PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

ARQUITETO

Via em Sibila a senda mortífera,

no fel da necessidade, urge

a têmpora de um cobra coral,

em voo de Vímana,

sob o olho de Osíris.


Dança o Sabá, no rito de Hécate,

para a chuva que a tempestade

da nuvem a música ecoa.


Prometeu sem futuro,

na carne dura o fóssil

enrijecido, todo o lastro

de um ódio primitivo.


O poeta cego, Meneu,

tocava a sua lira.

Vil endemoniado,

apátrida.


Do cosmos um esteta,

das Fúrias a pedra

angular.


22/02/2024 Gustavo Bastos 

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

CÍRCULO DE GIZ

 Pernoita em hotel barato, em cidade dormitório,

o pacato dia de poesia, num nada, no meio

das casas entre porra nenhuma, na discrição

absoluta, absorta, de uma capacidade meditativa

solta, diante de um rio vasto, imenso, caudaloso.


Ele, o monge, que pescava sua própria alma,

dela não se teve nem mesmo a seiva,

mistério profundo, de si, de seu esqueleto,

um chão tão riscado, com pontas de giz,

já dizia muitas coisas de sua jornada,

de um resto todo que eu nunca saberei,

o meu elã eterno, afã, anelo, desejo

bruto do absoluto, da causa final

de uma síntese universal,

esboroada, detonada,

na impermanência

dos atos e pensamentos.


21/02/2024 Gustavo Bastos 

SENSAÇÃO BESTA

 E o que restou daquela canção?

Assim perguntava uma rosa já murchada

pelo tempo, de um tempo amado que passou.

Sei que nada permanece o mesmo,

e o tempo corrói todas as esferas naturais,

enferruja os ossos e amolece as carnes.


Sei que não posso saber o que ficará,

de meu legado e de meu vinho.

Se me perguntam, lembra desta música?

Pode ser que esta tenha ficado para trás, 

e não se repete ad nauseam, 

qual disco rachado,

num aturdido estribilho

em que o que deixou

de existir, já não pode

e nem deve renascer.


21/02/2024 Gustavo Bastos 

LULA ERROU

“não se compara o holocausto a nada”


Depois do Brasil passar por pária internacional, numa decadência diplomática sem precedentes, com a dupla Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo, depois do convescote com embaixadores do dito “mito” fora de qualquer estatuto ou regramento do que se instituiu como diplomacia, temos este erro de Lula.

Não, Lula não tem razão, não está certo. Ele se utilizou de uma, digamos, flexibilidade semântica de aloprado, e que dizem que foi de improviso, e se não foi, pior ainda. Tomar por base de comparação o holocausto com qualquer genocídio que tenha ocorrido na História é um erro de interpretação da História e de semântica. O genocídio ocorrido em Ruanda, em Srebrenica, e agora na Faixa de Gaza, não se compara com o termo holocausto, pois este se refere ao extermínio sistemático de seis milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial.

Sim, ocorre um genocídio na Faixa de Gaza, e Benjamin Netanyahu deveria ser julgado como genocida pelo Tribunal Penal Internacional, e o Estado de Israel também por crime de genocídio pela Corte Internacional de Justiça, mas daí a comparar, até em escala, este genocídio com o holocausto judeu, é um erro de interpretação histórica e uma ofensa à maior parte da comunidade judaica.

O erro de escala, pois começa pelo holocausto nazista ter sido um projeto de extermínio racial, um projeto de poder mundial, de dominação geopolítica do planeta, e a escala deste extermínio só não foi muito maior, pois o Eixo foi derrotado pelos aliados, deixando em seu lugar a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética. 

O projeto do Nazismo era, a princípio, o extermínio de judeus, ciganos e homossexuais, e a dominação territorial do continente europeu. Mais adiante, o extermínio se estenderia como um projeto racista de caráter geral e de supremacia de uma suposta raça pura, a raça ariana. O projeto eugênico, por fim, tinha um caráter disruptivo, e a ideia de extermínio sistemático de raças e etnias e de grupos de orientações sexuais não aceitas, além de pessoas com deficiência física e intelectual, ou ainda os chamados alienados, loucos etc, e que se chama holocausto, não tem precedentes na História.

O discurso aloprado como o de Lula, que tenta equalizar tudo, como se o inominável, o holocausto, pudesse dar nome a várias coisas, numa operação semântica que banaliza o Mal Absoluto do Nazismo e o estende a qualquer tentativa genocida que ocorrer na História, é um erro absurdo. 

O fato é que não há, nem conceitualmente, nem em escala, a comparação de genocídio de um grupo, com o genocídio nazista, o holocausto. Como projeto racista, o holocausto tanto tinha um caráter muito mais sistemático que qualquer outro genocídio no mundo, o que muda seu conceito, como era de uma escala astronômica, muito maior que qualquer guerra local em que houve ou haja genocídio.

Lula já tinha derrapado com seu companheirismo alucinado com o criminoso de guerra Vladimir Putin, e agora, às vésperas de liderar uma reunião do G20, ele vai além de uma gafe comum, e alucina, alopra, dando um salto escalafobético, tanto na semântica, como na sua logorreia que, muitas vezes, pode causar danos. O dano agora provoca, neste caso, a formação de um gabinete de crise, enquanto a sua claque de sabujos, pessoais e de redes sociais, depois desta declaração “bombástica”, já deve o tomar por candidato ao Nobel da Paz e arauto de uma nova era de entendimento entre os povos no século XXI.

Sim, Lula errou, e agora nos deparamos com uma ruptura diplomática com Israel, numa escalada verbal de desinteligências, e mais uma vez caímos na mediocridade diplomática, que só não ultrapassa os tempos de piada de alemão que foi o período bolsonarista. Contudo, estamos diante de um Lula que insiste, por diversas vezes, em se tornar uma espécie de liderança diplomática internacional, um ator relevante de geopolítica, o seu sonho dourado, mas derrapa em cascas de banana criadas por ele mesmo, e os esforços de uma diplomacia sóbria, nos modos da que foi erguida pelo Barão do Rio Branco, vai pelos ares.

Não se compara o holocausto a nada. Não se compara um projeto de dominação mundial racista com genocídios de guerras localizadas. A ignorância histórica sobre o maior crime que ocorreu na História não tem base de comparação com nada no mundo. Banalizar a palavra holocausto é muito mais grave do que o que vemos de aplicação generalizada das palavras nazista e fascista, pois esta palavra holocausto não se presta a esta flexibilidade semântica, nem em redes sociais, e muito menos através do discurso de um Chefe de Estado que, quando improvisa e erra, parece levar uma conversa séria para o balcão de um boteco.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.


Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/lula-errou