PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

GÓNGORA E SUA POSIÇÃO HISTÓRICA


“um dos poetas mais representativos do Maneirismo europeu”

O ESTILO E OS RECURSOS LITERÁRIOS

Góngora era um poeta que escrevia através do espanhol imperial, este que então tinha uma influência latina, esta originária do latim literário, e então temos que a poesia gongórica aparecia com um estilo que evocava esta origem latina, por exemplo, nos hipérbatos, seja na anteposição dos predicados ou predicativos ao verbo de ligação, ou ainda na separação dos adjetivos de seus substantivos, na imitação gongórica de poetas e prosadores latinos.
No caso deste latinismo temos exemplos já no século XV, indo ao século XVII com Juan de Mena e desembocando em Garcilaso. Por fim, o hipérbato adere ao estilo gongórico, isto é, mais do que um latinismo, é o próprio estilo ou “maneira” de Góngora.
Por sua vez, Góngora obscurece suas orações com ablativos absolutos, saindo da pureza clássica, fazendo uma poesia de estilo elevado que fazem parecer obra em que a virtude poética transborda, e que nas correntes literárias que viriam depois virou afetação e mau gosto.

INOVAÇÃO BARROCA

As alusões mitológicas em Góngora faz palavras representativas de um sentimento ou de um fenômeno ser referida a um deus específico do panteão, tais como usar Cupido como o amor ou Marte como a guerra, dentre inúmeras formas mais em que tal estilo gongórico se expande.
No Barroco espanhol temos um tema positivo e outro negativo, e que resulta no caso de Góngora no paroxismo dos temas de beleza e teratologia, pois, por exemplo, o poeta nos apresenta a beleza de Galateia, e depois nos joga na monstruosidade de Polifemo, o ciclope, colocando este elemento nocivo ao que era somente beleza, tal como no caso originário de Petrarca. Agora, em Góngora, a imagem da beleza era contrastada com imagens de violência.
Tal contraste é o que faz, por fim, o estilo barroco, e que se torna a maneira de Góngora, aqui, por fim, quando o Barroco é também nomeado Maneirismo, e que na época era uma renovação literária em relação ao estilo clássico, purista, tendo aqui também em Góngora o paroxismo do uso de som e cor.
A poesia de Góngora, por ser abstrusa, isto é, obscura, era uma poesia para leitores ilustrados, não era uma poesia vulgar ou propriamente popular, e sua poesia é de difícil leitura até hoje, num rebuscamento que exige um preparo específico para entender os processos desta poesia.

O POETA E A HISTÓRIA

Góngora sempre foi muito combatido por outros escritores de envergadura como Quevedo e Lope de Vega, e outros um tanto menores, como Jáuregui, mas ainda assim conseguiu ter uma influência imensa sobre a literatura espanhola, indo também tal presença entrar na literatura portuguesa e brasileira, neste caso do Brasil se estendendo até meados do século XVIII, e que foi presente em poetas como Gregório de Matos, e no gongorismo inicial de Cláudio Manuel da Costa, que logo aderiu ao Neoclassicismo, com tal moda jogando o gongorismo no terreno do mau gosto, somente sendo reabilitado com a eclosão do Simbolismo.
Historicamente, afirma-se que a reabilitação do poeta Góngora começou com Verlaine e se estendeu aos modernistas, já associado a Mallarmé, e por fim ganhando corpo na geração de García Lorca. Temos que uma definição histórica mais precisa de Góngora se dá depois disso, que é o de ser um dos poetas mais representativos do Maneirismo europeu, tendo sido uma influência potente em Portugal e no Brasil até o Arcadismo.

POEMAS :

SOLEDADES (FRAGMENTOS)

CORO I : [Fragmentos do hino nupcial] : O hino nupcial vem todo empolgante, com o estro do poeta que vem iluminado ao himeneu, no que temos : “Vem, Himeneu, vem aonde te espera/Sem olhos e sem asas um Cupido,/Cujo cabelo intonso docemente/Nega a penugem que a tez lhe há vestido :/Penugem, flores de sua primavera,/Cabelo, raios de sua fronte ardente.”. O poema é todo harmônico, amoroso, o belo jovem comparado a um Cupido em charme, e a bela que é Psiquê, já em segunda idade, no que temos : “A bela, agora,/Nos de sua segunda idade escassos/Crepúsculos, vinculem-na teus laços/Ao quente anseio seu./Vem, Himeneu, ó vem; vem, Himeneu.””. O hino é todo esteta, como do estro rebuscado mestre é Góngora, pois.

