Não sei de nada, não sei, não sei o que eu faço. Por onde andei e vivi nada importa mais, se havia luz essa se dissipou, não sei se ainda sou jovem ou velho, não tenho idade neste desespero que estou, não me dou bem com ninguém, não tenho mais contato com nada, há seis meses estou sem emprego e tenho dívidas astronômicas. Não sei de nada, não vou chegar a lugar nenhum. Olho este vão lá fora, estou aqui no alto, vejo lá embaixo, o chão pode ser uma saída, vou pensar, vou pensar .... O que vivi até hoje? Eu vivi? Eu tenho algo em que crer? Ateu ou Deus? Existe Deus? Venha Deus me salvar agora! Não sei, Deus é mudo, se ele fala eu não ouço, assim como não ouço e nunca ouvi ninguém. Bebi uma garrafa inteira de vinho tinto, cheirei três carreiras de pó. Estou aqui. Estou aqui? Não sei, não sei o que fazer. Deixei currículos por aí, fui por aí, por ali, mas .... nada! Tenho dúvidas, não sei responder as perguntas que faço aqui agora neste divã, vou buscar mais? Mas e tudo que busquei? E todos os meus valores? Se esboroaram no espaço. Não tenho mais tempo e espaço, sou o coração que fala e que gela, sou este que mais não sou, não tenho aonde ficar, não tenho mais onde e nem mais quando. Não, sou a negação, nego, sempre neguei tudo, só fiz o que fiz por obrigação, nunca fiz nada por prazer, nunca tive prazer em nada, meu psiquiatra me deu remédios para depressão profunda, tem um mês que os joguei no lixo, preciso sentir tudo isso, o remédio não me fazia mais sentir nada, eu tinha horror daquela euforia, o álcool e a cocaína não me dão prazer e nem euforia, é só um escape para sentir este não sei de nada. Sou medíocre, sou o fantasma de mim mesmo, estou me dissociando, eu quero a queda, a queda me atrai como uma tentação de beleza, a beleza trágica dos sem nada e sem ninguém e que não sabem de absolutamente nada e por não saberem de nada e também nem quererem nada estão com este sentir tão profundo do perigo, eu abracei o perigo, eu quero me destruir, coragem, covardia, tanto faz, quero diluir, meu ego é a tortura, o fim do não-eu é esperado, o fim ateu, a natureza de fugir, a fuga é mais que natural, a fuga é o martírio, serei mártir da fuga, toca o Réquiem de Mozart, toca Creep de Radiohead, a música é a tentação mais brava de todo este sentir do nada, nada há em que se segurar, eu olho o chão, o chão me chama, eu tento olhar para cima, para o céu, mas não consigo, só olho para baixo, lá embaixo está a minha fortuna, quero fugir, quero cair, a queda é minha salvação, Deus não está aqui, não acredito no Diabo, não acredito em nada disso porque também nunca acreditei em mim, se não dou valor a mim e nem a nada não tenho motivo para crer em outras coisas, tudo é fogo no céu, o inferno não existe, não tenho compromisso, o tempo e o espaço sumiram, logo, os deuses, seus supostos criadores, também nunca existiram, eu também nunca existi, por isso venho aqui agora tentar confirmar isso, a possível existência de um não-eu, estar dentro é dor, existe o fora? Estar dentro sempre é dor, existe o fora? Se não tem mais eu e nem tempo e nem espaço não tem dentro e nem fora, não tem nada, nada sei, sou nada, quero o nada porque não quero nada! Metafísica cruel, e o que dói mais é a física, mas ela pode me salvar neste chão que olho, a saída física é a saída metafísica do fora que não é fora porque é nada. Saída búdica? A questão passa por aí, mas não, também não, sou radical, quero o não querer absoluto mais instantâneo possível. Meu psiquiatra nunca entenderia, meu psicanalista não sei, falei de tudo isso, ele disse que Tânantos era idealizado quando eu cheiro cocaína. Olho lá para fora, lá para baixo, não olho para cima, sim o fora está lá fora me esperando, quero este fora que será o nada que é o fora disso tudo para sempre, o não-eu sem mais preocupações, o lar sem lar, já que não tenho vínculos e nem valores corto radicalmente meu último vínculo, este dentro de mim que sou eu, quero não ser, não quero ser, não quero nada e quero todo este não ser mais nada. Toca creep, eu começo a chorar, olho lá fora. Não vou, vou, não vou, vou. Fico. Espero. Tenho ainda o que fazer? Tenho ainda o que pensar? Nada nunca me interessou, só fiz coisas na vida por obrigação, acreditei nas coisas por um tempo também por obrigação, mas depois desses últimos seis meses não sei mais o que é esta obrigação. Meu último vínculo será a minha última lágrima, meu corte radical é este chão que olho, o único prazer, o estar diante da saída para o nada. Choro, quero ver se vou, não vou, vou, não vou. Espero de novo. Penso de novo. Vou? Vou! Não vou! Péra! Choro de novo. Tem mais uma carreira de pó na minha