PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

A PRESENÇA DA MORTE NOS CONTOS DE EDGAR ALLAN POE

"O enigma final, por conseguinte, se dá nas circunstâncias da morte do próprio autor.”

Edgar Allan Poe foi um contista norte-americano do início do século XIX, e sua criação literária tanto inaugurou caminhos para o filão do gênero policial como do horror que poderemos ver em H.P. Lovecraft. A presença da morte, junto com a figura da mulher, e uma trama que flerta com o fantástico, antecipa tendências literárias, como disse, e coloca também Poe como um contista de grande envergadura e originalidade.

Poe é o poeta de O Corvo e o contista de O gato preto. A obra de Poe foi escrita numa espiral autodestrutiva de alcoolismo e também com a sua morte misteriosa, e aqui, vendo alguns de seus contos, vamos tematizar o modo como a morte aparece neles, sobretudo em seu efeito temático e de estilo, com este ar gótico que trabalha com cadáveres putrefatos e quetais, como o eixo em que se desenvolve a imaginação deste contista.

Em A queda da casa de Usher, primeiro conto da edição de Histórias Extraordinárias, a trama se desenvolve em torno da narração do visitante a esta casa e a descrição triste e gélida de seu morador Roderick Usher, e que teria perdido a sua jovialidade e se enfurnado neste lugar sombrio e sem vida.  Logo vemos os sentimentos de terror do narrador e a sua imaginação ardendo neste cenário em que a sua especulação busca entender algo de um cenário desolador e nada estimulante. 

Esta figura de Roderick lhe causava angústia. No conto ele descreve : “Vi que era escravo forçado de uma espécie anômala de terror. - Morrerei - disse-me -, devo morrer desta deplorável loucura.” Poe aqui já coloca a morte como eixo temático que incrementa o clima de mistério e terror, o personagem acometido deste mal estava em um embate com o seu horrendo fantasma, o medo.

A condição mental aqui se dá na tonalidade da loucura e da morte, podemos ver neste conto a fronteira que leva da loucura à morte, um sentimento de decadência e decrepitude, a tristeza, o vazio. Um sofrimento físico e espiritual domina toda a ambiência deste conto, e Lady Madeline, a irmã deste último representante dos Usher, aqui também aparece de forma diáfana e quase moribunda. O narrador logo é tomado por um estupor. Lady Madeline sofria de uma enfermidade desconhecida. E Roderick Usher, por sua vez, era a imagem da melancolia. 

Contudo, o fato principal do conto se dá quando o narrador nos diz : “uma noite, tendo sido informado, abruptamente, de que Lady Madeline já não existia, ele me manifestou a intenção de conservar o corpo, durante quinze dias (antes de seu sepultamento final), numa das numerosas criptas situadas no interior das paredes principais do edifício.” 

Aqui não darei o spoiler do conto, mas temos aqui a presença pálida e diáfana de uma mulher moribunda e logo a sua associação fatalista com a morte, colocando este eixo temático de Poe sobre a morte também como a sua relação com uma mulher à beira do falecimento e a culminância neste fetiche de Poe sobre enterros e emparedamentos bizarros. 

E temos o terceiro conto de Histórias Extraordinárias, que é o conto O gato preto, o conto que se tornou clássico quando se fala do autor Edgar Allan Poe. Aqui temos, mais uma vez, as obsessões do autor, e o conto tem o narrador que vai do alcoolismo, a uma divagação sobre a perversidade, que não seria exatamente um conceito filosófico, a sua relação com a esposa e seu gato preto Pluto.

Aqui temos a sua narração de agressões a seus bichos, e que culmina no enforcamento de seu gato por ele mesmo e o evento simultâneo de um incêndio que coloca a sua casa abaixo. O narrador do conto então vai para um antro infame, e acaba por ver um gato preto com mancha branca no alto de um barril de genebra ou de rum, o dono da espelunca não sabia que bicho era aquele, o gato segue o narrador, que o leva para a sua então casa. 

A narração do conto se estende rapidamente até uma culminância em que temos, mais uma vez, a morte de uma mulher, que é a esposa do narrador, isto sob a influência de uma peripécia com este gato, e todo o desastre de suas ações impensadas que vão dar, outra vez, no fetiche de Poe entre morte e emparedamento, tal qual “faziam os monges da Idade Média com as suas vítimas”. O desfecho do conto é bem conhecido, e não cabe aqui dar spoiler a quem ainda não tiver lido, muito recomendado para quem gosta de leitura policial e de terror.

No conto Berenice temos o narrador falando da personagem do título que é sua prima, ela é acometida de uma doença rara que a leva à convulsões epilépticas e a cair num estado de catalepsia. O estado cataléptico se assemelha à morte e pode ser confundido com o óbito, mais uma vez, a figura de uma mulher é associada a ideia de morte. 

Poe sempre tem esta abordagem de mulheres pálidas e diáfanas, acometidas de um mal de morte. A catalepsia é mais um fetiche, junto com a fatalidade de emparedamentos. Poe situa a morte em um transe estilístico que se junta ao terror e a tramas fantásticas, a morte tem todo um estilo estrambótico, excessivo, o contista Poe é exaltado em sua ligação de autor com a morte. A monomania do narrador, por sua vez, culmina com um desfecho de morte e catalepsia anunciado no início do conto. 

No conto Os crimes da rua Morgue temos em seu começo a descrição do que se trata uma inteligência analítica, a sua associação tanto com o jogo como com a vida prática no sentido de resoluções e antecipações, o conto que será sobre um crime, terá nesta introdução mais técnica o escopo necessário para o seu desenrolar, que é quando o narrador nos apresenta o personagem Dupin, do qual ele é interlocutor.

Dupin exemplifica este homem analítico. Logo nos deparamos com a notícia do crime de Madame e Mademoiselle L`Espanaye no jornal, e todas as diligências e investigações em torno do caso que tomou Paris, Morgue que era uma das vielas pobres entre a Rua Richelieu e a Rua Saint Roche.

Toda a trama se envolve, primeiro, na investigação oficial, e depois na intromissão de Dupin e a resolução do crime de forma surpreendente e insólita, em que os detalhes se concatenam e de uma aparente ilogicidade de todo o acontecimento intrincado, o conto tem um desenlace que flerta com o fantástico, mas sem apelar para o sobrenatural, mais uma vez, a morte se liga a cadáveres femininos, repetindo o ciclo de Edgar Allan Poe em torno de seu fetiche de cadáveres femininos como a presença principal da morte em seus contos. 

Edgar Allan Poe coloca em Dupin, desta vez, o exemplo de uma inteligência analítica que deslinda o conto sob a forma de um conto policial propriamente dito, ao passo que os outros contos que citei anteriormente são mais de um terror e ligado ao mistério da morte e suas imagens gélidas e perturbadoras. Aqui em Os crimes da rua Morgue, a morte é violenta, também perturbadora, mas ligada à ideia de um crime urbano, isto é, um caso policial, e não mais o objeto de um conto de terror ou de ambiência gótica e sombria. 

O enigma final, por conseguinte, se dá nas circunstâncias da morte do próprio autor. Edgar Allan Poe foi visto delirando na rua, em 3 de outubro de 1849, quando estava numa esquina de Baltimore, usando roupas bem estranhas e amarrotadas. Poe acabou por agonizar durante quatro dias no hospital chamando por um certo Reynolds, e repetindo a frase “Deus, ajude a minha pobre alma”, vindo a falecer.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.


Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/cultura/a-presenca-da-morte-nos-contos-de-edgar-allan-poe

 



 


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