CORO II : Segue mais um coro de himeneu, no que vem : “Vem, Himeneu, aonde entre arrebóis/De honesto rosicler, previne o dia/Aurora – de olhos em vencer não vãos –/Virgem tão bela, que fazer podia/Tórrida a Noruega com dóis sóis,/E alvejante a Etiópia com duas mãos.”. Beleza que inverte o clima de extremos do mundo, na linguagem alegórica e metafórica do poeta, por fim, temos : “De suas faces, sempre pudorosas,/Purpúreo são troféu./Vem, Himeneu, oh vem; vem, Himeneu.”
[A corrida] : O poema elenca a veloz corrida, no que seus corredores são homenageados, aqui, no que temos : “E premiados gradualmente,/Para si advocaram toda a gente/_ Aquilões da planície e austros da serra _/Mancebos tão velozes/Que quando Ceres mais redoura a terra/E das grutas do fundo argenta o mar/Netuno, sem fadiga/Seu vago pé de pluma/Messes sulcar pudera, ondas pisar,/Sem inclinar espiga,/Sem violar espuma./Duas vezes eram dez, e dirigidos/A dois olmos que querem, abraçados,/Ser pálios verdes, ser frondosas metas,/Saem como de torcidos/Arcos, ou bem de nervo, ou acerados,/Duas vezes dez, com igual silvo, setas.”. Tais velozes mancebos, quais setas, correm por todo o poema, e a mitologia aqui os corrobora, com estupefação.

SOLEDADE SEGUNDA

[Foz à imagem de novilho] : O mar aqui é retratado como um ente que retira a água doce do arroio que se precipita, no que temos : “Entra o mar num arroio que o recebe,/E a recebê-lo com sedento passo/De sua rocha natal se precipita,/E muito sal não só em vaso escasso,/Mas sua ruína bebe,/E seu fim, cristalina mariposa/_ Não de asas, mas undosa _/No candeeiro de Tétis solicita./Muros desmantelando, pois, de areia,/Centauro já espumoso o Oceano/_ Meio foz, meio mar _/Duas vezes por dia pisa o plano/A pretender o monte em vão galgar,/Do qual é doce veia/A tarde já torrente/Arrependida, e até retrocedente.”. A mescla aqui se faz, meio foz, meio mar, torrente de centauro espumoso, por fim.

[Pesca] : Os peixes aqui desfilam, e o apetite é despertado, um poema sui generis da pena de Góngora nos nasce aqui, numa descrição deliciosa, no que temos : “Malhas vestem de cânhamo o linguado,/Quando, na pele lúbrica fiado,/O congro que, liso, viscoso a par,/As teias quis burlar,/tecido nelas terminou burlado.” (...) “Salmão que as mesas régias glorifica,/Senão os campos de Netuno frio,/E o travesso robalo,/Guloso de idos Cônsules regalo.”. O regalo está posto, e o poema é luminoso e genial.
Sem título : Baco renasce, e o poema descreve aqui  este cenário  do deus grego, e os choupos, então, coroam o solo de lírios, no que temos : “Seis choupos, por seis heras abraçados,/Tirsos eram do grego deus, nascido/Segunda vez, que em pâmpanos desmente/Os cornos de sua frente;” (...) “Coroam eles todo o encanecido/Solo de lírios, que em flocos fragrantes/Nevou maio, os seis choupos nada obstantes.” (...) “Com as mesas, cortiças já levianas/Da árvore que à primeira idade dera/Duro alimento, porém sono brando.”. O poema báquico aqui é ao mesmo tempo delicado, numa descrição suave com carga metafórica e mitológica própria do estro gongórico.

