PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

JOÃO CABRAL, O MESTRE TALHADO NA PEDRA

João Cabral de Melo Neto, este seu nome, de uma poética ou poesia talhada na pedra. Sua rotina é descrita neste poema emblemático de toda a sua obra, as lições de que ele retira o sumo são duras, duras como pedra. Já a sua conhecida letra fria, concisa, neste poema, tem na metáfora da pedra exatamente a dicção própria e a linguagem definida neste ser mineral duro e impassível, a pedra.

João Cabral não tem fraco por lírica, mas sua beleza vem da dura lição que ele encarna ou petrifica. João Cabral enumera o Sertão como origem de seu discurso, o mestre talhado na pedra sabe de si neste que é o ser duro de ser pedra, e poema de pedra, educação pela pedra. O poeta aqui não finge dor, não se lamenta, apenas descreve a mecânica de seu trabalho bruto, de poema bruto, puramente mineral, inanimado na imagem da pedra, mas se movimentando nesta descrição de um ser estático.

O movimento do poema é definido por poucas linhas, e já são suficientes, João Cabral marca na concisão deste poema o contrário de uma retórica enfadonha de poemas longos, não que ele não os faça, e não por razão de poemas longos serem melhores ou piores do que este, mas a demanda da educação da pedra é muito esta marca concisa, curta e certeira, do que ele quis apresentar como pedra, como a lição fundamental, a educação pela pedra.

A EDUCAÇÃO PELA PEDRA

Uma educação pela pedra: por lições:
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta;
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la,

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, estranha a alma.

(João Cabral de Melo Neto, do livro A Educação Pela Pedra, da edição Poesias Completas da José Olympio Editora)

Obs: Caros leitores, estou saindo de férias, o espaço de poesia e as resenhas no caderno de cultura voltam no fim de janeiro com novidades, abraços e boas festas!)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário: http://seculodiario.com.br/26569/17/joao-cabral-o-mestre-talhado-na-pedra