Na Londres de 1902, no dia 23 de janeiro, a Sra. Sarah Livingstone entrou em trabalho de parto, seu marido, Michael Livingstone estava preocupado, pois, durante todo o período de gravidez de sua esposa, ela foi acometida de vômitos frequentes e visões demoníacas, tendo também sonambulismo e pesadelos horríveis.
Michael não sabia o que iria acontecer dali para frente. Sarah, na noite anterior, tinha tido a visão de uma cabeça enfiada numa lança pegando fogo. Michael estava com um mau presságio sobre o destino do bebê que iria nascer, ele tinha até pensando em convencer a sua esposa de fazer um aborto durante o início da gestação, mas, apesar de Sarah estar se sentindo muito mal, com uma tristeza profunda durante todo este período, insistiu que queria ter o bebê. Eles só tinham uma criança até então, a bonita e saudável Lisa Livingstone. Lisa tinha, então, na ocasião da véspera de nascimento do novo bebê, 6 anos de idade, e era a fonte de alegria da família Livingstone. A gravidez de Lisa, para Sarah, foi bem tranquila, não teve nenhum episódio de naúsea, muitas vezes ficava extasiada, pois tinha a certeza de que iria gerar um anjo na terra, Lisa nunca dava trabalho, parecia uma sábia num corpo de criança.
Sarah entra em trabalho de parto. Uma das empregadas da casa, que também era parteira, e que tinha feito o parto tranquilo de Lisa, é chamada às pressas em sua casa, no fundo do grande terreno dos Livingstone, a jovem e dedicada Michelle Bloom, que agora chega esbaforida ao quarto de Sarah que, a esta altura, começa a ter uma de suas visões demoníacas, dentre várias que teve durante esta sua segunda gestação. Ela vê um crânio flutuar quase no teto do quarto, aparece um duende no canto direito ao lado de sua cama, onde Sarah estava deitada, ela quase desmaia, mas, Michelle tenta mantê-la acordada. Sarah dá uma golfada, um vômito verde musgo se espalha pelo quarto todo, as alucinações de Sarah começam a se tornar sensações físicas, como se alguém invisível lhe desse espetadas com um garfo em seus braços e pernas. Michelle consegue iniciar o parto, apesar das dores e do desespero de Sarah. Michael resolve não assistir ao parto, pois não queria aquela criança, achava que sua esposa só tinha sofrido com esta gestação.
Sarah começa a gritar de dor, suas alucinações e os golpes invisíveis em seu corpo se tornam mais intensos. Michelle enfia a mão dentro de seu útero. Sarah começa a delirar que nascerá um pequeno demônio, Michelle tenta encontrar os pés do bebê, ela não acha, fica bastante confusa. Então, Michelle enfia todo o braço direito dentro do útero de Sarah, ela sente a cabeça do bebê, procura desesperadamente os pés do bebê, não encontra, começa a ficar desesperada. Enquanto isso, Sarah repete a palavra demônio aos gritos e chorando como uma louca. Michelle decide tirar o bebê pela cabeça mesmo, e então tira o bebê, toma um susto e desmaia. A cabeça do bebê rola pelo chão do quarto todo empapado em sangue, era apenas uma cabeça, e estava viva. Sarah tem uma parada cardíaca e entra em convulsão, depois de cinco minutos de convulsões, alucinações e choques por todo o corpo, morre. Passam-se mais dois minutos, e Michelle acorda do desmaio. Michelle agora vê uma cabeça viva no chão do quarto, fica pasma, recolhe o bebê, vivo, mas que era só a cabeça. Olha para a cama e vê Sarah desacordada, confere sua circulação e entende na hora que Sarah estava morta. Sai correndo com aquela cabeça viva pela casa dos Livingstone. Michael estava em seu escritório, rezando e chorando, achando que algo de ruim iria acontecer, e toma um susto quando Michelle aparece com uma cabeça de bebê viva sem o corpo, dentro de seu escritório. Michael dá um grito cortante e dolorido de desespero, e fica ainda mais desesperado quando Michelle dá a notícia de que Sarah tinha morrido no parto.
Logo, Michael rejeita aquele bebê sem corpo. Não sabia por qual milagre maligno aquela cabeça que tinha matado a sua esposa estava viva, tinha certeza de que Sarah dera à luz a um tipo de demônio desconhecido, estava em frangalhos, ficou uma semana de luto e escondeu aquela cabeça viva em seu escritório durante esta semana, dando água à cabeça viva, e pensando no que iria fazer com aquele pequeno demônio que tinha nascido.
