PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 1 de outubro de 2016

LORD BYRON, UM DOS MAIORES POETAS INGLESES – PARTE III

“Byron foi na Europa, por sua vez, uma influência muito maior e constante do que na Inglaterra”

BYRONISMO

Lord Byron foi um poeta que tinha verve colorida, em que sua poesia se destacava de forma plena e que com sua personalidade enlevou com isso a imaginação europeia. Seu nome tornou-se tanto um símbolo da mais profunda melancolia romântica como das aspirações ao liberalismo político, colocando sua poesia e pessoa como partes duplas entre romantismo subjetivo e atuação política objetiva. Renomado como o “gloomy egoist” (egoísta melancólico) durante a maior parte do século XIX, ele é agora mais geralmente estimado pelo realismo satírico de seu Don Juan e pelo espírito faceto de suas cartas.
Apesar do Childe Harold e O corsário terem sido grandes êxitos de público na Inglaterra, a crítica dos jornais nem sempre foi favorável a Byron – em geral movida por princípios não-literários. Houve, no entanto, exceções ilustres como Shelley que, por exemplo, o considerava um dos maiores poetas dentre todos de sua época, considerando o Don Juan uma obra-prima e o Caim excelente poesia: Sir Walter Scott sempre o apreciou, Tennyson (então com 15 anos) achou que “o mundo escureceu” ao saber da morte do poeta.
Byron foi na Europa, por sua vez, uma influência muito maior e constante do que na Inglaterra, pois nota-se sua sombra em Lamartine, Musset, Heine, Lenau, Lermontov, entre outros poetas importantes. Goethe, por exemplo, o tomava em alta consideração, julgava-o “o maior engenho poético do século” e achava os alemães mais aptos a apreciar-lhe os méritos do que os próprios ingleses. Byron, então, era a representação de um romantismo emotivo, sonhador, melancólico e desesperado, mas, também, colorido, brilhante, rebelde e audaz. Na crítica literária, contudo, Byron tem trajetória acidentada, pois por muitas décadas o poeta perdeu o apreço dos críticos literários ingleses, e quando ele ganha destaque novamente no último terço do século, já está transformado, pois a ênfase agora tende a cair antes em Don Juan e nas outras obras em oitava rima do que no Childe Harold, Manfred e histórias turcas, que lhe haviam dado fama contemporânea e continuaram a sustentar-lhe a reputação no ultramar.
No Brasil não se pode negar que Byron influiu entre os poetas, a ponto de Álvares de Azevedo ser cognominado o “Byron brasileiro”. Na segunda geração de nossos românticos, os byronianos de São Paulo deram a nota, com Francisco Otaviano, Cardoso do Meneses e Sousa, o já citado Álvares de Azevedo, Bernardo Guimarães, Aureliano Lessa. Nesta corrente não faltam características típicas do romantismo como  a dúvida, a descrença, o humor negro e as blasfêmias. Assim como Byron bebera em taça feita de um crânio achado na Abadia de Newstead, vestido de monge, os moços paulistas primaram em esbórnias, de que há notícia na Sociedade Epicureia, e nas orgias mentais de Álvares de Azevedo, como podemos ver em A noite na taverna.
Embora Byron, como se disse, seja hoje especialmente considerado na Inglaterra com o Don Juan e poemas em oitava rima, um tanto ainda com o Childe Harold, as antologias de sua obra costumam incluir suas poesias líricas mais celebradas, que têm peso e ímpeto próprios. Temos ainda o Byron lírico também como base de sustentação de sua reputação como poeta, o que é importante, dada a sua filiação ao romantismo.

