que transforma

e o peito

que vibra,


lá, em seu vinho,

a verdade liberta,

eu abro este vinho

in veritas,


como o poema

que vê

o seu próprio

coração.



19/05/2022 Gustavo Bastos

PARAÍSO

A justiça se abre

com o trabalho reto,

um brio que é forte

e vem caudaloso,


seu poema se tece

nesta musculatura,

perene canto

de vitória,

e em seu estro

este canto

vibra

a justiça

de sua

visão,


o paraíso

está aqui,

e não 

num 

insondável

campo

imaginário.


19/05/2022 Gustavo Bastos

ALVÍSSARAS - II

Joga nas nove,

tem dez sóis

e o horror

da noite,


eu verto

o suadouro

do ferro,

para o sol

que forte

nasce,


doido

no crepúsculo

dos idiotas,

o poema

se livra

da decadência

destes sentidos

embotados

da derrota,


seu canto firme

anuncia

a voz 

alvissareira,

a glória

dos justos,

seu fim

e seu começo.


19/05/2022 Gustavo Bastos

O BRILHO DA PRATA

Plácido ao brilho

da prata 

que o rio abre,


o poema 

que enuncia

tal nau,

vertida

e bela,


sei de saber

o sol que

aqueço

na pena,

e a luz

deste

poema 

que 

vem,


sabe,

os dias 

vivem

e passam

cheios,


me leva

nesta luz,

qual a

prata

brilhosa

de seu

verniz

sonhador.


19/05/2022 Gustavo Bastos

POUSO

O poema tem o traço 

de um estro trabalhado,

lapida a pena,

como um rio,


vem, e desce 

ao mar, sobe

à montanha,

cava o seu

espaço,


nesta miríade,

um passo vem

e outro vai,

aos magotes,

os versos

se estendem,


ao esteta 

não sobrou

a ideia,

o poema 

subverte,

é inaudito,


a arte que

se aprecia

tem o sentido

da beleza,


o poeta não vende

a arte dominada,

ela é espelho e reflexo,

percurso de alma,


o sabor deste sol, 

ao poeta, vem que

nem nuvem 


e o vento

traz o que

sopra,

a sua

poesia.


19/05/2022 Gustavo Bastos 

A VIDA ABERTA

Eu andava cantarolando em Amsterdã, 

toda farra que eu sabia de cor,

e o navio de Nassau como rima,

oh que dia de mergulhar ao sol,


me fiz homem na lida dorida e funda,

no ataque difuso da conquista,

no mar azul que me fez feliz.


Passei com a frota aberta,

do tiro que atravessa o campo,

e o peito mais que forte

que atravessou 

a arrebentação.


Fui e parei para olhar,

o canto de Amsterdã,

uma passagem em Bruxelas,

e a vida toda pela frente.


19/05/2022 Gustavo Bastos


quarta-feira, 18 de maio de 2022

A FLECHA

Minha astúcia tem retidão 

e um riso aberto,

plenitude é arte

de conseguir a meta,

o poema se acerta,

vem, veloz,

como uma flecha.

 
18/05/2022 Gustavo Bastos

COLHEITA

A destra ordena a fatura,

teu galardão não hesita,

o fundo musical se expande.


A rosa brota do caule, um rio 

desce em seu volume e fluxo,

toda a tropa acorda na aurora,

o dia está ensolarado,

quem plantou está colhendo,


a lei é clara, a vida nos dá

o que buscamos.


18/05/2022 Gustavo Bastos

PEITO ABERTO

Jamais vi tamanha torpeza,

o grande infortúnio

da farsa é ser o que é,

cada golpe, cada martelada

nesta estrutura,

é um prazer imenso,

impiedoso.


O poema sai de seu claustro,

após a peste, após a farsa,

e se expande como 

uma bomba.


Verso cada dia mais,

fora da penumbra

dos que vivem

incógnitos,

com o peito

aberto

e mergulhando

fundo.


18/05/2022 Gustavo Bastos

A EXISTÊNCIA DO TOLO

O veneno se inocula sutil,

sim, passa e penetra a pele,

nasce a agonia, provar este

veneno é o antídoto

perfeito, 


nas mentes

intoxicadas, que nunca 

vislumbraram as consequências

das ações impensadas,

da vida que busca

na fuga um refúgio,

veem o domínio

da própria vida

escapando pelas mãos,


sonho vão, delírio 

infantil, o veneno

é o contragolpe,

antídoto que mata

a mentira.


Provar do próprio

veneno 

é o destino 

da tolice.


18/05/2022 Gustavo Bastos

A VIRADA DO LOUCO

Virada de ar, cortejo da fábula,

a fada verde brilha no silêncio

da madrugada, o fumo

se espalha pelo ar

do pub, uma bancada

úmida estala no vidro

das canecas e garrafas,



vamos brindar a boêmia,

com o doce na boca

e a nuvem nos olhos,

com os ouvidos 

na música

e a pele desperta,


de cada célula acesa,

de cada verso debrum,

um arrebol e uma aurora,

um poeta e um louco,


presto atenção

nesta barbárie

da noite :

sou este que 

canta.


18/05/2022 Gustavo Bastos

CANTO ALEGRE

O solstício de verão abre o farol

e a visão se estende pela praia,

o navio passa pelo horizonte

e eu vejo nas gradações

do mar a imensidade azul.


A plenitude coroa este esforço

de fazer versos e planar

no voo como um astuto,


deste verso principal,

eu posso dizê-lo :

o canto é alegre

porque não é 

triste.


18/05/2022 Gustavo Bastos


POEMA BARATO

Contando lorota, o néscio aturdido

com o despejo. Nildo,

o idiota, faz cara de paisagem, 

a crise afunda e a desordem

toma cada canto.


Maria, do pai que tinha

uma leiteria,

não é mais

a mesma,

seu filho sofre

de bexiga,

seu marido

tá com 

gota.


Nildo, o idiota,

pergunta

a seus amigos

néscios : 

quantos pascácios

são necessários

para afundar

um país?


A patacoada toda

se deu assim mesmo,

sem pé e nem cabeça.


18/05/2022 Gustavo Bastos


O SOM

As vias que corrompem o espírito

estão interditadas, o corpo não amolece,

o músculo trabalha, a colheita é farta.


Não dá breque, mata o fascista

no nascedouro.


A vinha está ensolarada, o campo de trigo

tem um amarelo áurico, a prata brilha

e pousa plena.


Mais ainda, semeia toda arte,

eu pinto e bordo

o ataque.


Se dizia, na rua bêbada,

que o jogo de bilhar

não tinha futuro,

e o cigarro não 

saía da boca, 

besteira.


Venha escrever miséria,

assim, com marca de giz

e pólvora,

o tiro aberto

e podre,

que gera

o caos.


Qual nada,

bem te vi

neste canto

florido,

e vi de vinho

meu som.


18/05/2022 Gustavo Bastos

A VISÃO DO MAR

Preciso do instante verdadeiro,

feito ao coração com o vinho,

preciso estar pleno, pois a poesia

tem toda a canção.


Não estou diante da morte

e dos sinistros cantos de féretro,

não sou dado à magia 

e aos unguentos.


Preciso me cercar da verdade,

e a minha casa,

na luz do dia,

todo o sol

refletirá,

de um poema

e com as asas

que o dom confere.


O doce arrulho, 

o mergulho do albatroz,

e a visão do mar.


No fim,

o verso.


18/05/2022 Gustavo Bastos