[Saída de um grão senhor para a caça de cetraria] : A trompa ecoa, a porta alta da muralha se abre, no que segue o poema : “Chave de alta porta/O claro som – vencido o fosso breve –/Levadiça ofertou ponte não leve,/Tropa inquieta contra o ar armada,” (...) “Verde, não mudo coro/De caçadores era,/Cujo número indigna a riba austera./Ao Sol ergueu apenas a ampla frente/O veloz filho ardente/Do zéfiro lascivo/_ Cuja fecunda mãe ao genitivo/Sopro vestindo membros, Guadalete/Flórea ambrosia ao vento deu ginete _/Que a muito fumo abrindo/O fogoso nariz, em um sonoro/Relincho e outro mais saudou seus raios.”. Um coro ruidoso de caçadores, segue o filho veloz do zéfiro lascivo (o cavalo), em que o rio Guadalete, já dá a esse vento florida ambrosia, no que segue : “Entre o confuso, pois, rumor tremendo/Dos cavalos, produz rude harmonia/Quanta a bem generosa cetraria/Da Mauritânia desde, até à Noruega,/Insídia ceva alada,/Sem luz, nem sempre cega,/Não livre, mas nem sempre aprisionada,/Que a ver o dia volve/As vezes que, em custódia ao vento dada,/Sua prisão repete e o vento solve./O nebri, que, relâmpago na pluma,/Raio na garra, o ninho não sabido,/O Olimpo oculta ou nuvem é espessa/Que pisa, quando apressa,/Trás da garça argentada, o pé de espuma./Eis o sacre, as do noto asas vestido,/Sangrento cíprio, ainda que nascido/Com as pombas, ó Vênus, de teu carro.”. Segue o tropel dos cavalos, faz harmonia rude a insídia alada, os falcões,  ena arte da cetraria, que vai da Mauritânia à Noruega, temos os falcões então que voltam a ver a luz, e o poema segue em estro mitológico até o sacre nascido com as pombas do carro de Vênus.

Sem título : O príncipe aqui se engrandece com sua linhagem de sangue ilustre e augusto na pessoa, mas com sua moderação segue mais brando em relação aos paramentos e lisonjas que advém de sua posição, no que segue : “Em sangue claro e na pessoa augusto,/Se em membros não robusto,/Príncipe lhes sucede, abreviada/Em modéstia civil real grandeza./A espumosa do Bétis ligeireza/Bebeu não só, porém a desatada/Majestade em suas ondas, o luzente/Cavalo que colérico mordia/O ouro que suavemente o enfreava/Arrogante, e não já pelas que dava/Estrelas sua cerúlea pele ao dia,/Senão pelo que sente/De esclarecido, régio e sem senão/Na própria rédea que beija a alta mão,/De cetro digna.”. O poema descreve aqui o cavalo que arrogante morde o seu freio de ouro, no que, no entanto, por fim, se destaca que o soberano é reconhecido em seu esclarecimento e é digno de empunhar um cetro, pois.

POEMAS :

SOLEDADES (FRAGMENTOS)

CORO I

[Fragmentos do hino nupcial]

Vem, Himeneu, vem aonde te espera
Sem olhos e sem asas um Cupido,
Cujo cabelo intonso docemente
Nega a penugem que a tez lhe há vestido :
Penugem, flores de sua primavera,
Cabelo, raios de sua fronte ardente.
Menino amou a que ama adolescente
Aldeã Psique, ninfa lavradora
De Ceres, a tostada. A bela, agora,
Nos de sua segunda idade escassos
Crepúsculos, vinculem-na teus laços
Ao quente anseio seu.
Vem, Himeneu, ó vem; vem, Himeneu.
....................................................................

CORO II

Vem, Himeneu, aonde entre arrebóis
De honesto rosicler, previne o dia
Aurora – de olhos em vencer não vãos –
Virgem tão bela, que fazer podia
Tórrida a Noruega com dois sóis,
E alvejante a Etiópia com duas mãos.
Cravos de abril, rubis dos temporãos,
Quantos engasta o ouro do cabelo,
Quantas – de um já e de outro colo belo
Cadeias – a concórdia enlaça rosas,
De suas faces, sempre pudorosas,
Purpúreo são troféu.
Vem, Himeneu, oh vem; vem, Himeneu.

[A corrida]

E premiados gradualmente,
Para si advocaram toda a gente
_ Aquilões da planície e austros da serra _
Mancebos tão velozes
Que quando Ceres mais redoura a terra
E das grutas do fundo argenta o mar
Netuno, sem fadiga
Seu vago pé de pluma
Messes sulcar pudera, ondas pisar,
Sem inclinar espiga,
Sem violar espuma.
Duas vezes eram dez, e dirigidos
A dois olmos que querem, abraçados,
Ser pálios verdes, ser frondosas metas,
Saem como de torcidos
Arcos, ou bem de nervo, ou acerados,
Duas vezes dez, com igual silvo, setas.