POEMAS:
VERSOS INSCRITOS NUMA TAÇA FEITA DE UM CRÂNIO: A festa em Newstead tem a taça de crânio, a bebida é sorvida, Byron reflete, e o poema convida e enobrece o gesto de beber como o de viver: “Vivi, amei, bebi, tal como tu; morri:/Que renuncie a terra aos ossos meus;/Enche! Não podes injuriar-me; tem o verme/Lábios mais repugnantes do que os teus./Antes do que nutrir a geração dos vermes,/Melhor conter a uva espumejante;/Melhor é como taça distribuir o néctar/Dos deuses, que a ração da larva rastejante./Onde outrora brilhou, talvez, minha razão,/Para ajudar os outros brilhe agora eu;/Substituto haverá mais nobre do que o vinho/Se o nosso cérebro já se perdeu?/Bebe enquanto puderes; quando tu e os teus/Já tiverdes partido, uma outra gente/Possa te redimir da terra que abraçar-te,/E festeje com o morto e a própria rima tente.” Lord Byron tem um de seus ápices neste poema, que é um poema de vida, a vida de um poeta, a sua taça de crânio, onde o poeta sabe que viveu e morreu, amou e bebeu, pois que como taça não serve ao verme, o néctar é dado aos poetas, a festa é dos poetas junto com Byron, e o vinho é a bebida dos deuses, brilha a razão e o eu do poeta, e o poeta bebe enquanto pode, ele aproveita, com os deuses ele sabe que o vinho é sagrado, e a passagem também se dá, pois quando Byron e seus amigos se forem, outros virão e a festa do vinho não terá fim. Pois quando Byron estiver morto, tanto o vinho como a rima, estas estarão ainda no mundo, e o que Byron viveu e bebeu será a divindade da poesia e do vinho.
OS GRAUS DO AZUL: O poema começa com esta cor azul que ganha aspecto intelectual: “Vós que a sorte dos livros todos resolveis,/Vós, azuis do segundo sexo, tão cordiais!/Que anunciais os nossos poemas com o olhar,/Acrescentar vosso “imprimatur” não quereis?”. Segue o poema: “Já não há gosto, e a fama é dada em loteria/Por moças de casaco azul em parceria.” Ou seja, tal imprimátur é do grupo azul das mulheres cultas, as letras são discutidas, o azul no poema é a cor e vulto literário que toma parte neste grupo de mulheres, no que segue o poema: “Oh! “Escura, forte, belamente azul” – é o que/Nalgum lugar alguém cantou do firmamento,/E de vós, doutas damas, coisa igual sustento;” (...) “Muitas de vós, como criatura, é um serafim,/Mas foi-se o tempo em que, de rimas amador,/Lieis minhas estâncias, e eu vosso rosto:/Mas não importa, que isso tudo teve fim;”. As rimas que se amam, e a autoridade das belamente azuis sobre o poema do Byron e isso teve fim, eis que o poema dá uma razão, e é a lida castiça, rebuscada, que, de outro lado, só deixa a tolice demarcada por máscara intelectual, mas Byron arremata, e não poupa: “Conheci uma mulher da escola rebuscada,/Linda, casta, a melhor – mas tola rematada.” E o poema entra na última estrofe, com vigor: “Humboldt, esse “primeiro dos viajantes”, não/O último, se recente informe é sem senão,/Inventou, e lhe deu um nome que olvidei/Com a data dessa descoberta assim de lei,/Um aéreo instrumento, para procurar/Do estado da atmosfera se certificar,/Medindo os graus do azul, tal como ele apareça./Deixai portanto, ó Lady Daphne, que eu vos meça!”. Os graus do azul aparece enfim no poema, instrumento de Humboldt para a cor azul, e o grupo literato de mulheres colocando o azul como uma via de imprimátur literário, e Byron mede estes azuis, com Humboldt e com as  Blue Stockingers. Azul literário que também é a cor azul, e os graus de azul que o poema faz aparecer enfim. 

POEMAS:

VERSOS INSCRITOS NUMA TAÇA FEITA DE UM CRÂNIO

Não, não te assustes; não fugiu o meu espírito;
Vê em mim um crânio, o único que existe,
Do qual, muito ao contrário de uma fronte viva,
Tudo aquilo que flui jamais é triste.

Vivi, amei, bebi, tal como tu; morri:
Que renuncie a terra aos ossos meus;
Enche! Não podes injuriar-me; tem o verme
Lábios mais repugnantes do que os teus.

Antes do que nutrir a geração dos vermes,
Melhor conter a uva espumejante;
Melhor é como taça distribuir o néctar
Dos deuses, que a ração da larva rastejante.

Onde outrora brilhou, talvez, minha razão,
Para ajudar os outros brilhe agora eu;
Substituto haverá mais nobre do que o vinho
Se o nosso cérebro já se perdeu?

