“Mas que alma mora no sol?”
Uma outra morte nos dará vida. Neste bem-vindo anátema dos
dias fugidos do horizonte. Não quero o emblema da farsa no meu sangue, ouvi os
odres vazios, os cacos de blues sob a névoa de jazz. Claro como o silêncio,
delirava montanhas no meu passo entre meu corpo e meu espírito, entre a minha
dor empírica e minha angústia transcendental.
Volta e meia dá água, vou ao hospital psiquiátrico, tenho a
barriga do tamanho do mundo, o meu punho umedecido, os meus olhos espoucados de
riso, meu ventre túmido de pranto. Volta e meia tenho asco de poesia de
penumbra, quero a poesia de luz estourada e de sombra macabra. Vejo na água do
frio o mar como um grande basalto de limo e de ferro. Tenho asco de poltrões,
asco de minudências vis, os asnos de asco que moram fora dos vitrais, os asnos
mortos de uma longa dor, estes que estão bem longe das dores de uma flor de
ametista. As flores mais úmidas eu as guardei em uma vagina rainha, a queda de
debrum de suas vísceras eram bem vivas, me alimentavam e me davam boa
capacidade de sonho.
O poema risonho no mar de urdidura fenecia como bela pintura
nos átrios de um mausoléu, fantasmagorias passavam entre as visões, canções de
visionários lutavam com seus fogos entre os detritos de uma guerra nuclear.
Fecha o blues da meia-noite, na aurora suscitava desdém de febre com o horror
das ventanias de música, soldados armados de bombas defendiam os trópicos de
duendes frios, seres do gelo contemplavam o frio mais absurdo das notas que
caíam nas vinhas mais diurnas, girassol e pecado, revelação e teoria, nada
ficaria impune sob a veste dos náufragos, vento e poesia seriam volteios de
dança na lembrança de uma chuva.
Os nazistas seriam vitoriosos na farsa de um ditador, morte e
surra na pauta, carne e demônio nos rádios, estoura a boiada, faz-se uma revolução
de paus e pedras, uma intifada mais que justa na queda dos déspotas de suma
ignorância. Velocidade e ataque, tudo o mais que fosse de verso morreria no mar
de overdose, nadamos em esmeraldas sob o luar de loucura, os loucos uivam para
a lua, o riso dos loucos é patético, patética é a ilusão dos loucos, os loucos
são poetas desgovernados, arrotam símbolo entre as nuvens, morrem de seus
símbolos, comem seus fantasmas, ficam na noite à espreita de uma boa porrada.
Nada mais claro na dor dos loucos, a música os entoa entre os desejos, entre as
canções, e vigas são destruídas por um montante incalculável de sonhos
abortados.
Os poetas fazem a cadência da decadência. O decadente sonha
pouco, fala pouco, sempre ou tem cara de mau ou rosto azedo, não faz mais nada
senão delirar estultícia sob o governo do álcool, uma cena podre de riso torto,
de choro escondido, de grito de abismo sob a lua plangente de sofismas burros,
o decadente queria ser grande, mas fala das mesmas coisas e não diz nada, a
decadência dos poetas é um pouco diferente, é astúcia entorpecida, inteligência
rítmica e verbosa de tanto explodir e resgatar-se de ondas inumeráveis, do
vício do espanto que rutila de onde o sonho mais fundo eclode na harmonia do
beijo venenoso de um poema bruto como o sol.
Levita a rosa sob o sândalo vidente. Vento e porra na hora da
música, tanto sonho de cal e gesso e fuligem e brilho fundo de alma. Fogo entre
os sonhos mais azuis, rosa pálida da negra flor da noite, vento e karma sob a
justiça de deidades iradas sob o manto de um monge ressequido. O verso se
enumera de coleções de espantos, mas ao espadachim não há nada limitado, honra
se dá na nau da palavra como monte no céu de Meru. Shambala anárquico dá as
cartas, os olhos são muitos, vento e drama são faces duplas de poesia de espada
de corte no coração pelo gelo mais frio da rima e do verdor de tanta bruma.
Verso e reverso na noite suja, mais longe vai o grito na dor espetada dos dias.
Os poetas do ócio não vão além, pois na escrita tem que ter o sentido da guerra,
a morte de guerra, a vida disputada à tapa na farsa derrotada, na faca enfiada
dentro d`alma!