frente, cheiro. Vou! Ops! Penso e penso e penso. Acaba a música. Silêncio. Está tudo escuro. São três da manhã. Passa uma moto barulhenta na rua. Olho para baixo. Penso. Como tudo é ridículo, como sou tão errado? Erro de tudo, vergonha de tudo. Queria ser outro, ser o que sou não quero ser mais, não sou mais eu aqui, lembra, não tem mais tempo e nem mais espaço, estou só aqui e não sou mais nada, o não-eu vai tomando forma, é este não este que nada é. Nunca fui nada e agora quero não quero ser nada. Vou! Não vou! Penso. Putz! Odeio tudo, como tudo é ridículo, a fé me dá tédio, eu acho todas as histórias de superação absolutamente ridículas, provas de vida sob tortura, quando é bom ser assim? Todos felizes, eu tenho horror de tudo, não sou nada feliz, caçar felicidade, o mundo é absurdo, tudo agora pra mim é um flash do absurdo, estou no fio de desligamento de todo absurdo com o pensamento mais absurdo de todo o universo, uma vez que não há mais nada e nem universo, não tem nada, olho lá embaixo, quero ir lá agora. Penso. Reflito um pouco. Não fazia isso mais. Repenso. Olho de novo lá fora, só olho para baixo, me imagino lá, vou estar lá, e aí não estarei mais em lugar nenhum. Olho e penso. A reflexão não serviu para nada. O efeito da coca passa, fico deprimido de novo. Vou! Não vou! Penso e penso e penso. Essa história de Tânatos idealizado me perturbou, não entendi, quero o nada, só isso. Olho para trás, um vulto preto atravessa as paredes, tomo um susto. Penso. Imagino. Estou vendo vários vultos em volta de mim agora. Não penso mais. Vou! Péra!!!! Penso de novo. Esses vultos são minha imaginação, deve ser a coca. Penso mais e mais e mais. Olho para baixo, agora meu foco está todo lá, vira uma visão absorta, parece que eu me aproximo do chão, estou vendo, é o nada, só a minha visão agora, não penso mais em nada, totalmente búdico, olho para o vasto chão me convidando para a vastidão extrema de não ter mais nada com nada. Vácuo. Agora eu sou o vácuo. Vácuo. Vácuo. Vácuo. Penso, volto a mim, estou neste dentro de si de novo, inferno! Volto. Um vulto pula por cima de mim, eu tomo uma trombada, fico tonto, deve ser a coca. A depressão vem com tudo, joguei os meus remédios fora, nem o psiquiatra e nem o psicanalista sabem, eu dissimulei tudo muito bem. Me dá abstinência de coca, são agora quatro da manhã, não tenho mais dinheiro, o traficante só não me matou ainda porque prometi pagar na próxima semana, abstinência, não tenho mais coca, são quatro da manhã, meu telefone foi cortado, meu celular eu arrebentei ele ontem na parede depois de cinco carreiras de coca. Meus contatos fugiram de mim, eu estou sob ameaça, o único contato que tenho agora só me vende depois que eu pagar a última compra, ele quer me matar. Não tenho mais saída. Estou no meu limite, meu pai morreu tem um mês, era a única pessoa que eu tinha contato na família, também pela velha e desconfortável obrigação, mais da parte dele que da minha, ele me deu três salários mínimos uma semana antes de morrer, não tinha mais nada, não deixou herança, este meu apartamento é alugado, eu estou para ser despejado a qualquer momento, minha vida está um caos! Os três salários de meu pai eu cheirei tudo! Vou! Não vou! Putz! Merda! Olho para baixo, volto ao transe do vácuo. Nada mais. Nada. Nada. Nada! Toda a metafísica está lá no chão, me esperando, onde terei o fim de minha física. Eu li algumas coisas, não sou um completo ignorante, mas meu cérebro já virou sabão por causa da coca. Coca! Por quê? Meu culto ao nada. Tânatos idealizado, como diz o meu psicanalista. Não concordo, não é ideia, é a falta de qualquer ideia. Eu sou nada. Nada! A metafísica do nada me chama, me convida. Minha vida está um caos. Outro vulto me empurra, quase bato a cara no vidro. Putz! Deve ser a coca, é delírio isso. Cocaína! Vou! Não vou! Péra! Tenho que terminar logo com isso, são quatro e meia. Merda! São quatro e meia! Quatro e meia de segunda para terça. Estou desempregado. Minha vida está um caos. Penso. Tenho que terminar com isso antes de o sol nascer, não quero ver o sol, odeio o sol. Meus valores eu nunca tive, só fiz coisas na vida por obrigação. Penso. Tenho outro transe do vácuo olhando pra baixo, pro chão. Outro vulto me empurra e grita nos meus ouvidos. Deve ser a coca. Estou com abstinência, estou deprimido, choro mais uma vez. Vou! Não vou! Vou! Ouço uma risada, penso e faço isso, o chão, deve ser a coca, a dívida, a depressão, o caos, a metafísica do nada, o transe do vácuo, acho que vou ou .... Putz! Crash! Vou! Não ...
30/05/2013 Contos Urbanos
(Gustavo Bastos)
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