“O fanatismo do Sebastianismo, em sua versão brasileira, era
insuflado pela crença na ressurreição de Dom Sebastião”
O Rei Dom Sebastião (1554-1578), de Portugal, foi o monarca
mais popular da História deste país, e teve reflexos diretos no Brasil, que
culminou no movimento religioso-místico e messiânico chamado Sebastianismo, que
também foi denominado de Mito Sebástico ou Mito do Encoberto, a partir do
desaparecimento deste rei no século XVI.
O misticismo de caráter messiânico, em torno da figura de Dom
Sebastião, operou um descolamento da realidade e também da própria figura real
deste monarca, e um dos mitos defendidos pelo movimento sebastianista era o de
que Dom Sebastião não havia morrido na batalha de Alcácer-Quibir, no norte da
África, em 1578, na qual ele desaparecera.
O fato de não haver herdeiro para o trono português, após o
desaparecimento de Dom Sebastião, pois seu tio, Dom Henrique, havia morrido,
despertou o mito de que Dom Sebastião estava vivo e que esperava o momento
propício para derrotar os espanhóis, pois eles haviam tomado o trono português
com a União Ibérica, pelo Rei Filipe II, da Espanha.
A chamada batalha de Alcácer-Quibir foi uma disputa entre os
portugueses, liderados por Dom Sebastião, aliados com o exército do sultão
Mulay Mohammed, contra os marroquinos, estes liderados pelo sultão Mulei
Moluco. Tal batalha resultou na derrota dos portugueses.
Com a ocupação do trono português pela Espanha, e o começo do
Sebastianismo, surgiram vários impostores se dizendo ser o rei desaparecido,
aproveitando o ímpeto nacionalista português, pela perda de sua independência,
e com o fortalecimento da ideia de salvação e da vinda de um salvador. Neste
caso, o mote era a expectativa depositada no retorno triunfal de Dom Sebastião,
este que seria a encarnação da ideia messiânica de “salvador da pátria”.
Contudo, em 1640, este mito sebastianista arrefeceu, pois houve um golpe de
Estado, que restaurou a independência de Portugal.
Por sua vez, o Sebastianismo chegaria e seria revivido no
Brasil, já no século XIX, sobretudo no nordeste do país, se misturando ao
imaginário popular da região, e sendo uma nova versão do fenômeno português. Em
Pernambuco, nesta nova versão messiânica sebastianista, o movimento adquire
caráter violento e de intenso fanatismo, com líderes religiosos explorando a fé
da população, em sua maioria humildes e flagelados pela seca, isolados
geograficamente, e sem informação alguma.
O fanatismo do Sebastianismo, em sua versão brasileira, era
insuflado pela crença na ressurreição de Dom Sebastião, como um salvador da
população flagelada, com promessas mirabolantes como juventude eterna e uma
vida abundante e plena. E foi em Pernambuco que se deu dois movimentos trágicos
do fanatismo sebastianista : o da Serra do Rodeador, no município de Bonito, em
1819-1820, e o da Serra Formosa, em São José do Belmonte, no período de 1836 a
1838.
O primeiro movimento ficou conhecido como “A Tragédia do
Rodeador”, e teve como líder religioso Silvestre José dos Santos, “Mestre
Quiou”, e que tal tragédia também foi denominada de “massacre de Bonito”,
matança que ocorreu no arraial fundado pelo líder religioso, denominado Sítio
da Pedra, e que resultou em muitas mortes, comandadas pelo governador de
Pernambuco, Luiz do Rego, em 1820.
O segundo movimento, A Tragédia da Pedra Bonita, ocorreu na
Serra Formosa, no município de São José Belmonte, no sertão de Pernambuco, num
lugar chamado Pedra Bonita, e que também ficou conhecida como Pedra do Reino.
Nesta tragédia, o movimento foi inicialmente liderado por João Antônio dos
Santos, que fundou um reino com regras próprias, um mundo paralelo, alheio ao
resto do país, e tal líder pregava o retorno de Dom Sebastião, e dizia
mistificações como ter tido contato com o próprio, e que ele retornaria para a
salvação do povo.
Pessoas de pouca instrução estavam sendo exploradas em sua
boa fé naquela região, com a manipulação de uma bebida feita à base de ópio e
jurema, e seu número aumentava, o que chamou a atenção das autoridades do
governo brasileiro, da Igreja Católica e de fazendeiros locais.
Um padre da Igreja convenceu João Antônio a parar com suas
pregações, mas este deixou um novo líder em seu lugar, João Ferreira, que
radicalizou o fanatismo do movimento, em que o retorno de Dom Sebastião
dependeria de um banho de sangue em Pedra Bonita, e tal líder comandou um
massacre em maio de 1838. No dia 18 de maio daquele ano, o arraial de Pedra
Bonita foi destruído por forças comandadas pelo major Manoel Pereira da Silva,
na tentativa de conter a chacina fanática de Pedra Bonita, que Ariano Suassuna,
em seu romance, chamaria de Pedra do Reino.
Também foi mais um fenômeno do movimento sebastianista a
chamada Guerra de Canudos, outra tragédia, esta que teve como líder religioso
Antônio Conselheiro, massacre este que foi localizado na Bahia, entre os anos
de 1893 e 1897. Mais um movimento que pregava o retorno triunfal e salvador de
Dom Sebastião, neste caso, para restabelecer a monarquia e derrubar a
República.
Em 1897, o arraial de Canudos foi destruído pelo Exército.
Euclides da Cunha produziu o melhor documento histórico deste episódio com seu
livro Os Sertões, um dos mais importantes da literatura brasileira, jornalista
que passou três semanas no local da guerra como correspondente de O Estado de
São Paulo.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://seculodiario.com.br/public/jornal/artigo/gurus-e-curandeiros-parte-xxii
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