PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 12 de julho de 2018

CARTA AO INVENTOR DA MÚSICA


“Mas que alma mora no sol?”
Uma outra morte nos dará vida. Neste bem-vindo anátema dos dias fugidos do horizonte. Não quero o emblema da farsa no meu sangue, ouvi os odres vazios, os cacos de blues sob a névoa de jazz. Claro como o silêncio, delirava montanhas no meu passo entre meu corpo e meu espírito, entre a minha dor empírica e minha angústia transcendental.
Volta e meia dá água, vou ao hospital psiquiátrico, tenho a barriga do tamanho do mundo, o meu punho umedecido, os meus olhos espoucados de riso, meu ventre túmido de pranto. Volta e meia tenho asco de poesia de penumbra, quero a poesia de luz estourada e de sombra macabra. Vejo na água do frio o mar como um grande basalto de limo e de ferro. Tenho asco de poltrões, asco de minudências vis, os asnos de asco que moram fora dos vitrais, os asnos mortos de uma longa dor, estes que estão bem longe das dores de uma flor de ametista. As flores mais úmidas eu as guardei em uma vagina rainha, a queda de debrum de suas vísceras eram bem vivas, me alimentavam e me davam boa capacidade de sonho.
O poema risonho no mar de urdidura fenecia como bela pintura nos átrios de um mausoléu, fantasmagorias passavam entre as visões, canções de visionários lutavam com seus fogos entre os detritos de uma guerra nuclear. Fecha o blues da meia-noite, na aurora suscitava desdém de febre com o horror das ventanias de música, soldados armados de bombas defendiam os trópicos de duendes frios, seres do gelo contemplavam o frio mais absurdo das notas que caíam nas vinhas mais diurnas, girassol e pecado, revelação e teoria, nada ficaria impune sob a veste dos náufragos, vento e poesia seriam volteios de dança na lembrança de uma chuva.
Os nazistas seriam vitoriosos na farsa de um ditador, morte e surra na pauta, carne e demônio nos rádios, estoura a boiada, faz-se uma revolução de paus e pedras, uma intifada mais que justa na queda dos déspotas de suma ignorância. Velocidade e ataque, tudo o mais que fosse de verso morreria no mar de overdose, nadamos em esmeraldas sob o luar de loucura, os loucos uivam para a lua, o riso dos loucos é patético, patética é a ilusão dos loucos, os loucos são poetas desgovernados, arrotam símbolo entre as nuvens, morrem de seus símbolos, comem seus fantasmas, ficam na noite à espreita de uma boa porrada. Nada mais claro na dor dos loucos, a música os entoa entre os desejos, entre as canções, e vigas são destruídas por um montante incalculável de sonhos abortados.
Os poetas fazem a cadência da decadência. O decadente sonha pouco, fala pouco, sempre ou tem cara de mau ou rosto azedo, não faz mais nada senão delirar estultícia sob o governo do álcool, uma cena podre de riso torto, de choro escondido, de grito de abismo sob a lua plangente de sofismas burros, o decadente queria ser grande, mas fala das mesmas coisas e não diz nada, a decadência dos poetas é um pouco diferente, é astúcia entorpecida, inteligência rítmica e verbosa de tanto explodir e resgatar-se de ondas inumeráveis, do vício do espanto que rutila de onde o sonho mais fundo eclode na harmonia do beijo venenoso de um poema bruto como o sol.
Levita a rosa sob o sândalo vidente. Vento e porra na hora da música, tanto sonho de cal e gesso e fuligem e brilho fundo de alma. Fogo entre os sonhos mais azuis, rosa pálida da negra flor da noite, vento e karma sob a justiça de deidades iradas sob o manto de um monge ressequido. O verso se enumera de coleções de espantos, mas ao espadachim não há nada limitado, honra se dá na nau da palavra como monte no céu de Meru. Shambala anárquico dá as cartas, os olhos são muitos, vento e drama são faces duplas de poesia de espada de corte no coração pelo gelo mais frio da rima e do verdor de tanta bruma. Verso e reverso na noite suja, mais longe vai o grito na dor espetada dos dias. Os poetas do ócio não vão além, pois na escrita tem que ter o sentido da guerra, a morte de guerra, a vida disputada à tapa na farsa derrotada, na faca enfiada dentro d`alma!