Corrói o espesso drama, teatro de verso na hora da tragédia
sob o riso funesto de um delírio que ruma ao norte, o norte da saudade dos
vícios cerúleos dos anjos, das máquinas vigoradas na lida mais forte de todas
as armas apontadas no fogo do brio com o olho mórbido do poema suicidado que
não dá nota fora do fastígio. Emblema, dor e fúria, a pena atávica decifra
todos os enigmas como um duende, o mago abissal revela ao terror a bruma na lua
dos lobos uivantes como os loucos. Vejo a música tétrica e vejo a lua cheia,
nota abissal retinta sob os gritos da penúria que sai dos alvos campos e mata a
caça depois de fugir da verdade búdica que cantou num espírito jovem. Lembra:
os notívagos iam atrás das canções de amor como flechas dançando entre os
corações ciosos de tanto amar, com o corte da madrugada em seus vinhos, com a
beberagem e a voragem dos livros estacados entre palavras de mistérios gozosos.
A virgem mais linda sorriu como poema de sonoro verso, e a noite se abriu na
galanteria, os versos são paixões tortas como o fiel sabor do amor depois da
fria mentira que ressoou pelo tempo matado de raiva.
Me espantei na alma da esfera como fera pútrida de tanto
canto em mar de selvagens, com os ossos na urna que ressoa o cadáver entre os
potes quebrados e uma ratoeira. Mas que alma mora no sol? Quais os segredos
guardados na urna de Da Vinci? Tem poemas estarrecidos de penumbra com flores
viciosas na temperatura bruta do cais em tempo de fervura e paixões vermelhas.
Venta muito no leste de meus olhos, tempestade que ruma ao sonho alto da viga
de aço do terror que rumina entre as frias canções de morte que ainda vivia nos
adoradores de Moloque. Venta com a nuvem roxa entre os cantos de funeral num
inverno grosso de neve tola nas quedas românticas de mar glacial que congela o
poema sob o sangue mais sério da litania. Venta e tudo é tempo na vida da
selva, romance de calor vai ao longe falar de flor quando o desmaio é inevitável,
caem os espíritos das nuvens que rumam para o oriente, monges fogem de suas
cercanias, o monastério fica azul como num bom delírio beatífico.
Venta ao sul, ao norte venta. Mais poemas caem de meu
relógio, tenho poemas caindo por todos os lados, tenho poemas em vento como na
dor horizontal que teima em versos verticais. Venta com tudo o que há na mais
intensa fornalha dos ares que deliram por todos os rios que veem os castanhos
deltas sob a piramidal letra. Rezo. Tenho o vício de tantra em meu corpo com os
leves sonhos de asa da vertigem entre os folguedos que rumam ao sul, ao norte,
vejo no horizonte flores pulando no fim do mar. Quais ventos me levam ao sul ao
norte? Vento que reclama na funda bruma do verão, que grita no vinho secreto do
inverno. Rezo em todas as cores de meus delírios atávicos, brota o símbolo de
minha pena como um mar tolo de fundo drama que é floração do tempo em tinta de
eternidade, flor e saudade, mais a queda dos anjos com cintilantes fenecimentos
que caem de rumor e vigor que vem na estrada, tal é a estrada brusca dos
ferozes campos de trigo, desterro do deserto amarelo, amar a virtude como a
morte saudosa do campo de feno, fadado ao sucesso como a alma mais risonha do
sangue que pula no mar azul de safira, mar de sangue, flor e tempo, sepulcro
rinha de gládios gaudérios pascácios néscios patuscos parvos patente de todo
poema quando afoga na tenebrosa beldade que é berro de morte entre a areia e os
olhos da pesca.
Lembro dos ócios antes da morte, tenho o caos que nem poema
pelo canto de mistério que rumina febre nas ondas que invadem o estaleiro na
dor da urtiga e no frio dos espinhos. Cai e renasce o sonho de flor vermelha na
via macerada das cabeças de ferro, aço indelével mora no peito, e o poema se
vinga com as machadadas na cara de poetaços.
Ruma ao sul, ao norte, qual nau fomentada e de paramentos
rústicos como carne e memória. Lenho seco entre os fogos, galhos espraiados na
noite de céu estrelado como abóbada na carne e no tempo, memória que ruge em
mnemosyne que nem o espanto de renascer com os olhos furiosos na panaceia que
levita no sonho do préstito. Bela unção vem o tempo ressoar a estrela maldita
que nasce na manhã, enquanto o arrebol canta qual fulminado a dor de seu
trovão, venho em mais sal e vigor que o mar, venho com o tempo vertido em
mancha de desaforo, em mentira vertida entre o sangue e a espada, entre a faca
e o livro, dentre todas as vinhas canto o valor da poesia que nem mendigo
diante do fardo de ser máquina entre o total universo e o repleto nada.
Vingo os filhos, caio sem fé nas poças de estanho e no limo
do gás que ruge no ar entre as frações de meu coração, tento abarcar os sonhos
vis na canoa que vem do mar com os lírios de ilusão nas mãos, venho que nem
estrela na barafunda de um pomar que tem tulipas de raiz e tubérculos na
metamorfose dos insetos, venho no mar ao mar e vou ao sol pelo sol para tardar
até a lua, o sangue vinga o tema azul das horas mais sujas que rutilam pelo
vinho e nas sagradas sacerdotisas do império milenar que é nódoa na vulgar serpente
dos dramas que comem as tragédias no vício pantagruélico de comédias
excêntricas.
