PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

A PESTE (POEMA EM PROSA)

O mundo em convulsão com o surto de Wuhan, das feiras animais o que abre a besta-fera viral que se espalha ininterruptamente. Os corpos se infectam desta tosse que cai do pulmão e tapa a respiração, a tragédia mundial em sua escala tectônica.

O surto, seu nome : pandemia. Na China que entra em sua convulsão mais intensa, a morte começa sua caminhada em Wuhan, os dias parecem ser ainda tranquilos, as notícias não fazem alarde, tudo corre no ritmo do mundo que labora dia a dia, ainda estamos vendo a normalidade fazendo a sua rotina, não há sinal da devastação.

Vamos ao mundo em seu tear, no entanto, a doença se instala, como um cancro, pela Europa, a vida tenta seguir, em vão, a Itália cai em sua densidade e Bérgamo sofre como num ritual macabro, estamos vendo algo histórico, a pandemia é oficial, não há mais a tranquilidade que imaginávamos de algo que ficasse quieto como um pequeno surto local.

Caem mais corpos, a doença se espalha, os rostos ficam contritos, o coração gela, a doença é fatal, a fatalidade toma todo o campo e todo o ar, o ar nos falta, vamos para casa, não há nada além do quarto, a distância vira um imperativo, não é inédito, as pestes são seculares, mas é chocante, um mundo distópico é visto como nos romances ficcionais.

Mais corpos caem, o cheiro de morte toma o plano e o noticiário é cada vez mais tétrico, a distopia é o delírio real desta morte viral, o mundo convulsiona com toda a sua dor, as famílias enfrentam o sofrimento, a prova de resiliência mundial vê na palavra esperança a mais pura forma de superação, diante do inominável, e lidando com o imponderável.

O poema é o susto, o poema é o surto, a História será contada com toda a sua dor dos que se foram sem poderem respirar, I can`t breathe! O poema não pode respirar, ele é solidário com os mortos, a tragédia vem com toda a sua força imensa de destruição, a pandemia nos toma a rotina e o pensamento, a prova de vida vem por cada dia vivido.

A saída para respirar este ar que nos falta, a pandemia fecha a respiração de todos, em seu isolamento, em seu distanciamento, a tragédia não nos deixa respirar, o ar é poluído pelo cheiro de morte, o poema não silencia, tenta respirar em meio da tragédia, as palavras tentam capturar o sentido, mas não faz sentido, o frio cego do acaso leva estes corpos, estas vidas, estas histórias, uma faca cega que corta e que ceifa, sem podermos prever a dimensão exata de seu termo.

I can`t breathe, diz George Floyd, e os respiradores tentam dar ar aos que estão internados, não há mais o que fazer a não ser precaver, esperando a vacina, lidando com as fake news que se multiplicam, os remédios falsos que são vendidos como panaceia, e o ridículo dos poderes em meio ao caos.

A doença se espalha como rastilho de pólvora, a pandemia toma a vastidão dos países, vi nestes noticiários o choro incontido dos que perderam seus entes queridos, a dor vira a rotina de um enfrentamento humano, há um tipo trágico de comunhão da pandemia, a humanidade na mesma lida diária, a doença que ceifa vidas de forma bruta e constante, as estatísticas assustadoras e a proporção gigantesca de uma coleção de mortes com nomes e histórias.

Não existe a luz da sabedoria que nos conduza a um oásis, é uma tragédia, os nomes e as histórias se vão, e tudo parece congelado esperando um novo momento de liberdade, o mundo está sob um gelo espesso em que ninguém se move, tudo em suspenso, para lidar com a saída que será a nova liberdade depois da pandemia. O poema também está congelado, sob o gelo espesso da tragédia.

A tecnologia tenta contornar com seus movimentos este gelo, a vida tenta lutar em suas saídas possíveis, as vidas possíveis da pandemia, em seu isolamento que se move em meio ao gelo terrível da morte que nos paralisa, tudo em suspenso, na verdade, e esta verdade é a pandemia que mata cada dia e os que gritam de dor, podem ser ouvidos, mas o grito é seco, também congelado, num velório estranho e distante.

A pandemia não escolhe seus mortos, não há escrita coerente da carga viral, todos estão expostos, o caminho é brutal, pedregoso, acidentado, as mutações e caminhos são tortuosos, o mecanismo aleatório do vírus em seu caminho de morte e infecção é imprevisível, o imponderável é a noção mais gritante de lidar com uma pandemia, sabermos que existe algo que nos ultrapassa e que nos exige ação inteligente. A tragédia, por sua vez, não é uma lição do universo, é a natureza que age por suas próprias leis, como quando um vírus sai de uma feira e mata meio mundo.

O poema é este, e que a sobrevida da pandemia vire muita vida nesta nova liberdade que virá.