Corrói o espesso drama, teatro de verso na hora da tragédia sob o riso funesto de um delírio que ruma ao norte, o norte da saudade dos vícios cerúleos dos anjos, das máquinas vigoradas na lida mais forte de todas as armas apontadas no fogo do brio com o olho mórbido do poema suicidado que não dá nota fora do fastígio. Emblema, dor e fúria, a pena atávica decifra todos os enigmas como um duende, o mago abissal revela ao terror a bruma na lua dos lobos uivantes como os loucos. Vejo a música tétrica e vejo a lua cheia, nota abissal retinta sob os gritos da penúria que sai dos alvos campos e mata a caça depois de fugir da verdade búdica que cantou num espírito jovem. Lembra: os notívagos iam atrás das canções de amor como flechas dançando entre os corações ciosos de tanto amar, com o corte da madrugada em seus vinhos, com a beberagem e a voragem dos livros estacados entre palavras de mistérios gozosos. A virgem mais linda sorriu como poema de sonoro verso, e a noite se abriu na galanteria, os versos são paixões tortas como o fiel sabor do amor depois da fria mentira que ressoou pelo tempo matado de raiva.
Me espantei na alma da esfera como fera pútrida de tanto canto em mar de selvagens, com os ossos na urna que ressoa o cadáver entre os potes quebrados e uma ratoeira. Mas que alma mora no sol? Quais os segredos guardados na urna de Da Vinci? Tem poemas estarrecidos de penumbra com flores viciosas na temperatura bruta do cais em tempo de fervura e paixões vermelhas. Venta muito no leste de meus olhos, tempestade que ruma ao sonho alto da viga de aço do terror que rumina entre as frias canções de morte que ainda vivia nos adoradores de Moloque. Venta com a nuvem roxa entre os cantos de funeral num inverno grosso de neve tola nas quedas românticas de mar glacial que congela o poema sob o sangue mais sério da litania. Venta e tudo é tempo na vida da selva, romance de calor vai ao longe falar de flor quando o desmaio é inevitável, caem os espíritos das nuvens que rumam para o oriente, monges fogem de suas cercanias, o monastério fica azul como num bom delírio beatífico.
Venta ao sul, ao norte venta. Mais poemas caem de meu relógio, tenho poemas caindo por todos os lados, tenho poemas em vento como na dor horizontal que teima em versos verticais. Venta com tudo o que há na mais intensa fornalha dos ares que deliram por todos os rios que veem os castanhos deltas sob a piramidal letra. Rezo. Tenho o vício de tantra em meu corpo com os leves sonhos de asa da vertigem entre os folguedos que rumam ao sul, ao norte, vejo no horizonte flores pulando no fim do mar. Quais ventos me levam ao sul ao norte? Vento que reclama na funda bruma do verão, que grita no vinho secreto do inverno. Rezo em todas as cores de meus delírios atávicos, brota o símbolo de minha pena como um mar tolo de fundo drama que é floração do tempo em tinta de eternidade, flor e saudade, mais a queda dos anjos com cintilantes fenecimentos que caem de rumor e vigor que vem na estrada, tal é a estrada brusca dos ferozes campos de trigo, desterro do deserto amarelo, amar a virtude como a morte saudosa do campo de feno, fadado ao sucesso como a alma mais risonha do sangue que pula no mar azul de safira, mar de sangue, flor e tempo, sepulcro rinha de gládios gaudérios pascácios néscios patuscos parvos patente de todo poema quando afoga na tenebrosa beldade que é berro de morte entre a areia e os olhos da pesca.
Lembro dos ócios antes da morte, tenho o caos que nem poema pelo canto de mistério que rumina febre nas ondas que invadem o estaleiro na dor da urtiga e no frio dos espinhos. Cai e renasce o sonho de flor vermelha na via macerada das cabeças de ferro, aço indelével mora no peito, e o poema se vinga com as machadadas na cara de poetaços.
Ruma ao sul, ao norte, qual nau fomentada e de paramentos rústicos como carne e memória. Lenho seco entre os fogos, galhos espraiados na noite de céu estrelado como abóbada na carne e no tempo, memória que ruge em mnemosyne que nem o espanto de renascer com os olhos furiosos na panaceia que levita no sonho do préstito. Bela unção vem o tempo ressoar a estrela maldita que nasce na manhã, enquanto o arrebol canta qual fulminado a dor de seu trovão, venho em mais sal e vigor que o mar, venho com o tempo vertido em mancha de desaforo, em mentira vertida entre o sangue e a espada, entre a faca e o livro, dentre todas as vinhas canto o valor da poesia que nem mendigo diante do fardo de ser máquina entre o total universo e o repleto nada.
Vingo os filhos, caio sem fé nas poças de estanho e no limo do gás que ruge no ar entre as frações de meu coração, tento abarcar os sonhos vis na canoa que vem do mar com os lírios de ilusão nas mãos, venho que nem estrela na barafunda de um pomar que tem tulipas de raiz e tubérculos na metamorfose dos insetos, venho no mar ao mar e vou ao sol pelo sol para tardar até a lua, o sangue vinga o tema azul das horas mais sujas que rutilam pelo vinho e nas sagradas sacerdotisas do império milenar que é nódoa na vulgar serpente dos dramas que comem as tragédias no vício pantagruélico de comédias excêntricas.