Michael esconde a ocorrência de sua filha Lisa, mas dá a notícia à menina de que sua mãe Sarah tinha morrido no parto, e que o bebê nascera morto, e que tinha sido enterrado no meio da mata que fazia parte do terreno dos Livingstone. Lisa chora e joga as cinzas da mãe no Rio Tâmisa acompanhada do pai. Michael agora só tinha uma preocupação, de como iria se livrar daquela cabeça viva, pois não tinha coragem de matar aquela cabeça, apesar de ter tentado convencer a esposa de abortar, pois agora, com aquela criatura enigmática em seu escritório, ficou receoso de que aquilo era uma maldição, e ficou com medo de provocar aquele demônio que lhe observava quando ele abria seu armário e via este ser que, agora, mais do que nunca, desprezava.
Passa-se mais uma semana, e Michael resolve dar uma solução para aquele problema, pega a cabeça viva e joga numa mala, sai com a mala com a cabeça viva dentro, pela cidade de Londres. Michael não sabia o que fazer, estava completamente atônito, até que consulta um amigo, e revela o seu problema a ele. O amigo tem uma ideia, diz a Michael que havia um circo itinerante na cidade de Londres, o Spoonfull Circus, e que aquela cabeça viva poderia ser de grande serventia para o pessoal do circo, e que, com isso, Michael poderia, também, ganhar um bom dinheiro, vendendo a cabeça viva para o dono daquele circo.
Michael vai até o Spoonful Circus, que tinha levantado acampamento, há dois dias, na cidade de Londres, e que teria um festival de três dias, dali a uma semana. Michael chega no acampamento, encontra um homem forte, cuidando de um elefante, e pergunta aonde poderia encontrar o dono do circo, o homem forte diz que tinha uma tenda vermelha onde o Sr.Ferguson, dono do circo, estava fazendo as contas dos rendimentos do circo. Michael vai até a tenda vermelha, com a mala na mão, pede licença, e o Sr.Ferguson, sem olhá-lo, contando dinheiro, manda Michael se sentar, então Michael mostra a mala, o Sr.Ferguson olha, então, para a cara de Michael, e acha que aquilo era algum tipo de piada, e pergunta: "__ Que mala é essa na minha mesa? O senhor gostaria de fazer um teste com os nossos palhaços? Tem um com uma maleta cheia de bombinhas coloridas que estouram em todo espetáculo que fazemos, é mais um desses truques? Pois esse eu já conheço." (E dá uma gargalhada). Então, Michael dá uma risada tímida, e diz: "É que ... hum .... hã .... é um outro tipo de bomba que tenho aqui comigo ...". Então, o Sr.Ferguson se levanta, assustado, de sua cadeira, e saca um revólver, e aponta para Michael. "O que o senhor tem nessa mala? Posso saber? É uma bomba? Você é algum tipo de criminoso? Um louco desocupado que quer me matar e explodir meu circo? Tá louco, tá?". Então, de supetão, Michael saca a cabeça da mala e ergue a cabeça viva para o alto com a sua mão direita. O Sr.Ferguson dá um berro e dá um salto para trás, arremessando o revólver para longe, que ricocheteia no fundo da tenda, e dá um disparo contra a lateral da mesa, mas não atinge nenhum dos dois cavalheiros. "O que é isso? Eu não acredito no que eu estou vendo. Só posso estar sonhando, como esta cabeça sem um corpo está viva?". Michael: "Eu também não sei, pois todos sabem que, para um ser vivo, animal que for, precisa de um coração batendo para se manter vivo, mas esta coisa está viva apenas com a cabeça, não sei como, é uma bruxaria que fizeram contra mim, a minha esposa deu à luz a esta coisa e morreu, e agora eu quero me livrar desta cabeça viva, quanto o senhor paga por ela? Esta cabeça pode ser uma bela atração de circo, o senhor pode fazer fortuna em cima dela, quanto a mim, eu só quero uma quantia módica, pois o quanto antes eu me livrar deste monstro, melhor. E aqui no circo esta coisa pode ter alguma utilidade, talvez um circo seja o único lugar que uma cabeça viva sem um corpo possa ter alguma ultilidade, o senhor não acha?". Sr.Ferguson: "Mas é claro! Que coisa bizarra! Eu te dou cem libras, meu camarada!". Michael: "Fechado!". Sr.Ferguson: "Tome aqui! Esta cabeça vai ser mesmo uma bomba para nosso circo, hahahahaha! Vou alimentá-la, pois ela ainda é um bebê, quando esta cabeça fizer 6 anos, vou apresentá-la como a atração principal do meu circo, agora sim ficarei milionário, hahahahaha!" Michael sai com as cem libras, todo feliz e aliviado, com a certeza de que nunca mais veria aquela cabeça horrenda.
