O mundo em convulsão com o surto de Wuhan, das feiras animais o que abre a besta-fera viral que se espalha ininterruptamente. Os corpos se infectam desta tosse que cai do pulmão e tapa a respiração, a tragédia mundial em sua escala tectônica.
O surto, seu nome : pandemia. Na China que entra em sua
convulsão mais intensa, a morte começa sua caminhada em Wuhan, os dias parecem
ser ainda tranquilos, as notícias não fazem alarde, tudo corre no ritmo do
mundo que labora dia a dia, ainda estamos vendo a normalidade fazendo a sua
rotina, não há sinal da devastação.
Vamos ao mundo em seu tear, no entanto, a doença se instala,
como um cancro, pela Europa, a vida tenta seguir, em vão, a Itália cai em sua
densidade e Bérgamo sofre como num ritual macabro, estamos vendo algo
histórico, a pandemia é oficial, não há mais a tranquilidade que imaginávamos
de algo que ficasse quieto como um pequeno surto local.
Caem mais corpos, a doença se espalha, os rostos ficam
contritos, o coração gela, a doença é fatal, a fatalidade toma todo o campo e
todo o ar, o ar nos falta, vamos para casa, não há nada além do quarto, a
distância vira um imperativo, não é inédito, as pestes são seculares, mas é
chocante, um mundo distópico é visto como nos romances ficcionais.
Mais corpos caem, o cheiro de morte toma o plano e o
noticiário é cada vez mais tétrico, a distopia é o delírio real desta morte
viral, o mundo convulsiona com toda a sua dor, as famílias enfrentam o
sofrimento, a prova de resiliência mundial vê na palavra esperança a mais pura
forma de superação, diante do inominável, e lidando com o imponderável.
O poema é o susto, o poema é o surto, a História será contada
com toda a sua dor dos que se foram sem poderem respirar, I can`t breathe! O
poema não pode respirar, ele é solidário com os mortos, a tragédia vem com toda
a sua força imensa de destruição, a pandemia nos toma a rotina e o pensamento,
a prova de vida vem por cada dia vivido.
A saída para respirar este ar que nos falta, a pandemia fecha
a respiração de todos, em seu isolamento, em seu distanciamento, a tragédia não
nos deixa respirar, o ar é poluído pelo cheiro de morte, o poema não silencia,
tenta respirar em meio da tragédia, as palavras tentam capturar o sentido, mas
não faz sentido, o frio cego do acaso leva estes corpos, estas vidas, estas
histórias, uma faca cega que corta e que ceifa, sem podermos prever a dimensão
exata de seu termo.
I can`t breathe, diz George Floyd, e os respiradores tentam
dar ar aos que estão internados, não há mais o que fazer a não ser precaver,
esperando a vacina, lidando com as fake news que se multiplicam, os remédios
falsos que são vendidos como panaceia, e o ridículo dos poderes em meio ao
caos.
A doença se espalha como rastilho de pólvora, a pandemia toma
a vastidão dos países, vi nestes noticiários o choro incontido dos que perderam
seus entes queridos, a dor vira a rotina de um enfrentamento humano, há um tipo
trágico de comunhão da pandemia, a humanidade na mesma lida diária, a doença
que ceifa vidas de forma bruta e constante, as estatísticas assustadoras e a
proporção gigantesca de uma coleção de mortes com nomes e histórias.
Não existe a luz da sabedoria que nos conduza a um oásis, é
uma tragédia, os nomes e as histórias se vão, e tudo parece congelado esperando
um novo momento de liberdade, o mundo está sob um gelo espesso em que ninguém
se move, tudo em suspenso, para lidar com a saída que será a nova liberdade
depois da pandemia. O poema também está congelado, sob o gelo espesso da
tragédia.
A tecnologia tenta contornar com seus movimentos este gelo, a
vida tenta lutar em suas saídas possíveis, as vidas possíveis da pandemia, em
seu isolamento que se move em meio ao gelo terrível da morte que nos paralisa,
tudo em suspenso, na verdade, e esta verdade é a pandemia que mata cada dia e
os que gritam de dor, podem ser ouvidos, mas o grito é seco, também congelado,
num velório estranho e distante.
A pandemia não escolhe seus mortos, não há escrita coerente
da carga viral, todos estão expostos, o caminho é brutal, pedregoso,
acidentado, as mutações e caminhos são tortuosos, o mecanismo aleatório do
vírus em seu caminho de morte e infecção é imprevisível, o imponderável é a
noção mais gritante de lidar com uma pandemia, sabermos que existe algo que nos
ultrapassa e que nos exige ação inteligente. A tragédia, por sua vez, não é uma
lição do universo, é a natureza que age por suas próprias leis, como quando um
vírus sai de uma feira e mata meio mundo.
O poema é este, e que a sobrevida da pandemia vire muita vida
nesta nova liberdade que virá.
Poema em prosa – 28/12/2020 – Gustavo Bastos, filósofo e
escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/a-peste-poema-em-prosa
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