PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 8 de março de 2013

O REI DAS SOMBRAS

Ele, como altiplano senhor se si,
revelou a esmeralda no sonho do véu,
fez a cisma desancar em luta de espadas.

O céu se transformou em rubra flor.
Caía seu espanto no dorso infeliz
de seus amores,
quais sóis divagavam
seus escravos,
senhor se si e senhor do mundo,
que tudo seja o maior medo de todos,
que as vagas estupendas
espalhem a maresia
pelo mundo inóspito
deste reino de sombras,
expôs o osso das restingas,
deambulou no rio do tédio
com a flor na boca do tempo,
remoeu as dores como relógio
de labor mecânico.

No seu reino de gelo,
ele tem a sede do desespero,
tem a fome de novo enredo,
e brada como come,
cospe e anda nu
pelo campo de sangue
de sua batalha de anjos,
sua veste é negra,
e cinza o seu coração.

08/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos) 

TEMPO E ETERNIDADE

Eu entendi o tempo,
ele age e reage
e nós não o temos,
sabemos de intuição
sua duração,
o seu passar é natural,
e nele pula
o espanto
de tudo que é
eterno.

08/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

BREVE ESTÓRIA

Breve, como o sal na ponta
do sol, o céu se esconde
no horizonte
e deita na praia,
contravento o momento
da dor pautada
em toda histeria,
vento do tempo
que delira
como amor trágico,
vento que venta,
frio que gela,
calor que queima!

TOURO FEROZ

Um touro dança na febre do sangue
com o mormaço do carmim,
ele golpeia sem susto
a agonia da pausa
para morrer.

Touro que balança de frente
ao sinal que jaz,
toda a flor seria cortada
em seus chifres,
a dor mais sofrida
em peito de fúria,
o touro e sua sede.

Mais um morre de mistério,
o touro pisa na flor do mistério,
sua fúria rola no chão do jardim,
atravessa a cabeça do toureiro
como vingado tormento
apaixonado.

O touro dos chifres de mistério,
sua luta de luto com veste de flama,
seu ódio intenso como sal
na terra da esperança.

08/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

CHUVA

A chuva é a respiração
do céu quando está cheio,
o céu expulsa sua água
já zangado de tanto
segurá-la,
e a chuva cai torrencial
e nos dá a sensação
frágil da tragédia
na cidade do caos.

08/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

PRESSENTIMENTO

Quão firme é o silêncio
na flor calma da palavra,
ela estonteia,
golpeia,
enfurece.

A paz silencia,
silente como o céu,
o infinito não se
revela senão
na imaginação,
a angústia
é de todos
os humanos,
estes que não sabem
o infinito,
mas o pressentem.

08/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

MUNDO MUDO

No profundo de si,
busca qual louco
o sentido,
busca em si e no outro
o mundo,
está no mundo,
e observa o céu
mudo.

08/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

MANSIDÃO

Febre à toa, luta à toa,
chora o quente do calor,
o coração pranteia
plangente,
a flor nubente
se casa com o
sol nascente,
e o leito do rio
é manso
como uma
nuvem.

08/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

TRADUÇÃO

Como no pincel que encanta,
e o cinzel que espanta,
vou de verso em verso
com a ponta do meu dedo,
a mão trabalha,
e a boca busca.

A mão do pincel,
a mão do cinzel,
é a mesma mão
do verso.
Um encanta,
outro espanta,
e o último traduz.

08/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

ADAGA

Sofro calado a fúria da adaga,
ela entra diante do meu espanto,
entra no meu peito silencioso,
como uma máquina de punhal
ela entra,
destrói meu ser inteiriço
como um dente podre
caindo de minha boca,
entra no meu peito
como garra de leopardo
na selva de minha dor.

08/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

APLAUSO DO VAZIO

Eu aplaudi a falta de senso,
aplaudi o tormento,
comemorei o desalento.
De quê adiantou?

O corpo se fere na hora inaudita,
os faróis se acendem
quando o poeta delira,
e a pena aturdida,
como cobra que rasteja,
morde e inocula
um veneno de vida
onde tudo é verso
e o sonho é tão certo.

Aplaudo o meu silêncio,
a a vaia é o rito
do intento.

07/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

SOLO FÉRTIL

A alcova dormita,
como um tempo ignoto.
A vida levita,
como o poema
que grita.

Nas dores queimadas
de sol,
um mesmo poema
dorme nas mãos
de um solo fértil.

07/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

FINAL FELIZ

Espero o amor incerto,
a desrazão do drama,
o desespero da tragédia.

Espero o amor imenso,
um flor na testa,
e o final feliz.

07/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

LUZ SOLAR

Pelo rio que desce
a cor violeta
observa
o caos da
água.

Pelo mar que sobe
as pernas molham
e o olhar se perde
ao fotografar
a luz solar.

07/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

NOITE INDESEJADA

Encontrei a flor do sol
no alto da montanha.

O infinito é este:
Manso, calmo e inesgotável.
Infinito que está além de mim,
infinito que me criou
e que está em mim.

Encontrei a flor da lua
no pé da montanha.

A morte é esta:
Como a noite indesejada
de todos que querem
ser eternos.

07/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

LOUCURA DO DESEJO

Se dor é teu destino,
me passe dentro de ti.

Como um sinal pelo avesso,
me aproxime dentro de ti,
com o sol na boca
e meu peito em tua nuca,
com o livro ao lado
para as horas
menos loucas.