Passam-se seis anos, e chega o grande dia da estreia da cabeça viva no Spoonful Circus, o cartaz anuncia a atração: "Venham ver uma cabeça viva sem corpo e que fala!". O Sr.Ferguson estava eufórico, tinha alimentado aquela cabeça viva dentro de sua tenda, durante seis anos, na base do pão e água. E tinha ensinado a cabeça a falar. Agora era a hora do circo fazer o seu maior sucesso. Nunca, em circo nenhum do mundo, tinha se visto uma coisa daquelas. Alguns até achavam que o cartaz era um boato sensacionalista, para chamar mais público, mas, a maioria da população de Londres, onde o circo estava mais uma vez, pagaria para ver, pois a curiosidade despertada no entorno do circo era imensa.
O Sr.Ferguson determinou, então, que a atração da cabeça que fala seria para o encerramento dos shows. Seriam três shows da turnê por Londres. Todos do circo estavam apreensivos. Uma acrobata, que também era médium kardecista, uma francesa dos olhos de mel, previa mau agouro para o circo, mas não deixou o trapezista, seu namorado, falar isso para o Sr.Ferguson, mas a maioria dos componentes da trupe já sabia que as previsões da acrobata eram sérias, e que nunca falhavam.
Chega o primeiro dia de apresentação das atrações do Spoonful Circus. Todos do público, que chegavam, estavam bastante felizes. Muitos, ainda, duvidando do anúncio bizarro do cartaz principal, queriam pagar para ver e não perderiam por nada, se tudo aquilo que estava sendo anunciado, fosse mesmo, a mais pura verdade. O Sr.Ferguson recebe o público na porta de entrada da tenda, o picadeiro está vazio com a luz apagada. A cabeça está escondida, dentro de uma maleta, num compartimento secreto, que só o Sr.Ferguson e um faxineiro do circo sabiam. Nada poderia dar errado naquela tão esperada estreia. O público vai entrando, e tomando os seus lugares. Aos poucos, as arquibancadas montadas dentro da tenda do circo, vão se preenchendo. Logo, a lotação está esgotada, o Sr.Ferguson teria naquele dia, o maior lucro da História do seu circo. Tudo está pronto para o espetáculo.
Agora, com todo o público acomodado em suas cadeiras na arquibancada, o Sr. Ferguson dá a autorização para o pessoal da iluminação acender as luzes sobre o picadeiro, tudo se acende no meio do circo, o picadeiro está iluminado. Entra a trupe de malabaristas, o público vai ao delírio. Depois, entram os domadores de leões e tigres. Tem o homem-borracha, logo em seguida. Depois, a mulher barbada. Depois, a trupe de acrobatas e trapezistas. No meio do espetáculo, entram os palhaços e fazem uma baderna. Aí entram os elefantes pulando obstáculos, o engolidor de facas, o cuspidor de fogo, os orangotangos e chimpanzés, entra uma mulher maravilhosa fazendo dança do ventre com cobras penduradas no corpo. E, por fim, para encerrar, a hora tão aguardada. É anunciado que iria entrar a cabeça viva sem corpo que fala.
Entra um domador com a cabeça. Acrobatas fazem seus números em volta da cabeça que, ainda está coberta por um pano vermelho. Chega o mágico e faz uns números para distrair a plateia. Até que, finalmente, o domador tira o pano vermelho da cabeça viva, e ordena para que a cabeça fale. Todo o público, diante daquela cena, fica chocado. O domador, então, começa a espetar um garfo grande, na testa da cabeça, para a cabeça falar. Mas, o imprevisto acontece. A cabeça não fala nada, e começa a chorar. O mágico sai correndo, e cobre a cabeça com o pano vermelho novamente, e começa a improvisar uns números, enquanto, por trás de uma cortina verde improvisada, o domador começa a dar socos na cara da cabeça viva, tentando fazê-la falar, espanca a cabeça toda. O Sr.Ferguson chega para intervir, e dá um esporro no domador, que sai zangado, falando impropérios, na saída do picadeiro. Mas, isso tudo acontece por trás da cortina verde, e o público não percebe.