SOLEDADE SEGUNDA

[Foz à imagem de novilho]

Entra o mar num arroio que o recebe,
E a recebê-lo com sedento passo
De sua rocha natal se precipita,
E muito sal não só em vaso escasso,
Mas sua ruína bebe,
E seu fim, cristalina mariposa
_ Não de asas, mas undosa _
No candeeiro de Tétis solicita.
Muros desmantelando, pois, de areia,
Centauro já espumoso o Oceano
_ Meio foz, meio mar _
Duas vezes por dia pisa o plano
A pretender o monte em vão galgar,
Do qual é doce veia
A tarde já torrente
Arrependida, e até retrocedente.

[Pesca]

Malhas vestem de cânhamo o linguado,
Quando, na pele lúbrica fiado,
O congro que, liso, viscoso a par,
As teias quis burlar,
tecido nelas terminou burlado.
As redes menos grossas qualifica
Sem romper nenhum fio,
Salmão que as mesas régias glorifica,
Senão os campos de Netuno frio,
E o travesso robalo,
Guloso de idos Cônsules regalo.
...........................................................

Seis choupos, por seis heras abraçados,
Tirsos eram do grego deus, nascido
Segunda vez, que em pâmpanos desmente
Os cornos de sua frente;
E qual mancebos tecem, mãos ligadas
Festivas rodas e lugar despido,
Coroam eles todo o encanecido
Solo de lírios, que em flocos fragrantes
Nevou maio, os seis choupos nada obstantes.
Este lugar as seis formosas manas
Escolhem, agravando
Em breve espaço muita primavera
Com as mesas, cortiças já levianas
Da árvore que à primeira idade dera
Duro alimento, porém sono brando.

[Saída de um grão senhor para a caça de cetraria]

Chave de alta porta
O claro som – vencido o fosso breve –
Levadiça ofertou ponte não leve,
Tropa inquieta contra o ar armada,
Lisonja – se confusa, regulada –
Sua ordem, da vista, e assim do ouvido
Seu agradável ruído.
Verde, não mudo coro
De caçadores era,
Cujo número indigna a riba austera.
Ao Sol ergueu apenas a ampla frente
O veloz filho ardente
Do zéfiro lascivo
_ Cuja fecunda mãe ao genitivo
Sopro vestindo membros, Guadalete
Flórea ambrosia ao vento deu ginete _
Que a muito fumo abrindo
O fogoso nariz, em um sonoro
Relincho e outro mais saudou seus raios.
Os malhados, se não esplendores baios
Que conduzem o dia
Lhes respondem, na eclíptica ascendendo.
Entre o confuso, pois, rumor tremendo
Dos cavalos, produz rude harmonia
Quanta a bem generosa cetraria
Da Mauritânia desde, até à Noruega,
Insídia ceva alada,
Sem luz, nem sempre cega,
Não livre, mas nem sempre aprisionada,
Que a ver o dia volve
As vezes que, em custódia ao vento dada,
Sua prisão repete e o vento solve.
O nebri, que, relâmpago na pluma,
Raio na garra, o ninho não sabido,
O Olimpo oculta ou nuvem é espessa
Que pisa, quando apressa,
Trás da garça argentada, o pé de espuma.
Eis o sacre, as do noto asas vestido,
Sangrento cíprio, ainda que nascido
Com as pombas, ó Vênus, de teu carro.
........................................................................