O vento rumina flor funesta que nem ritmo de muro pintado de
cor estranha no palco dos venenos de mundo e de mundo atordoado na tinta funda
dos lenhos mais tardos da chuva. Vinho e terror, a paus e pedras se faz todo o
monte de lenho, pedras são roladas no átrio do coração em espanto de ferro como
certezas de cobre. Venho, e o vento é mais sinistro que todo o mar, o poema é
mais veneno que o delírio da serpente, o poema é vício de estrela entre o sol e
a lua no eclipse de sombra que aguarda mistério na ventania e nos olhos que
acordam entre satoris de sarça e sândalo. Vejo como o poema cresce como flor
circense nas odes mais cruentas que podem nascer da pena vingativa.
O tempo da hora vasta, como filho de Pã sob a lua cheia,
tenho meu cenho cortado de palração infinita, sob o leme ao castelo de dor em
febre, meus instantes são como sóis, guardo a beleza em forno de ossos.
Enquanto a febre dá o calor da morte, tenho o frio sob a noite, e eles, os
déspotas, fogem sob a espada com o grunhido louco da ferocidade, cada lado da
moeda antiga celebra o punho erguido da viga e da força. Tem toda a hora
espetada de espanto, a poesia se emoldura de fracasso, a força não está lá no mundo,
a poesia busca desde o eterno sua salvação, e ela, a poesia, se salva própria,
de si, uma vez que verso e prosa se fundem no mistério que vem na pena. Não há
eterno que se busque, a pena se dá ao fim como ao mítico começo, e o universo
se faz verbo e emula em seu sonho um poeta e todas as cores do desespero, um
poeta e todas as dores da esperança, os filhos da carne se dão aos montes na
orgia, o sal que corre em meu sangue é o poema quando danço, o sal que mora no
silente campo de fora, é alma dentro de um poema que se faz carne, e a
santidade destes mistérios, ao poema tudo se desvela, e não há chave que a
poesia já não conheça, a vidência é o poema em sol com veste lunar, pois à
noite o lírio se espanta, e à lira, funda parca, o poema se eterniza.
Flores rutilam no jardim das delícias, minha alma não se
salva de tanta dor, e do amor mais vasto, não se fere aos montes mais gélidos,
e da cantoria à música de orquestra, ao fundo da câmara a alma se encanta, e o
poema-música de som ao corte de cor e morte faz como sinal e signo de toda uma
canção. O poeta está na visão, e os olhos ouvem toda a cor de que o cais vai ao
mar, nada sobra senão o som do marulho na dama que dança, e o sol fiel morre de
êxtase na lira possuída de sombra, ritmo e farsa.
Os poemas montam no campo de flor e riso, e o pranto mais
doído, se esquece na queda e olvido. Mais, ao terror da febre o poeta se tece,
dá tudo o mais, ao calor feérico de seu delírio, e ao frio racional de sua
pena. Dionísio se esmera de loucura abissal, e o poema cai refém de toda
loucura da imaginação, todas as sabedorias explodem no ventre de morte que ao
lodoso vinho os corpos se esfacelam, e a alegoria dos campos elísios era nada
mais que o surto visionário que à poesia se traduziu, olho esférico no transe
que é hipnose de uma doença de eternidade.
A alma que tem saudade, no jogo da língua e na torre de luz
vai à areia da praia pela liberdade que se encontra com o mar, e da aurora mais
funda, o resto do nada ao eterno vai à luta imortal que se fez encampada, e da
guerra moribunda a poesia virou corpo e denso karma de canto e música. Nos
solos da terra eterna o canto moldou seu ressoar de esfera, e o corpo do som à
cor gerou a criação em sinestesia, e o olho semeou a flor de anarquia, e o
poeta virou anjo e visão na morte do mar que a onda batizou. O mar feroz se
virou ao caudal da prosa. E o silente rumor das feridas d`alma, da flor
nascedoura ao rio desceu, como ferro e brasa que na vitória foi liquidada, e o
mistério da nuvem densa de amor à tempestade se derramou. A pena faz a
História, e o verso se dá ao espanto, sob a jugular da Necessidade:
Lírios de morte
querem vida,
os olhos querem explosão,
vinho de meu fel vai ao céu,
o paraíso é a rua e a boêmia,
vaticina seu holocausto a temida
pena de socorrista, nau estrelada
que nem vertigem, a noite densa
liberta a alma amargurada,
de fel morre a estrada sem luz,
pois do lume ao vigor do poema,
todo mar é música.
(POEMA EM PROSA)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/39422/14/carta-ao-inventor-da-musica
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