07/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

segunda-feira, 4 de março de 2013

BECKETT, GODOT E O ABSURDO

Samuel Beckett, dramaturgo e escritor irlandês, foi uma das maiores influências para o teatro do século XX, chegando a receber o prêmio Nobel de Literatura de 1969. Beckett foi um dos principais autores do denominado Teatro do Absurdo, termo criado pelo crítico húngaro Martin Esslin ao publicar o livro Teatro do Absurdo para definir a produção teatral de autores como o próprio Samuel Beckett, além de Eugène Ionesco, Jean Genet e Arthur Adamov, sendo incluído neste time, posteriormente, Harold Pinter, onde podem entrar nomes, também, como Antonin Artaud e Fernando Arrabal.
A produção beckettiana foi uma das principais expressões do Teatro do Absurdo, onde se pode encontrar uma intensa crítica à modernidade, numa estética minimalista presente em sua peça mais famosa Esperando Godot, minimalismo que irá se intensificar em sua obra posterior. 

Segundo o crítico Esslin, o inaugurador desta tendência que ele denomina Teatro do Absurdo, foi Alfred Jarry, dramaturgo francês criador da patafísica, o qual escreveu a peça Ubu Rei, de 1896. Podemos dizer que o Teatro do Absurdo reúne características como: uma mistura de mimodramas, commedia dell`arte, espetáculos de Vaudeville e Music Hall, uma comédia nonsense influenciada pelo dadaísmo e surrealismo, imagens horríveis e trágicas, situações sem solução, ações repetitivas, jogo de palavras e diálogos repletos de clichês. E o reflexo principal deste tipo de teatro: a incomunicabilidade do homem moderno, onde há uma ruptura radical com a dramaturgia realista tradicional.

Beckett recebeu sua influência mais forte do escritor, também irlandês, James Joyce, o qual Beckett conheceu em Paris. Sua peça Esperando Godot, sua obra mais importante, estreou em Paris em 1953, causando estranheza, sobretudo na crítica, mas sendo aclamada com o passar do tempo e suas inúmeras montagens, incluindo aí a sua estreia no Brasil, encenada pelo EAD (Escola de Arte Dramática) e a encenação com Cacilda Becker em 1969.
A peça Esperando Godot é de uma simplicidade aparente. Dois atos em dois dias, esta é sua estrutura, o cenário sendo constituído por uma árvore e nada mais, dois personagens principais em que gira o diálogo: Vladimir e Estragon. Além dos personagens Pozzo e Lucky, e um menino que vem trazer notícias de Godot em duas pequenas aparições nos dois atos da peça.
Digo que a peça tem uma simplicidade aparente, pois nela reside um motivo complexo, o personagem que na verdade não é personagem, pois não aparece na peça, o famigerado Godot, que dá título à peça, o qual é esperado angustiosamente pelos clowns vagabundos Vladimir e Estragon. Vladimir com sua consciência espiritual de poeta arruinado, e Estragon como o contraponto terreno de Vladimir, gravitando ao redor de uma pedra, sempre caindo no sono e com calos nos pés. A entrada de Estragon no início da peça é emblemática, com sua primeira fala, depois de tentar, inutilmente, tirar uma das botas: "Nada a fazer."
Numa espera sem sentido por Godot, Vladimir e Estragon tentam preencher o vazio da espera com diálogos sem sentido, reflexo da falta de sentido da própria espera por Godot, culminando em especulações inúteis até sobre suicídio, solução possível para o fim da espera. A ausência de enredo vem daí: não há uma ação no sentido convencional, o teatro de enredo e desenlace são rompidos nesta peça de Beckett, não há conclusão, não há sobretudo solução para a espera de Vladimir e Estragon. O desenlace não acontece, não há catarse aristotélica, a tragédia de Vladimir e Estragon, sua ausência de sentido, são a sua comicidade, comédia dos gestos e das marcações da peça, comicidade da alienação dos personagens, a qual só é quebrada por dois momentos, com a intervenção dos personagens Pozzo e Lucky, os quais são uma alegoria da dicotomia Senhor-Escravo que vemos em Fenomenologia do Espírito de Hegel, alegoria que estará presente em toda a peça, com alusões bíblicas.

Pozzo vem com a imagem aristocrática numa relação arrogante com o mudo e submisso Lucky, que só se manifesta uma vez para fazer um discurso nonsense em que reúne toda a História humana num golpe de loucura, Lucky age automaticamente pelas ordens de Pozzo, um precisa do outro, Vladimir e Estragon tem nos dois um passatempo, que logo é uma fuga para a falta de sentido, o movimento da peça é feito pela espera de Vladimir e Estragon, e suas ações amalucadas em torno de Pozzo e Lucky são apenas um desvio da angústia Godot.
Beckett realiza em Esperando Godot uma divertida momice para disfarçar a angústia e o vazio da existência dos personagens da peça. O cômico dá o ar superficial da tragédia humana da falta de sentido, o absurdo da existência tem na fuga da comédia uma boa cena para o beco sem saida de Godot, personagem ou presença do vazio que é a vida de Vladimir e Estragon, onde nada acontece e tudo termina sem final. A peça acaba com os dois saindo para o nada, não tem o que fazer, e Godot não vem. Beckett torna a peça o reflexo das diversas situações absurdas da vida, e consuma tal absurdo na ideia de indefinição, indecisão, e sobretudo de vazio existencial. Nada a fazer, como diz Estragon. Godot é apenas um alguém que preenche a falta de sentido de Vladimir e Estragon, o que compõe toda a peça.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.