PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

VELHAS RIMAS AO RELENTO

Vida ínfima, de que tão
corroída vida faz frente
ao vinho e à solidão,
vida fria como quente.

A poesia dá seu encanto
ao poeta mestre de si,
que dá tanto ao canto
quanto ao que sofri.

Não sei de nada e vivo assim,
sou eu mesmo perto de ti,
e nada sou quando fico no fim,
pois de mim vou ao que vi.

Não há nada que me convença,
sou poeta e não cantor,
vivo deste modo a vida intensa,
e não sou filósofo do rancor.

Vai a nau destemida como a força,
vai vadiar na rua meu estro,
levando consigo tão rara moça,
ela morreu e eu fiquei desperto.

Ó terrível mandala dos sonhos!
Me afogo em teu vinho ou veneno,
ao que me largo em vis assombros,
de que um dia foi sofrimento.

Não há paz e nem alento,
do que venho em meu livro,
escrito pois no relento,
que não me salva do que sinto.

Poetas destas moradas,
quão falazes são vossos versos,
que eu pequeno sonho de touradas,
morro nu no meio dos desertos.

Não tem vida neste campo estéril,
sou o temor e a liberdade,
pois de cada um ao seu mistério,
me resta a poesia e a saudade.

03/02/2012 A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

O MANJAR DO LIBERTINO

A paixão degenera em caos amiúde,
o corpo revela quão esquálido
pode ser sob o domínio do vinho.

Eis os dias paupérrimos
do poeta humílimo.
Dosséis criou aos píncaros
do sonho vário.
Destronou a labuta
de seu sonho vão.

Os lamuriosos dissonantes
fazem seu canto de febre,
fazem seu ébrio ditirambo.
Das notas refulgentes
o sábio se espanta,
sabe da alma
a miséria do corpo,
sabe do prazer do corpo
a miséria da alma.

E lá vai o libertino!
De suas fugas leva o vento,
de suas astúcias o desalento!
Quão refinada é a sorte
de um corsário em terras
ignotas.
Sua sorte foi revelada
nas cartas ciganas,
terá seu par e um voo
ao norte.

03/02/2012 A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

FUNDO SENTIDO VISIONÁRIO

Não irá a música olhar
para um eterno sem fim?
Mil vozes clamam augúrios
das trevas ocas da sombra.

Vejo a serpente rastejando
na areia ao tentar dar o bote
nas minhas veias poéticas.
Logo depois vem o carrasco
na praia dar o seu urro animal.

Eu vi a cachoeira e o mar
naquele instante brilhando
como um topázio transfigurado.
Olhei as naus estonteantes
de um naufrágio do pranto,
as mulheres calaram aquele
canto infeliz.

Desde já a nova roupagem
da poesia demandava
um pouco mais de
delicadeza,
um tanto de amor sóbrio,
sem mais as paixões
juvenis e violentas,
apenas uma visão
do horizonte, sem febre
e sem espanto.

As flores guardavam o pólen
do poeta-pássaro.
Emergia do lago do esquecimento
uma música sacra de almas profanas.
O poeta rabiscava no muro
um desenho perturbador
de suas visões
na madrugada.

Peças rotas de sândalo e anarquia
sopravam na alma do artista.
Ele voava extasiado na chama
queimando os seus pulmões.
A poesia se inebriava de cânticos
e sinfonias num céu aberto e claro
em que se dissipavam todas
as dores e todas as dúvidas.

Era o céu do paraíso edênico.
Era o nirvana em seu esplendor.
Tudo ressoava numa aurora
em que o anjo aparecia
sem medo.

A noite já não me oprimia.
O silêncio reinava
naquela paisagem.
Eu era vários
numa mesma
solidão.

Todas as coisas deste mundo
irão ao outro mundo,
a vida é infinita.

03/02/2012 A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

EFEITO CONTEMPORÂNEO

Respondo sozinho por tudo,
ser desajustado não é ser depauperado,
surtar não é só pedir socorro,
a loucura não é um lema,
a razão não é o problema.

O mistério em mim não provoca o tédio.
O sintoma em mim não deduz uma causa.
O fim do meu ser não acaba em mim.
Perdoar não é afundar no esquecimento.
Perder tudo não é morrer.

Quando penso em todas as coisas
vejo o simples gesto do poema.
Quando penso em todas as coisas
não vejo nada.

Pois sim, do querer se tem o consumo,
da riqueza se tem a insaciedade,
saciar-se é a meta do ser
no tempo contemporâneo,
mas a fome traz frio,
e o frio é a escuridão
dos sentidos.

O desejo que vive em mim
é a velocidade inconsequente
que não cessa de correr.
O tempo escorre pelos dedos,
e o pensamento se torna
convulsão.

01/02/2012 A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)