Em sangue claro e na pessoa augusto,
Se em membros não robusto,
Príncipe lhes sucede, abreviada
Em modéstia civil real grandeza.
A espumosa do Bétis ligeireza
Bebeu não só, porém a desatada
Majestade em suas ondas, o luzente
Cavalo que colérico mordia
O ouro que suavemente o enfreava
Arrogante, e não já pelas que dava
Estrelas sua cerúlea pele ao dia,
Senão pelo que sente
De esclarecido, régio e sem senão
Na própria rédea que beija a alta mão,
De cetro digna.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :  http://seculodiario.com.br/public/jornal/materia/gongora-e-sua-posicao-historica




quarta-feira, 15 de agosto de 2018

OS RATOS – PARTE III


“As cozinheiras diziam que aquilo era bruxaria, e tentam jogar água quente nos ratos”

A esta altura, o Campo do Levante tinha virado um caos, uma grande montanha de ratos, metade da população já havia morrido de peste bubônica, e o hospital de West Camp não comportava mais tanta gente, já que os médicos também morriam. E Desmond tenta colocar um alerta contra a gestão de Vincent, no Campo do Levante, através de Victoria. Os moradores entendem que aquela situação era insustentável, e teriam que invadir a Câmara dos Vereadores e a prefeitura em busca de medidas para matar os ratos.
Walt se junta a Desmond, e também a Kirk e Douglas, e fazem uma frente sanitária, com alguns camponeses, que vai até o Campo do Levante com vassouras e sabão para tentar eliminar a peste de ratos de West Camp. E, nas terras, as coisas também pioravam. Mas, a emergência era no Campo do Levante, que, por seu turno, já se preparava, liderado por Peter, para primeiro invadir a Câmara dos Vereadores, e depois a prefeitura, com o fito de cercar o prefeito para Denis segurá-lo pelo gorgomilo, enquanto Peter lhe dá uns sopapos na cara até sangrar.
O povo do Campo do Levante chega até a Câmara dos Vereadores, mas são surpreendidos. Os inúmeros capangas de Vincent já cercavam tanto a prefeitura como a própria Câmara. Era iminente um confronto brutal entre estas duas formações. E, para espanto geral, começam a entrar ratos, tanto na Câmara, como na prefeitura. Os capangas dão tiros a esmo, o povo do Campo do Levante vai de encontro aos capangas de Vincent para uma verdadeira luta campal, o caos se faz em West Camp.
A luta começa, e os capangas de Vincent levam a melhor. Metade dos bravos do Campo do Levante batem em retirada, a outra metade é estraçalhada pelas forças de Vincent. Em meio disso, os ratos entravam e saíam loucamente da Câmara, alguns capangas são mordidos, os abatidos do Campo do Levante também são mordidos, e logo infectados pela peste bubônica. Vincent é denunciado por alguns sindicalistas ao Rei da Inglaterra, mas este não leva a sério o relato, e diz que era tudo era loucura e que isso não existia. West Camp estava abandonada à própria sorte, e então, quem reinava mesmo, era a anarquia.
A frente sanitária ia bem, Desmond consegue colocar os camponeses em vantagem em relação aos ratos. Nas terras, os ratos comiam todo o milho e o algodão. Os casarões de Desmond, Douglas e Kirk, estavam já com montanhas de ratos dentro. O Campo do Levante começava a ser limpo. Enquanto isso, Vincent manda metade dos capangas que tomavam conta da Câmara e da prefeitura irem ao Campo do Levante para ver o que estava acontecendo, se havia mais alguma conspiração.
Num trabalho de uma semana inteira, os homens da limpeza do Campo do Levante dão o trabalho por terminado. Mas, dois dias depois, os ratos voltam inexplicavelmente. Os capangas de Vincent, nos dias em que se deu a limpeza, resolvem aguardar de tocaia Desmond, Kirk e Douglas. Isso não havia sido planejado por Vincent, mas eles decidiram capturar os três, e os levarem até seu comandante. E, então, os ratos voltam com força descomunal. A quantidade de ratos que havia no auge anterior do Campo do Levante, triplica, com ratazanas enormes do tamanho de uma tartaruga marinha média. As cozinheiras diziam que aquilo era bruxaria, e tentam jogar água quente nos ratos, nada. Os mendigos, por sua vez, tinham uma certa resistência à  infecção, e até se divertiam ao atirar camundongos pro alto, e depois pisoteá-los, quando não brincavam de tiro ao alvo com os camundongos menores.
Denis e Peter não se demovem de fazer a vingança do sangue de Joseph, e tentam ir na surdina, só os dois, mais o mendigo Ringo, que era bem forte, apesar de mal alimentado, e vão de noite até a casa de Vincent. Os detetives entram em contato com eles, e dizem que todos estavam juntos, por ordem de Desmond e Victoria, e que teriam que matar Vincent pela ordem de West Camp. E, de outro lado, a população restante do Campo do Levante já se preparava para uma segunda investida contra a Câmara e a prefeitura, desta vez com o apoio dos camponeses, que também estavam saturados com os desmandos de Vincent. E agora, os ratos já estavam em toda parte nas fazendas, assim como no Campo do Levante.
