PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 8 de setembro de 2013

VIAGENS TRANSCENDENTAIS

Passando anárquico como Holden Caufield
quero a minha cabaninha
contar meus dólares
que pesquei
assuntar com uma madame velha
na porta de um labirinto
ler os Vedas em sânscrito
pular sobre os cães em luta mordaz
registrar em tons pastéis
a pintura velha do poema
Andei por Los Angeles
e flores sucumbiram
em Las Vegas
Dentro de uma pirâmide de ferro
os hieróglifos eram impronunciáveis
Aprendo esta língua de mortos
no Mar Morto
o manuscrito de Bela Lugosi
mordeu meu sangue de sabor acre
Roda o tempo em livros resgatados
da tragédia de Montreaux
pelas mãos de Ritchie Blackmore
Os estranhos sinais da manjedoura
foram recriados no abismo da luxúria
Linda Lovelace e Sasha Grey
eram feitas altares
no vinho das ricas mansardas
Eu me diverti na sinuca
com três fellas
na rua que o mendigo dormia
os doidões gritavam
seus lemas insanos
As putas eram fotografadas
por paparazzis de filme pornô
Detive o verso por um tempo
nos vãos da filosofia primeira
Arrotei que Aristóteles
deambulou com os peripatéticos
e nunca tinha visto
que na verdade o algoz
dos poetas virtuosos
era o gosto excêntrico
de Alfred Jarry
A Patafísica
que desnudou
em dancehall
pelo poema patético
de flor e riso
A ciência das fadas
é conhecida pela planta e víscera
dos gerânios de poesia
A crônica dos duendes
era um anuro luminoso
num rio vermelho
que guardava os anjos
nos pântanos do ópio
O hata-yoga dos hindus
também se serviu do Ganges
nos tempos de Gilgamesh
e Ganesha silente
refundava a toxina de ecstasy
em uma festa em Nova York
Nos risos perdidos
de Canden Town
estava Amy
a flora britânica
sempre brilhou
com Abbey Road
Keith Richards o mago
e Syd Barrett o profeta
chovia Across The Universe
e chorava The Great Gig In The Sky
flutuavam as pinturas
seviciados por heroína
formavam uma turba sinistra
quando Janis morreu
e River Phoenix voou
Eric Clapton
enlutou em Tears In Heaven
e o temporal caiu forte
quando a miragem
de Strawberry Fields
galgou o alto da montanha
na voz da estalactite
de um ácido fermentado
na noite de Hendrix em Monterrey
John Lennon imaginou
e os poemas brotaram
da alma mágica com emoção
de criança e ímpeto de jovem
com um gesto de sábio ancião
como nos selvagens hinos
de um Milton
perdido no paraíso
Roger Waters e David Gilmour
formaram a pedra Ummagumma
com os timbres férteis
de uma reprodução lisérgica
de odores extasiados
e tudo ficou rosa
no lado negro da lua
As artes redivivas
estouraram por noites fugitivas
A ode estupefata
riu em treva e céu
no mormaço
de rés-do-chão
e caudal de sensações
sob a bruma
dos palcos experimentais
de um novo Artaud
trovejando apocalipses
pelas ruas imundas
de um trágico sonho
de seres impensados
como na última viagem
que levou o circo mágico
pelas mãos de um Merlin
nos idos tempos
do desbunde espectral
das mesas girantes
nos salões de Paris
Moliére incorporado
renasceu em floração
e os rincões do Sena
se foram com Baudelaire
e o spleen se materializou
pela dor de Thomas de Quincey
numa nostalgia folgazã
de um acidentado
delirando com morfina
depois de ouvir
Are You Experienced?
pela última vez.

