Samuel Beckett, dramaturgo e escritor irlandês, foi uma das maiores
influências para o teatro do século XX, chegando a receber o prêmio
Nobel de Literatura de 1969. Beckett foi um dos principais autores do
denominado Teatro do Absurdo, termo criado pelo crítico húngaro Martin
Esslin ao publicar o livro Teatro do Absurdo para definir a produção
teatral de autores como o próprio Samuel Beckett, além de Eugène
Ionesco, Jean Genet e Arthur Adamov, sendo incluído neste time,
posteriormente, Harold Pinter, onde podem entrar nomes, também, como
Antonin Artaud e Fernando Arrabal.
A produção beckettiana foi uma das principais expressões do Teatro do
Absurdo, onde se pode encontrar uma intensa crítica à modernidade, numa
estética minimalista presente em sua peça mais famosa Esperando Godot,
minimalismo que irá se intensificar em sua obra posterior.
Segundo o crítico Esslin, o inaugurador desta tendência que ele denomina Teatro do Absurdo, foi Alfred Jarry, dramaturgo francês criador da patafísica, o qual escreveu a peça Ubu Rei, de 1896. Podemos dizer que o Teatro do Absurdo reúne características como: uma mistura de mimodramas, commedia dell`arte, espetáculos de Vaudeville e Music Hall, uma comédia nonsense influenciada pelo dadaísmo e surrealismo, imagens horríveis e trágicas, situações sem solução, ações repetitivas, jogo de palavras e diálogos repletos de clichês. E o reflexo principal deste tipo de teatro: a incomunicabilidade do homem moderno, onde há uma ruptura radical com a dramaturgia realista tradicional.
Beckett recebeu sua influência mais forte do escritor, também irlandês, James Joyce, o qual Beckett conheceu em Paris. Sua peça Esperando Godot, sua obra mais importante, estreou em Paris em 1953, causando estranheza, sobretudo na crítica, mas sendo aclamada com o passar do tempo e suas inúmeras montagens, incluindo aí a sua estreia no Brasil, encenada pelo EAD (Escola de Arte Dramática) e a encenação com Cacilda Becker em 1969.
A peça Esperando Godot é de uma simplicidade aparente. Dois atos em
dois dias, esta é sua estrutura, o cenário sendo constituído por uma
árvore e nada mais, dois personagens principais em que gira o diálogo:
Vladimir e Estragon. Além dos personagens Pozzo e Lucky, e um menino que
vem trazer notícias de Godot em duas pequenas aparições nos dois atos
da peça.
Digo que a peça tem uma simplicidade aparente, pois nela reside um
motivo complexo, o personagem que na verdade não é personagem, pois não
aparece na peça, o famigerado Godot, que dá título à peça, o qual é
esperado angustiosamente pelos clowns vagabundos Vladimir e Estragon.
Vladimir com sua consciência espiritual de poeta arruinado, e Estragon
como o contraponto terreno de Vladimir, gravitando ao redor de uma
pedra, sempre caindo no sono e com calos nos pés. A entrada de Estragon
no início da peça é emblemática, com sua primeira fala, depois de
tentar, inutilmente, tirar uma das botas: "Nada a fazer."
Numa espera sem sentido por Godot, Vladimir e Estragon tentam preencher
o vazio da espera com diálogos sem sentido, reflexo da falta de sentido
da própria espera por Godot, culminando em especulações inúteis até
sobre suicídio, solução possível para o fim da espera. A ausência de
enredo vem daí: não há uma ação no sentido convencional, o teatro de
enredo e desenlace são rompidos nesta peça de Beckett, não há conclusão,
não há sobretudo solução para a espera de Vladimir e Estragon. O
desenlace não acontece, não há catarse aristotélica, a tragédia de
Vladimir e Estragon, sua ausência de sentido, são a sua comicidade,
comédia dos gestos e das marcações da peça, comicidade da alienação dos
personagens, a qual só é quebrada por dois momentos, com a intervenção
dos personagens Pozzo e Lucky, os quais são uma alegoria da dicotomia
Senhor-Escravo que vemos em Fenomenologia do Espírito de Hegel, alegoria
que estará presente em toda a peça, com alusões bíblicas.
Pozzo vem com a imagem aristocrática numa relação arrogante com o mudo e
submisso Lucky, que só se manifesta uma vez para fazer um discurso
nonsense em que reúne toda a História humana num golpe de loucura, Lucky
age automaticamente pelas ordens de Pozzo, um precisa do outro,
Vladimir e Estragon tem nos dois um passatempo, que logo é uma fuga para
a falta de sentido, o movimento da peça é feito pela espera de Vladimir
e Estragon, e suas ações amalucadas em torno de Pozzo e Lucky são
apenas um desvio da angústia Godot.
Beckett realiza em Esperando Godot uma divertida momice para disfarçar a
angústia e o vazio da existência dos personagens da peça. O cômico dá o
ar superficial da tragédia humana da falta de sentido, o absurdo da
existência tem na fuga da comédia uma boa cena para o beco sem saida de
Godot, personagem ou presença do vazio que é a vida de Vladimir e
Estragon, onde nada acontece e tudo termina sem final. A peça acaba com
os dois saindo para o nada, não tem o que fazer, e Godot não vem.
Beckett torna a peça o reflexo das diversas situações absurdas da vida, e
consuma tal absurdo na ideia de indefinição, indecisão, e sobretudo de
vazio existencial. Nada a fazer, como diz Estragon. Godot é apenas um
alguém que preenche a falta de sentido de Vladimir e Estragon, o que
compõe toda a peça.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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