Vincent manda os capangas voltarem do Campo do Levante imediatamente para reforçar a retaguarda da Câmara e da prefeitura, já prevendo a nova investida que viria contra ele e seus vereadores. O plano de tocaia contra Desmond, Kirk e Douglas, portanto, ficam para uma outra hora, Vincent dá ordens expressas de proteger o poder instituído de West Camp, e que iria às favas com os escrúpulos.
Victoria resolve se tornar a líder do movimento de derrubada de Vincent, e junta o povo do Campo do Levante, mais os camponeses, para um pacto de moralização política de West Camp. Desmond, Kirk e Douglas, enquanto isso, voltam para suas fazendas, e veem um cenário de caos. Os ratos haviam comido toda a plantação deles, e suas casas transbordavam de ratos. No Campo do Levante a coisa também piorava, em relação aos ratos.
Vincent então planeja o assassinato de Victoria assim que o protesto chegasse à porta da prefeitura. Autoriza os vereadores a se retirarem da Câmara, isso para ter mais um álibi para exterminar as forças de Victoria, pois a Câmara seria abandonada para deixar os camponeses e o povo do Campo do Levante achando que tomaram o poder. Vincent era ardiloso, e também planejava sua própria fuga, pois sabia que não resistiria mais muito tempo, mesmo com tantos capangas. Ele tinha a intenção de ir para a Suíça, aonde tinha suas contas bancárias, e rir dos trouxas de West Camp que, para ele, era um lugar que não valia nada, a não ser para a formação de seu patrimônio ilícito que, a esta altura, já era suficiente para não precisar mais se meter em política.
Desmond, já de volta à sua casa, vê sua filha mais velha, Linda, desesperada, dizendo que Philip tinha sido devorado por uma nuvem de ratazanas, os outros irmãos estavam no telhado da casa, amedrontados, e ela, Linda, estava que nem uma louca com uma vassoura, tentando espantar os ratos invasores da casa. Linda chora e abraça o pai, dizia que aquilo era um castigo de Deus, pois ela era carola ao paroxismo, e enxergava tudo como conspiração divina ou do Diabo. Desmond diz para Linda ficar calma que tudo iria melhorar, e que Victoria estava cuidando do fim daquele caos.
Victoria é alvejada na rua por um dos capangas de Vincent, ela é levada rápido para a emergência do hospital, mas não corria risco de morrer. Os camponeses e o povo do Campo do Levante, então, caem na isca de Vincent. Os capangas "não oferecem resistência" à invasão da Câmara dos Vereadores pela população. Neste ponto, Vincent preparava a sua fuga para a Suíça, que não poderia falhar, mas os detetives de Victoria vigiavam cada passo dele, e já sabiam deste plano. Denis e Peter, junto com o mendigo Ringo, então, pegam Vincent no quintal de sua casa e o espancam. Decidem levá-lo à Victoria que, a esta altura, ainda convalescia no hospital. Desmond vai até a cidade novamente, e fica sabendo que Victoria tinha sido ferida por um tiro, mas que já estava no hospital e passava bem. Desmond veio com Linda e os outros filhos junto, para ver Victoria. Então, Linda se prostra à beira da cama em que Victoria estava deitada convalescendo, e começa a rezar fanaticamente, aos prantos. Nisto, chegam Ringo, Peter e Denis, junto com os detetives, carregando o rebotalho que tinha se tornado Vincent. Desmond sorri.
De outro lado, os vereadores invadem a casa de Vincent, que agora não tinha ninguém tomando conta, e roubam os documentos de Vincent. Decidem descobrir as senhas bancárias de Vincent, e fugirem para a Suíça. Os capangas de Vincent, já sabendo que seu comandante se dera mal, se juntam aos vereadores, e todos fogem em um comboio, já com o plano de roubar a fortuna de Vincent, com uma identidade falsa do mesmo. Pois então, um dos vereadores acha um papel num dos bolsos de uma camisa de Vincent, e descobre as senhas bancárias. O grupo de vereadores e capangas vão à Suíça dividir o butim, e se vão para nunca mais voltar a West Camp.
Victoria volta para casa. Vincent implora o perdão de Desmond, este sorri novamente, e faz um sinal. Vincent morre espancado pelas mãos de Ringo, Peter e Denis. São realizadas novas eleições logo depois, e Kirk Seymour se elege com o apoio de Desmond Wright. A Câmara dos Vereadores é repovoada, desta vez por uma maioria que era do sindicato do Campo do Levante. O Rei da Inglaterra finalmente descobre que os rumores de West Camp era a mais pura e cristalina verdade. Este envia um exército para exterminar os ratos da região. Mas, numa semana, sem explicação alguma, os ratos somem.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :  http://seculodiario.com.br/public/jornal/artigo/os-ratos-parte-iii