O vento rumina flor funesta que nem ritmo de muro pintado de cor estranha no palco dos venenos de mundo e de mundo atordoado na tinta funda dos lenhos mais tardos da chuva. Vinho e terror, a paus e pedras se faz todo o monte de lenho, pedras são roladas no átrio do coração em espanto de ferro como certezas de cobre. Venho, e o vento é mais sinistro que todo o mar, o poema é mais veneno que o delírio da serpente, o poema é vício de estrela entre o sol e a lua no eclipse de sombra que aguarda mistério na ventania e nos olhos que acordam entre satoris de sarça e sândalo. Vejo como o poema cresce como flor circense nas odes mais cruentas que podem nascer da pena vingativa.
O tempo da hora vasta, como filho de Pã sob a lua cheia, tenho meu cenho cortado de palração infinita, sob o leme ao castelo de dor em febre, meus instantes são como sóis, guardo a beleza em forno de ossos. Enquanto a febre dá o calor da morte, tenho o frio sob a noite, e eles, os déspotas, fogem sob a espada com o grunhido louco da ferocidade, cada lado da moeda antiga celebra o punho erguido da viga e da força. Tem toda a hora espetada de espanto, a poesia se emoldura de fracasso, a força não está lá no mundo, a poesia busca desde o eterno sua salvação, e ela, a poesia, se salva própria, de si, uma vez que verso e prosa se fundem no mistério que vem na pena. Não há eterno que se busque, a pena se dá ao fim como ao mítico começo, e o universo se faz verbo e emula em seu sonho um poeta e todas as cores do desespero, um poeta e todas as dores da esperança, os filhos da carne se dão aos montes na orgia, o sal que corre em meu sangue é o poema quando danço, o sal que mora no silente campo de fora, é alma dentro de um poema que se faz carne, e a santidade destes mistérios, ao poema tudo se desvela, e não há chave que a poesia já não conheça, a vidência é o poema em sol com veste lunar, pois à noite o lírio se espanta, e à lira, funda parca, o poema se eterniza.
Flores rutilam no jardim das delícias, minha alma não se salva de tanta dor, e do amor mais vasto, não se fere aos montes mais gélidos, e da cantoria à música de orquestra, ao fundo da câmara a alma se encanta, e o poema-música de som ao corte de cor e morte faz como sinal e signo de toda uma canção. O poeta está na visão, e os olhos ouvem toda a cor de que o cais vai ao mar, nada sobra senão o som do marulho na dama que dança, e o sol fiel morre de êxtase na lira possuída de sombra, ritmo e farsa.
Os poemas montam no campo de flor e riso, e o pranto mais doído, se esquece na queda e olvido. Mais, ao terror da febre o poeta se tece, dá tudo o mais, ao calor feérico de seu delírio, e ao frio racional de sua pena. Dionísio se esmera de loucura abissal, e o poema cai refém de toda loucura da imaginação, todas as sabedorias explodem no ventre de morte que ao lodoso vinho os corpos se esfacelam, e a alegoria dos campos elísios era nada mais que o surto visionário que à poesia se traduziu, olho esférico no transe que é hipnose de uma doença de eternidade.
A alma que tem saudade, no jogo da língua e na torre de luz vai à areia da praia pela liberdade que se encontra com o mar, e da aurora mais funda, o resto do nada ao eterno vai à luta imortal que se fez encampada, e da guerra moribunda a poesia virou corpo e denso karma de canto e música. Nos solos da terra eterna o canto moldou seu ressoar de esfera, e o corpo do som à cor gerou a criação em sinestesia, e o olho semeou a flor de anarquia, e o poeta virou anjo e visão na morte do mar que a onda batizou. O mar feroz se virou ao caudal da prosa. E o silente rumor das feridas d`alma, da flor nascedoura ao rio desceu, como ferro e brasa que na vitória foi liquidada, e o mistério da nuvem densa de amor à tempestade se derramou. A pena faz a História, e o verso se dá ao espanto, sob a jugular da Necessidade:

                             Lírios de morte querem vida,
                             os olhos querem explosão,
                             vinho de meu fel vai ao céu,
                             o paraíso é a rua e a boêmia,
                             vaticina seu holocausto a temida
                             pena de socorrista, nau estrelada
                             que nem vertigem, a noite densa
                             liberta a alma amargurada,
                             de fel morre a estrada sem luz,
                             pois do lume ao vigor do poema,
                             todo mar é música.

(POEMA EM PROSA)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :  http://seculodiario.com.br/39422/14/carta-ao-inventor-da-musica

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