Bebe enquanto puderes; quando tu e os teus
Já tiverdes partido, uma outra gente
Possa te redimir da terra que abraçar-te,
E festeje com o morto e a própria rima tente.

E por que não? Se as frontes geram tal tristeza
Através da existência – curto dia -,
Redimidas dos vermes e da argila
Ao menos possam ter alguma serventia.
(Este poema – escrito na Abadia de Newstead, em 1808 – pareceu muito atraente a poetas nossos como Castro Alves, que o traduziu. O mesmo fez Luís Delfino, que se valeu, segundo Onédia Célia, de interposta tradução francesa. A taça realmente existiu e foi usada por Byron e amigos em festa em Newstead.)

OS GRAUS DO AZUL

CVIII
Vós que a sorte dos livros todos resolveis,
Vós, azuis do segundo sexo, tão cordiais!
Que anunciais os nossos poemas com o olhar,
Acrescentar vosso “imprimatur” não quereis?
Quê! Devo os esquecidos cucas procurar,
Os córnicos que pilham ruínas imortais?
Devo ser eu o único menestrel, que já
Proibistes de tomar vosso castálio chá?
CIX
Quê! não posso mostrar-me nunca mais um “leão”?
Um barrete de bobo, um bardo de salão,
Para aguentar os rapapés de algum pateta,
Gemer como a ave de Yorick, “não posso sair”,
Ou então jurarei, Wordy assim fez, o poeta,
(O mundo não vai lê-lo, está sempre a rosnir),
Já não há gosto, e a fama é dada em loteria
Por moças de casaco azul em parceria.

CX
Oh! “Escura, forte, belamente azul” – é o que
Nalgum lugar alguém cantou do firmamento,
E de vós, doutas damas, coisa igual sustento;
Dizem que vossas meias são azuis (por quê,
Sabe o céu, poucos pares vi eu dessa cor);
Azuis tais como as jarreteiras, que ao dispor
Da perna esquerda dos senhores, ornarão
A festa à noite ou a manhã de recepção.

CXI
Muitas de vós, como criatura, é um serafim,
Mas foi-se o tempo em que, de rimas amador,
Lieis minhas estâncias, e eu vosso rosto:
Mas não importa, que isso tudo teve fim;
Porém de sábias naturezas não desgosto,
Que às vezes cobrem virtuosíssimo primor;
Conheci uma mulher da escola rebuscada,
Linda, casta, a melhor – mas tola rematada.

CXII
Humboldt, esse “primeiro dos viajantes”, não
O último, se recente informe é sem senão,
Inventou, e lhe deu um nome que olvidei
Com a data dessa descoberta assim de lei,
Um aéreo instrumento, para procurar
Do estado da atmosfera se certificar,
Medindo os graus do azul, tal como ele apareça.
Deixai portanto, ó Lady Daphne, que eu vos meça!

(Verso 2: Vós, azuis do segundo sexo, tão cordiais!: Ceruleans, cerúleas = azuis. Blue, além do significado normal de azul, tem no poema, referindo-se a mulheres, o sentido de eruditas, pedantes (Oxford English Dictionary). Esse dicionário remete a blue-stocking e explica: em reuniões mantidas em Londres, por volta de 1750, na casa de Mrs.Montague e outras, trocaram as damas o jogo de cartas por maneiras mais intelectuais de passar o tempo, inclusive conversação sobre assuntos literários, das quais muitos homens de letras às vezes tomavam parte. Muitas das participantes evitavam trajes formais: uma delas era Mrs.Benjamin Stillingfleet, que usava habitualmente meias de lã cinza ou azul, em vez de seda preta. Daí um almirante Boscawen ter chamado a “coterie” de “the blue stocking Society”. As senhoras do grupo eram chamadas Blue Stockingers, depois abreviado para blues, no slang. A graça do excerto de Byron é a ambiguidade de blues, nos sentidos de mulheres de gosto literário e azul.)
(Verso 24: Deixai portanto, ó Lady Daphne, que eu vos meça!: Este verso e o anterior deixam patentes os dois tipos de azul: o literário e a cor.)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário: http://seculodiario.com.br/30835/17/lord-byron-um-dos-maiores-poetas-ingleses-parte-3



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