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

SONHOS EM BORGES, DESCRIÇÕES DO DELÍRIO


“a razão é deturpada por uma interação mental fantasmática e evanescente”

Borges segue seu estudo ou análise do sonho e suas implicações já no texto “A alma, o sonho, a realidade”, no qual tece mais uma vez a tese espiritual, isto é, do sono e sonho como veículo de emancipação temporária da alma, esta que, por sua vez, aqui é lembrada pela visão indígena de índios do Brasil e da Guiana, por exemplo, pois temos que, nas palavras de Borges, “uma pessoa adormecida se afasta de seu corpo e visita lugares”.
Borges cita aqui histórias que vão dos bororos aos índios do Grande Chaco, todos relatando a influência dos sonhos sobre decisões cotidianas, uma vez que a crença de que o sonho é uma realidade espiritual leva a se entender que o sonho é parte do mundo real e não um epifenômeno cerebral, como sonha o materialismo em sua versão mais estrita.
Em “Sonho Parisiense – I” de Charles Baudelaire, por sua vez, temos uma descrição poética que nos guia suavemente para os recônditos de uma visão extasiada diante da cidade, o poeta francês de Flores do Mal era um grande conhecedor do fenômeno urbano e de sua contribuição para a poesia nova que Baudelaire já praticava.
Seu relato em prosa tem uma riqueza poética que nos leva a entender o sonho como descrição quase milagrosa ou alucinógena em que a paisagem é desvelada como um espetáculo de pintura, temos em Baudelaire a potência narrativa que nos leva a um spleen mágico em que Paris nos aparece iluminada e sobrenatural, a poesia aqui se associa ao sonho para revestir o texto literário de um ganho em verdade espiritual, aqui, como fundação de uma literatura avançada que celebra Paris poeticamente.
Em “O Sonho de Coleridge” temos o relato de um escrito, ou melhor, da produção inaudita de um fragmento do escritor e poeta inglês Samuel Taylor Coleridge que, segundo Borges, é o fragmento lírico Kubla Khan que era, por sua vez, produto de um sonho do poeta em um dia de verão de 1797, um fenômeno inusitado por sua circunstância e por seu efeito, e que Borges nos descreve como uma espécie bizarra de sobreposição histórica e mais ainda psíquica.
Coleridge havia lido um texto de Purchas, no qual, segundo Borges, “se narra a edificação de um palácio por Kubla Khan, o imperador que deve sua fama ocidental a Marco Polo”, no que o poeta inglês toma um hipnótico e vai dormir, e o efeito do texto se dá em sonho em uma “série de imagens visuais”, e Coleridge acorda com a certeza de ter composto ou recebido em sonho um poema completo de cerca de trezentos versos, o que então o levou a compor e terminar um fragmento que figura em sua obra, pois, interrompido por uma visita, não conseguiu lembrar-se do resto.
Segundo Borges, “Swinburne sentiu que o que fora resgatado representava o mais alto exemplo da música do inglês e que o homem capaz de analisá-lo poderia (a metáfora é de John Keats) destecer um arco-íris.” E Borges segue esta curiosa análise psicológica em que o sonho se associa à criatividade artística, seguindo o seu relato e nos apresentando outros exemplos conhecidos como o caso do violonista e compositor Giuseppe Tartini, que, nas palavras de Borges, “sonhou que o Diabo (seu escravo) executava no violino uma sonata prodigiosa; o sonhador, ao despertar, deduziu de sua lembrança imperfeita o Trillo del Diavolo.”
E temos ainda casos como o do escritor Robert Louis Stevenson que, por sua vez, segundo Borges, “um sonho (segundo ele mesmo conta em Chapter on Dreams) lhe deu o argumento de Olalla e outro, em 1884, o de Dr.Jekill and Mr.Hyde.” E ainda : “Tartini quis imitar na vigília a música de um sonho; Stevenson recebeu do sonho argumentos, quer dizer, formas gerais”.
