“a montanha pariu um rato”
A formação da terceira via para as eleições de 2022 foi conturbada, com indefinições que se demonstraram cada vez mais problemáticas, e com trajetórias de outsiders que foram submersos pelos meandros da política tradicional, em que os méritos da derrocada são inalienáveis, pois alguns destes personagens tropeçaram nas próprias pernas.
O exemplo mais acabado de desastre político, talvez o caso mais emblemático de uma sucessão de decisões erradas e que fizeram suas ambições naufragarem, é a de Sergio Moro. Muito exemplar, pois, de um gigante na atuação de uma Lava-Jato como juiz federal na Vara de Curitiba, com autonomia que lhe permitiu o arbítrio muitas vezes, politizando o processo jurídico envolvendo políticos até o paroxismo, e culminando com o vazamento desta inflexão tendenciosa com a divulgação feita pela chamada Vaza-Jato do Intercept, virou um anão político, encalacrado nas próprias escolhas equivocadas.
Quando Moro atuava na 13 ª Vara Federal de Curitiba, o então juiz federal dizia que nunca entraria para a política, e teve gente que comprou esta conversa fiada, sem bem perceber os movimentos tanto do juiz como de Dallagnol para se projetarem no cenário nacional, o que certamente não era um altruísmo jurídico a troco de nada, uma vez que tudo é e sempre se trata de política, e como ela é, não se iludam.
Primeiro, se alegava a candidatura de Sérgio Moro para uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), mais uma vez com este afetando desinteresse por cargos eletivos. E a conversa mole de Sérgio Moro perdurou até a sua adesão ao bolsonarismo e a sua nomeação como Ministro da Justiça do governo recém-eleito de Jair Bolsonaro.
O erro estratégico, contudo, foi se consolidando na disputa do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), quando Jair Bolsonaro transferiu o conselho do Ministério da Justiça para o Ministério da Economia, mediante a aprovação de uma MP (Medida Provisória) no Congresso Nacional, em 2019, com o intuito de proteger o clã Bolsonaro, isto é, seus filhos, das investigações que estavam em curso no Coaf sobre o caso das rachadinhas, sobretudo, no gabinete do ex-deputado estadual Flávio Bolsonaro, agora no Senado Federal.
Começou, então, uma discussão entre o presidente e o ministro em torno de uma decisão liminar do Supremo que poderia afetar todo o sistema de investigações, e que foi tomada com o objetivo de proteger Flávio Bolsonaro. Por sua vez, esta transferência do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) do Ministério da Justiça e Segurança Pública para o Ministério da Economia, com esta transferência incluída pela comissão mista que analisou a MP (Medida Provisória), incluiu a rejeição de um destaque do Podemos que visava manter a redação original da MP e manter o Coaf sob responsabilidade da pasta comandada pelo ministro Sergio Moro.
Em seguida, ainda em 2019, o Plenário do Senado aprovou por MP (Medida Provisória) a transferência do Coaf do Ministério da Economia para o Banco Central (BC) e que reestruturou o órgão. O Coaf foi criado em 1998 como um órgão de inteligência financeira e tem a atribuição de produzir informações para o combate à lavagem de dinheiro, e pode aplicar penas administrativas contra entidades do sistema financeiro que não enviem relatórios necessários ao trabalho de inteligência do órgão e ao analisar amostras de informes recebidos em que se detecta suspeita de crime, o caso é encaminhado pelo Coaf ao MPF (Ministério Público Federal).
No âmbito do Coaf e da decisão liminar citada, isto envolveu a insatisfação de Jair Bolsonaro com a postura do então presidente do órgão, Roberto Leonel, aliado de Sergio Moro, e que tinha atuado junto ao ex-juiz federal na Lava-Jato. O fato se deveu às críticas de Leonel à decisão do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que suspendeu investigações criminais que estavam usando dados do Coaf, da Receita Federal e do Banco Central, sem autorização judicial.
A decisão de Toffoli foi devido a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro, relacionado a investigações em curso pelo Coaf sobre movimentações suspeitas de ex-assessores do antigo gabinete de Flávio na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), principalmente de Fabricio Queiroz, ex-assessor de Flávio na Alerj, em que as movimentações foram consideradas incompatíveis ao patrimônio deste mesmo ex-assessor.
As movimentações do presidente Jair Bolsonaro sobre o Coaf e também sobre a PF (Polícia Federal) provocaram um desgaste no então ministro Sergio Moro, que de pretenso superministro passou de ministro manietado e fustigado pelo próprio presidente da República.