 

Poema em prosa – 28/12/2020 – Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/a-peste-poema-em-prosa 

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

POEMA DA MEMÓRIA

 A memória entra na tela

do poema como o ritmo

que lhe dá a face,

cada contorno forma

o seu corpo inteiro,

deste tecido mental

seu todo lhe dá

a proporção de

seu ato,


a memória, desta feita,

ergue a armadura

do poema em toda

a sua potência,

como um grande 

mármore que 

forma o monumento

de seu estro, este poeta

que lhe enforma, este,

o poema,


o estro, como esta habilidade

da memória de tornar criação

o que viu e aprendeu,

traduz este corpo inteiro

de vivência e conhecimento

como o poema, este seu ser

acabado e finalizado

como coda.


05/01/2021 Gustavo Bastos 

TERRORLAND

 As fantasmagorias 

que haviam no debrum

da dança das bruxas,

agora são a poção mágica

que acorda os demônios

da noite,


tétrica, a febre poética

fez seu canto da noite

em estro sinistro,


e tem vampiros e lobisomens,

espíritos errantes e almas

penadas, tem os seres

trevosos de que falavam

os antigos,


sim, tem o bode de chifres

e o diabinho azul

que lhe espeta

a bunda.


05/01/2021 Gustavo Bastos 

ARTE

 As catedrais do mundo

se erguem sob os ombros

de um gigante da arte,

os murais são pintados

com  a mestria de um artista,

sim, os grandes atos

são atos de arte,

a arte nos dá a completude

do ser em sua alma original,


veja, desde os tempos míticos

havia homero e seus mares,

desde as oceânides e nereidas

as artes eram febris,

havia muita arte

desde a suméria

até o egito,

havia arte em roma

e havia arte em toda

parte pela ática,


existe arte em toda parte

que se vê, desde a arte

mais simples, até este

poeta que fala de arte

fazendo arte.


05/01/2021 Gustavo Bastos 

DOM DE LÍNGUAS

 O dialeto que se fala aqui

não se compreende acolá,

um gole desta cerveja

holandesa recai sobre

estas sombras da insciência,


aprendi com o mestre dólar

a falar "I talk and understand",

mas não sei porra nenhuma

deste negócio de

business,


claro, fundando um negócio

da china, diria em língua

tonal de como todos

são surdos para

línguas tonais 

se não forem nativos,


eis-me aqui, seu cavalheiro,

que tem dom de línguas

na simulação de

um acadêmico

que conta piadas

e virou saltimbanco.


05/01/2021 Gustavo Bastos 

O SURGIMENTO DO MUNDO

De frente ao silêncio

que regia a meditação,

se notava, entre os

verdes e rosas e amarelos,

toda esta vastidão

de que goza a natureza 

em seu pacífico tear,


lá, entre a cidade de Roma,

que eu via em chamas,

a cidade de Londres,

batendo o big ben,

e a arquitetura

de Brasília,

eu entendi meu verde

detrás do concreto,


ao mármore ou ao aço,

de suas vigas e veios,

o cinzel cortante,

a goiva cansada,

vai uma folha com

a seiva bruta,

tão bruta,

que via as cidades 

herdando o bruto da pedra,

a brutalidade máxima

do arquiteto, depois da violenta

flora da cadeia alimentar,


a seiva bruta, dos sais

minerais ao ciclo da água,

os insetos e as aves,

todo este canto de São Francisco,

toda esta floração imortal,

era a paisagem do éden

na queda da árvore do conhecimento,

e se fez cidade, de sua dureza

o pecado do labor que

o corpo mortal herdou,

erguendo estas capitais

com capiteis de uma

Atenas de estatuária

e busto, de uma grande

cidade como Tóquio,

de Nova York

até Los Angeles,

e uma grande Dubai

desértica entre

os reinos perdidos

de Suméria e Acad.


05/01/2021 Gustavo Bastos  

HORAS DAS ASAS

 Vem nas horas sussurradas,

os olhos da íris como flecha,

os vinhos que correm

nos corações,


seta, ao alvo de maldade,

corroer a seita das

horas do sangue,


vai, o violento poema

com esta vinha certeira,

como um tiro,


dentre todos os sinos

do castelo, o grande

e central acordava

o meu pássaro,


este do coração de ouro,

o pássaro do centro

do universo, e seu

canto era a origem

de tudo.


05/01/2021 Gustavo Bastos 

VIAGEM ALUCINADA

Como que em Paris ou Babilônia,

eu estava sob névoa,

os odres cheios

e meu peito cheio.


Zás! Os socorristas de babylon

achavam os parisienses desbocados,

falam merd com os guizos no purê.


Detrás do teatro, aos haustos

do campo de trigo, os ossos

de meu corpo estalavam

em minha cena de

mecânica artaudiana.


Chefe dos sonhos :

os delírios das flores

caem da nuvem rosa,

flor tem espinho,

corta.


Paris brilha nas navegações

deste ímpio poeta,

babylon em meu dorso,

com o estouro da

boiada no

charlie hebdo.


05/01/2021 Gustavo Bastos