E a citada sobreposição se dá quando Borges nos lembra que “mais afim à inspiração verbal de Coleridge é a que Beda o Venerável atribui a Caedmon”, o que temos então é a origem em que se concebeu Kubla Khan, pois o poeta sonhou em 1797, publicou este fragmento de relato de sonho em 1806, como glosa ou justificativa de poema inconcluso.
Então, vinte anos depois, apareceu em Paris uma versão fragmentária que é uma primeira versão ocidental de literatura persa de histórias universais que é o Compêndio de histórias de Rashid ed-Din, do século XIV, e que Borges nos fornece o trecho em que é revelado um acontecimento : “A leste de Shang-tu, Kubla Khan erigiu um palácio, segundo um plano que havia visto em um sonho e que guardava na memória”.
A sobreposição então é comprovada, pois, seguindo o texto borgiano, “Um imperador mongol, no século XIII, sonha um palácio e o edifica conforme a visão; no século XVIII, um poeta inglês que não podia saber que esta construção se originou de um sonho, sonha um poema sobre o palácio. Confrontadas com essa simetria, que trabalha com almas de homens e abarca continentes, parecem-me significar nada ou muito para as levitações, as ressurreições e o aparecimento dos livros religiosos.”
E aqui temos o texto borgiano, enfim, se debatendo entre a tese sobrenatural, a da ligação verdadeira entre os fenômenos, e a outra em que tudo não passaria de uma bizarra coincidência. E aqui eu lembro da sincronicidade junguiana e o legado do inconsciente coletivo, que é uma maneira racional para lidar com aventuras psíquicas que podem desatar em um certo misticismo.
No texto “Entre Sonhos” Borges nos relata a sua convivência em Salta com um comerciante nascido em Tucumán, pois Borges por um período dormiu no mesmo quarto que este homem, que tinha então a faculdade de sonhar em voz alta, padecendo de pesadelos.
E Borges segue então sua análise ao falar sobre o fenômeno sonambúlico, este sim o tipo de efeito do sono e do sonho com uma carga de mistificação ou de curiosidade quase mórbidas, chocando-se o sonambulismo muitas vezes com diversos marcos teóricos. E uma das constatações mais comuns deste fenômeno é o de que o sonhador acometido deste distúrbio sofre de amnésia, não lembra do que fez.
E Borges então analisa que “O sonho absorve uma porção considerável de nossa vida e, por outro lado, não parece duvidoso que o ato de sonhar seja uma forma intermitente de loucura, um delírio periódico mais ou menos caracterizado.”
E Borges então constata, com surpresa que “O que se denominou instabilidade mental não é um acidente, mas sim o nosso modo de ser fisiológico. Para quem estuda o corpo humano, a persistência da saúde parece um milagre de cada instante. E o que diremos do nosso aparelho cerebral, que a cada vinte e quatro horas penetra no cone de sombra de sua razão eclipsada? Não é prodigioso que cada manhã, com a boa e santa luz do sol, emerja também a inteligência intacta de suas trevas e fantasmas noturnos?”.
Portanto, temos aqui, diante do pesadelo e do sonambulismo, por exemplo, o confronto da razão com um suposto estado de privação dos sentidos, ou ainda a chamada loucura ou estado delirante, entendida aqui não como a loucura clínica do surto, mas nos aparecendo aqui e também para Borges o sonho e suas decorrências como um estado da fisiologia cerebral ou de uma suposta emancipação da alma em que a razão é deturpada por uma interação mental fantasmática e evanescente que é mais chocante por ser cotidiana e mais surpreendente por não comprometer a faculdade mental quando esta regride de sua viagem psíquica.

(Fim da análise literária do Livro dos Sonhos de Jorge Luis Borges)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

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