08/09/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

A ADOLESCÊNCIA E O MAL

   Não é fácil ser adolescente, a fase mais vulnerável da vida, psicologicamente falando, em que a personalidade está em formação e tem alterações e saltos radicais, numa busca de se encontrar de algum modo, e onde a alienação do mal se torna uma sedução praticamente irresistível para alguns.
   Crianças doces podem se tornar verdadeiros celerados na adolescência. Os valores entram em crise, a inversão destes se torna meio e fim de uma libertação que pode vir pelo aprisionamento das drogas, dos pequenos ou grandes delitos, e ainda, da cultura pop-rock-etc, que, se levada a sério, será um combustível perigoso para estas almas em combustão.
   O apelo do mal se torna uma nova virtude, a esperteza é a cultura predominante. Tudo na rua é uma aventura, se conhece de tudo, é uma vida muito rica e pulsante, se formam grupos, mútuas influências, desanda tudo pela droga, pelo furto, muitos ficam desorientados, muitos se perdem neste período da vida. Pequenas gangues que ficam na rua o dia todo, pra lá e pra cá. É a vida de flaneur, uma coisa Holden Caulfield que, aditivada por drogas, pode logo se tornar um ensaio de Alex do Laranja Mecânica.
   Alguns, mesmo que inteligentes, caem nas graças do mal. Estes se tornam agentes eficientes de uma vida de tirar vantagem, de tirar onda, de formar, em grupos diversos, comunicações e códigos, tal como em seitas secretas. Se vai à boca de fumo, se enfrenta o perigo, trombamos com pessoas perigosas, o medo sempre existe, mas é camuflado pela aventura, pela transgressão, pelo prazer, tanto das drogas, como do furto, as amizades de "parcerias fortes" ganham força, e geralmente, são efêmeras. Da onda de Racionais MCs, com rock, de ídolos que morreram de overdose, de experimentação ... alguns vão longe demais, outros entram menos fundo, mas também flertam com a morte o tempo todo.
   Já vi muitos que foram doidões no passado, e hoje são impressionantemente serenos. Deve ter algum aprendizado nisso tudo, um autoconhecimento que só quem esteve flanando e correndo perigo, sabe. Uma sabedoria conquistada após aventuras de anarquia e da experiência com o mal.
   O rock and roll e o demônio. Tive este amparo na música pesada, a liga mestra com o satanismo e o black metal, os inalantes, pequenos delitos, nada muito grave. Mas, o mais interessante de tudo é a cultura de rua, é um bom enfrentamento, conhecemos todos os loucos na rua, acontece de tudo, se ouve e se vê muita coisa, aprendemos, e nos perdemos.
   Holden Caulfield. A adolescência flaneur é o autoconhecimento pela pilantragem. Temos medo, muitas vezes. Entra-se em muita roubada. Duras de polícia, nem se fala. Mas, a flanagem é uma riqueza de imagens e experiências guardadas no nosso arquivo íntimo e pessoal.
   Talvez, de modo torto, se sobrevivemos, e, depois, olhamos para trás, valeu a pena, fomos aprendizes de feiticeiro. E sorte dos que saíram regenerados, estes tiveram sorte. Já vi gente que morreu, e tem outros que ainda insistem.
   Mas, a vida adulta é outra onda. O mal é bem compreendido, depois de porradas, o caráter se fortalece, voltamos a entender os valores dos valores, e até voltamos a ser doces, como quando se era criança.
   A onda amaina, a virtude da esperteza dá lugar até a uma nova atitude mais comediógrafa, mas nada boba. Ali dentro, todos os códigos estão bem guardados, o que é útil é percebido, o uso das habilidades é mais modulado, nos tornamos falsos bobos, mas a antena tá ligada, o novo engano e a nova malícia é serenar, não se impressionar, dar uma de idiota para testar quem ainda vende ilusão.
   Relaxei, onde há serenidade, o caos tá governado, bem  governado. Todos os apelos já estão bem trabalhados. Já sei e já soube, não preciso saber mais. Outro caminho se abre, quem fica pra trás, fica neste lugar morto. Pois, pra quem já tá em outra, um novo lugar se coloca, o intelecto se abre, a espiritualidade aflora. Já não somos mais os mesmos. Se conhece o mal, se respeita o mal, sabemos que as virtudes da adolescência são bom caldo de vivência, a educação pela pedra, coisa pra quem pulou no buraco e saiu mais forte, ouro puro, vibrante.
   Agora, a vida se torna mais clara e farta, repleta de toda satisfação, e a experiência é pessoal e intransferível, muitas vezes mais rica do que de quem sempre andou na linha, o que não é uma regra. Mas, não é justificar, é saber que o arquivo foi enriquecido, muito prazer foi experimentado, muita dor foi enfrentada, parecia que muitas vezes não se poderia aguentar.
   Muitos tiveram que ver todas estas tentações, ter todas as oportunidades de sucumbir, de implodir e nunca mais se levantar. Que nada, a alma está livre, e tudo aquilo que passou, também foi liberdade. Mas, troca-se a pele, a liberdade caminha sempre livre, e agora, por novas paragens, mais serenas, mais estudadas, menos impetuosas. Tudo isso sempre foi liberdade, mas agora, sem armadilha.
   Os que ficaram na rua, podem ainda crescer, e vão, se quiserem.  A ideia de liberdade, de agora em diante, se torna autêntico e potente autoconhecimento. A loucura é bem conhecida, bem explorada, e bem respeitada. Tudo passa pelo crivo desta experiência intransferível de cada um, e sobrevive quem é esperto, pois, bobo mesmo, é quem se perde na rua, e não volta pra casa.
   A rua agora é apenas um brinde, a flanagem é mais intelectual. Os garotos ficaram lá, ainda estão lá, em algum lugar da nossa memória. É engraçado tudo isso, tudo valeu, mesmo. O conhecimento do mal, cada coisa que se vê e se aprende, foi necessário, foi rico. Muita coisa não serve mais, agora, como conduta, mas serve como reflexão.
   O caminho que se trilhou teve muita armadilha, quase se morre. Mas, as experiências radicais, são também, sinal de uma liberdade radical. E, quando esta liberdade se encontra com a serenidade, tudo fica iluminado, e a rua ganha uma nova cor e um novo som, que nunca tínhamos imaginado.

08/09/2013 Crônica
(Gustavo Bastos)