Moro se viu acossado pela perda de prestígio de aliados e derrotas de projetos defendidos por ele, como os de seu pacote anticrime. Os projetos derrotados incluem a derrota do plea bargain, que é um tipo de solução negociada entre o Ministério Público, o acusado de um crime e o juiz, e a derrota de prisão por condenação em segunda instância, o que desidratou o projeto original de Sergio Moro, por obra de um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados, que analisou o pacote anticrime do então ministro da Justiça.
No âmbito da PF (Polícia Federal), o presidente Jair Bolsonaro interveio na escolha do chefe da superintendência da PF no Rio de Janeiro, desautorizando o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, este que foi indicado ao cargo por Sergio Moro, e havia trabalhado com o ministro na Lava-Jato. Bolsonaro acabou recuando, neste caso, pois a interferência do presidente na nomeação de cargos internos da PF poderia tirar o crédito da instituição, até a tentativa posterior de nomeação por Bolsonaro de Alexandre Ramagem como diretor-geral da PF, nomeação suspensa pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes.
No Coaf o objetivo era retirar Roberto Leonel da presidência do órgão, e manietar Moro de seu objetivo que era o de colocar o Coaf como peça-chave na sua proposta de combate à corrupção. O enfraquecimento sistemático de Sergio Moro na sua passagem pelo governo de Jair Bolsonaro se deveu a uma saraivada de derrotas, com projetos derrotados e derrubados tanto no Congresso Nacional como por decisões do STF (Supremo Tribunal Federal).
O golpe final foi dado, por sua vez, na exoneração do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, do cargo, em que se alegou que foi feito a pedido do próprio por decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Justiça Sergio Moro, e publicado no Diário Oficial da União. Moro foi supreendido, pois a exoneração não foi a pedido, pois ele não tinha assinado a demissão, ou seja, era uma atitude deliberada do presidente Jair Bolsonaro. O cargo, sendo de livre nomeação do presidente, não tinha a necessidade de assinatura deste despacho por parte do ministro Moro.
Esta exoneração de Valeixo levou à consequente saída de Sergio Moro do ministério da Justiça, anunciando a sua demissão em entrevista. Sergio Moro saiu atirando, e a repercussão se deu pela colocação do ex-ministro em que disse que o presidente estava fazendo obstrução da justiça, querendo intervir na Polícia Federal, para que esta ficasse a serviço dos interesses do presidente, por exemplo, na proteção contra investigações em relação a seus filhos.
Agora em 2022, Sergio Moro se lançou como possível candidato a presidente da República pelo Podemos. Contudo, acabou saindo do partido e se filiando no União Brasil, em que buscava melhores condições para a sua candidatura, mas acabou sendo fritado por correligionários, que tinham outros interesses para o partido, e o presidente do partido, Luciano Bivar, acabou acatando a decisão da legenda, lançando-se a seguir como candidato a presidente, e depois saindo para dar lugar à candidatura agora oficial de Soraya Thronicke.
Sergio Moro acabou tendo que buscar um outro caminho no União Brasil, e este fato de ter sido limado de sua candidatura na legenda já era um fiasco, e que piorou ao se deparar com a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo de vetar a sua transferência de domicílio eleitoral para o Estado de São Paulo, tendo que se lançar politicamente no Paraná, tendo que enfrentar uma máquina política comandada pelo governador bolsonarista e candidato à reeleição Ratinho Júnior, do PSD, e concorrer ao Senado contra Álvaro Dias, do Podemos, seu ex-partido.
Parece que o faro de oportunidade para um carreirista como Sergio Moro faltou em 2018, pois aquele era o momento dele rasgar a fantasia e se lançar como presidenciável competitivo, surfando na onda de seu sucesso na Lava-Jato, que ainda estava em alta na opinião pública. Contudo, ele se encalacrou em uma contradição nevrálgica ao entrar no governo de Jair Bolsonaro, e ser manietado pelo próprio presidente, ao invés de se tornar superministro e concorrer a uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal). Seu enfraquecimento se agravou, depois de sua saída do governo Bolsonaro, ao ver a sua obra maior, seu Opus, a Operação Lava-Jato, ser descontinuada, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou a Vara de Curitiba como incompetente para ter feito os processos contra políticos condenados pela operação, com o resgate do juiz natural, e com vários processos sendo extintos.
O final melancólico desta trajetória desastrada, é que o tal Super-Moro, que tinha um boneco inflável na rua, um novo Torquemada ou Savonarola da Operação Mãos Limpas, com afetações americanizadas e pretenso Mani pulite tupiniquim, virou um anão político, sendo reduzido em suas ambições, por fim, no União Brasil, lidando com um covil de raposas que fizeram Moro de gato e sapato, sem mais. E cabe uma frase bem conhecida e que define bem esta trajetória repleta de escolhas e decisões que representam um desastre tático e estratégico : a montanha pariu um rato.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/o-desastre-politico-de-moro