Antonin Artaud, artista francês, que era principalmente dramaturgo e diretor teatral, começou as suas atividades dentro do contexto do Surrealismo, mas pouco tempo depois rompeu com os surrealistas por discordar da decisão do grupo de se associar ao Partido Comunista. Depois de tal ruptura, a relação de Artaud com os surrealistas se tornou extremamente conflituosa, pois durante as tentativas de Artaud para erguer e divulgar seu novo Teatro Alfred Jarry, onde montou algumas de suas peças e também versões próprias de clássicos do teatro, recebeu um combate vigoroso de seus agora inimigos.
As concepções sobre o teatro de Artaud eram uma tentativa revolucionária de mudança de rumos do que ele via no teatro moderno. A partir de uma nova visão, que se desenvolveu e que, com o tempo, recebeu pelo próprio Artaud, o nome de Teatro da Crueldade, se construiu uma concepção teatral de ruptura com o chamado teatro ocidental, que representava, para Artaud, um teatro autoral, e compromissado com a prevalência do texto sobre a cena. Artaud queria inverter esta relação, numa tentativa de fazer a encenação falar por si mesma, reduzindo o papel da palavra escrita nas suas montagens.
Artaud, em sua busca de um novo teatro, fazia uma crítica ao domínio ordinário das palavras no teatro. Ele pretendia chegar no extremo da linguagem, e a chave estaria na encenação, e não no texto. O objetivo de Artaud era resgatar uma linguagem própria do teatro, fazendo então uma crítica ao papel do diálogo como fundamento e ponto conectivo de toda a representação cênica. Ele diz, em uma de suas cartas: "O teatro só será devolvido a ele mesmo no dia em que toda a representação dramática se desenvolver diretamente a partir do palco". Artaud queria retomar um sentido originário do Teatro por duas vias fundamentais, que seriam o Humor e a Poesia, que farão o papel de guias metafísicos de seu novo teatro, numa reaproximação da palavra do texto em função da encenação, e não o contrário, num caminho que ele vai chamar de metafísica orgânica, tentando, com isso, retomar ao teatro a própria vida.
Nas suas cartas, ele evidencia sua concepção ritualística do teatro: "O teatro é antes de tudo ritual e mágico, isto é, ligado a forças, baseado em uma religião, crenças efetivas, e cuja eficácia se traduz em gestos, está ligada diretamente aos ritos do teatro que são o próprio exercício e a expressão de uma necessidade mágica espiritual". Artaud vê como o sintoma de decadência do teatro moderno a sua falta de eficácia mágica real, que pode ser definida como a dissolução de uma poesia em seu estado puro. A intenção de Artaud, com esta crítica, era deixar evidente a necessidade de resgate de um estado de vida poética para o teatro. Mais uma vez, a tentativa de religar o teatro à vida orgânica, que, para ele, é uma metafísica, negando ao teatro moderno, um pretenso valor, que, na verdade, não passa de uma vida psicológica simples, que se traduz na seguinte afirmação dele, em uma de suas cartas: " Nós estamos, agora, no estádio da vida aplicada, onde tudo desapareceu, natureza, magia, imagens, forças."
Artaud queria criar um teatro da comunicação com o universal, que teria um sentido físico de atingir os nervos e a sensibilidade, como numa nova tragédia, mas agora sobre as vestes metafísicas do humor e da poesia, em seus significados essencialmente teatrais. Esta física primeira, é reflexo de uma importância dada por Artaud ao sentido primordial da cena no espetáculo teatral, e a sua consequente redução da função da palavra em seu teatro, traduzindo-se como uma nova expressão dentro do espaço cênico, onde a ação gestual ganha o valor das palavras. Tudo isso culmina, então, numa expressividade física, que se torna metafísica orgânica de poesia pura e humor transcendente, que será, a ideia alquímica de Artaud sobre o teatro, onde o espetáculo toma um aspecto de transmutação, tornando-se o teatro a realização de um sentido simbólico profundo, que é uma captura em estado de hieróglifos.
Na sua relação com os atores, por sua vez, Artaud assumia uma característica centralizadora, pois via o trabalho do ator em função da encenação e não como expressão da personalidade do mesmo. Artaud, portanto, condenava o tipo de ator que tentasse se impor no ritmo da peça, pois, para ele: "A própria orientação dos nossos espetáculos exige atores fortes, que serão escolhidos não em função de seu talento, mas em função de uma espécie de sinceridade vital, mais forte do que suas convicções."
Enfim, o sentido dado por Artaud, para definir o seu Teatro da Crueldade, era um sentido cósmico, sem o qual não haveria vida, nem realidade. A crueldade poderia ser traduzida como um turbilhão de vida, núcleo de criação, é o teatro no sentido de criação contínua. Artaud chega a realizar algumas peças por sua vida, como dito acima. Mas, a partir de 1937, passa a ser internado em vários manicômios franceses, sendo que, depois de 6 anos passando por tratamentos duvidosos, é transferido para o hospital psiquiátrico de Rodez, onde permanece 3 anos, escrevendo cartas para não perder a lucidez, mas, neste mesmo lugar, recebe eletrochoques que lhe prejudicam a memória e o corpo.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário: http://www.seculodiario.com.br/exibir.php?id=8527&secao=14
Nenhum comentário:
Postar um comentário