Mas, aí acontece o pior. O público começa a vaiar, e jogar frutas no picadeiro. As frutas, que eram vendidas numa feirinha improvisada do circo, na entrada da tenda montada para o espetáculo. A vaia vai crescendo, e o Sr.Ferguson, que havia criado e ensinado a cabeça viva a falar, acaba convencendo a cabeça viva a falar em público, parece que, agora, o espetáculo irá se concluir com êxito. Ele passa a cabeça viva para o mágico, coberta novamente com um pano vermelho. Desta vez, o mágico tenta fazer a cabeça viva falar, prometendo dinheiro para a cabeça. Ele levanta o pano vermelho da cabeça viva, e agora diz que a cabeça iria contar uma piada. Então, ele manda a cabeça fazer o número de piada que estava combinado, mas, a cabeça fica muda durante um minuto, olhando para o público, que, numa mistura de choque com irritação, volta a jogar frutas no picadeiro e a vaiar o espetáculo. Muitos começam a deixar a tenda, indignados. O Sr.Ferguson se desespera, e invade o picadeiro, anunciando as atrações do dia seguinte. Mas, parecia que aquela notícia da cabeça falante que não fala nada, correria pela Londres inteira.
É o que acontece. Os jornais colocam manchetes sensacionalistas com fotos da cabeça viva, que foi tirada por um fotógrafo, secretamente, durante a exibição no picadeiro. O Sr.Ferguson, então, fica esperançoso de que aquelas notícias nos jornais poderiam atrair mais público para o segundo dia do espetáculo. Só que o público do primeiro dia poderia estragar tudo. E, no segundo dia, tinha mais jornalistas e fotógrafos, do que público, do lado de fora da tenda.
O espetáculo se repete, com a mesma sequência. Desta vez, com um público minguado, a cabeça fala, mas, fala demais. A cabeça começa a gritar, no meio do picadeiro, que era um escravo, e que queria morrer. O Sr.Ferguson, imediatamente, entra no picadeiro, cobre a cabeça com o pano vermelho, e leva a cabeça embora, guardando ela numa maleta, dentro de sua tenda particular.
No dia seguinte, o Sr.Ferguson entra na sua tenda particular, para buscar a cabeça, para o terceiro e último dia da turnê de Londres. Mas, para espanto do Sr.Ferguson, a cabeça não estava mais lá. Ele se desespera, e se sente culpado por todas as desgraças daquela cabeça, e pelo fracasso do show tão esperado. Tudo tinha dado errado. E, então, ele manda a trupe do circo fazer uma varredura por Londres, para achar a famigerada cabeça viva.
Na verdade, na madrugada anterior, três garotos, todos na faixa dos nove e dez anos, que tinham assistido o primeiro dia do espetáculo, planejaram o roubo da cabeça viva. E, então, entraram na tenda do Sr.Ferguson, depois de um dos garotos ver o Sr.Ferguson entrar, furtivamente, em sua tenda, com uma maleta. Pois então, levaram a cabeça embora. Os garotos foram a um campo, longe, no subúrbio, e chutavam a cabeça para todos os lados, como se fosse uma bola de futebol. A cabeça ficou sangrando, depois de duas horas sendo chutada pelos garotos. Então, os garotos resolveram parar com a brincadeira, e jogaram a cabeça viva num lixo, no centro de Londres.
Enquanto isso, toda a trupe do Spoonful Circus, fazia uma varredura por toda Londres, atrás da cabeça. Quem acha a cabeça, finalmente, é a acrobata francesa e vidente. Mas, já de noite, a cabeça estava morta. Todos da trupe choraram copiosamente. E o circo foi embora de Londres. A história desta cabeça não foi tão boa. Foi um milagre ao contrário. O Sr.Ferguson nunca mais pensou em atrações bizarras para o seu circo.
12/06/2013 Contos Psicodélicos
(Gustavo Bastos)
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