GOVERNO MILEI - PARTE 1
“teste de estresse constante na manutenção de uma política de cortes draconianos”
Javier Milei fez diversas promessas radicais na sua campanha à presidência da Argentina, a plataforma eleitoral chamada La Libertad Avanza, o partido dele. Dentre ideias polêmicas estava a do mercado de órgãos humanos e o porte livre de armas, o que não aconteceu. A apreensão de sua posse vinha do fato que, efetivamente, se tratava do primeiro “libertário” na História Mundial a governar um país. Outro termo que se pode usar para Milei é que ele era um outsider da política.
Depois de um semestre de governo, outras promessas radicais também não ocorreram, como o chamado “cepo al dólar”, que seria a remoção do controle de capitais, e também a dolarização da economia argentina e o fechamento do Banco Central. Javier Milei disse que ainda pretende implementar tais medidas, mas o governo quer primeiro ajustar a economia, com a redução da inflação, que até então era a mais alta do mundo, em 290% ao ano.
O pragmatismo parece ter falado mais alto, no entanto, com medidas de fortalecimento do peso argentino, valorizado em 70%, e a dotação de fundos para o Banco Central, que se encontrava com reservas negativas. O conflito na Argentina se deu, contudo, quando Milei fez um ajuste sem precedentes nos gastos públicos.
Outro fato que abala o cenário são suas declarações polêmicas em público e nas redes sociais. Medidas que também geraram conflito foram os mandados de busca expedidos pela Justiça contra depósitos de alimentos estatais, afetando a distribuição de alimentos aos restaurantes populares. Crises como o aumento da dengue no verão e a falta de gás natural no início do inverno também ocorreram.
A política do déficit zero é outro tema em que o governo de Javier Milei tem sido draconiano, e neste caminho para que o Estado argentino tenha mais receitas do que gastos, o presidente já afirmou que é algo inegociável, pois considera como o único caminho para o combate da inflação, pois, segundo o governo, a emissão que gera a inflação surge justamente quando o Estado gasta mais do que arrecada.
O custo social da política de déficit zero, no entanto, tem gerado conflitos e convulsões, pois houve um ajuste radical de 35% nos gastos do Estado em comparação com 2023. Num país secularmente no vermelho, o resultado de não ter tido déficit nos primeiros seis meses de governo, como o de ter gerado superávits gêmeos, o que equivale a excesso de receita sobre despesas fiscais e comerciais, algo raro na História do país, revela o diapasão radical de transformação das contas públicas argentinas, contudo, sem levar em conta os custos sociais de um remédio traumático e amargo que pode virar veneno se não tiver a dosagem adequada.
Este sucesso superavitário na base de um ajuste draconiano é contestado pela oposição política, por exemplo, na figura de Cristina Kirchner, que contesta estas informações lembrando que a Cammesa, encarregada de operar por atacado o mercado elétrico, não recebeu pagamento do governo, existem obras públicas sem financiamento, além de dívidas não pagas às províncias e desembolsos às universidades.
Além disso, entre os próprios economistas há controvérsias quanto à eficácia de um ajuste econômico tão radical como o de Milei, do ponto de vista da tolerância e resiliência social de seus custos para a vida da maioria da população argentina, e que tem sido um teste de estresse constante na manutenção de uma política de cortes draconianos sem a contrapartida social e de sustentação dos índices de saúde social do país.
A aplicação do que Javier Milei chamou de “motosserra” em sua campanha, que visa ao déficit zero, já atingiu cortes em 13 dos 17 itens do Produto Interno Bruto (PIB) herdado de administrações passadas, que envolvem questões fiscais, comerciais e do Banco Central argentino.
A chamada motosserra de Milei representou, na prática, até agora, a redução de secretarias e ministérios pela metade, corte de funcionários públicos com menos de um ano de serviço, suspensão de obras públicas por um ano, suspensão da publicidade do governo na imprensa por um ano, redução ao mínimo de transferências discricionárias às províncias pelo Estado argentino, além da redução de subsídios aos setores de energia e de transportes.
Os efeitos colaterais destes cortes da motosserra são, por exemplo, o colapso da construção devido à suspensão de obras públicas, e o recuo do índice de produção industrial. Na administração pública, por sua vez, depois de cerca de 25.000 demissões no Estado argentino, Milei já disse que pretende demitir mais 50.000 funcionários públicos.
A Argentina se tornou, nos últimos anos, incrivelmente dependente do trabalho público para manter seus índices de emprego, e a redução dos postos assalariados representou para a Secretaria do Trabalho, por sua vez, uma queda do índice de emprego no país, com um recuo da atividade econômica de 5,3% no primeiro trimestre do ano e de 8,4% em relação a 2023.
O argumento para o ajuste econômico é a ideia de que a economia argentina irá ter uma trajetória em V, isto é, o primeiro semestre terá um vale, um fosso, e dali um rebote quando o controle de capital sobre o dólar for aberto. Um dos sinais, segundo o governo, de recuperação, vem da volta de oferta de créditos hipotecários pelos bancos 20 e 30 anos, algo pouco usual no país.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) endossa a tese de recuperação e estima um crescimento econômico de 5% da Argentina já em 2025, mesmo órgão que previu crescimento de 2,8% em 2024 e teve que rever para uma expectativa de contração de 2,8%, antes de voltar a crescer em 2025.
(continua)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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