“A ideia de beleza em Vênus, por fim, tem este duplo aspecto
do amor celeste e do desejo carnal”
Afrodite, deusa grega de origem asiática, surgida sob a
influência do culto fenício de Astarte, e mais remotamente da Ishtar acádia e
babilônica, são estas e a citada representadas como deusas do amor,
relacionadas a ritos de fertilidade, Afrodite que na era romana ganhará o nome
Vênus. E aqui temos além da ideia fundante do amor, também o tema da beleza e
do desejo, formas que ganham tanto sua pureza celeste como o sentido literal do
desejo carnal, e logo veremos que Afrodite representa tudo isso.
A versão mais conhecida de seu nascimento vem do autor
Hesíodo, que nos conta que ela nasceu quando Cronos, tendo cortado os órgãos
genitais de Urano, os lançou ao mar, e da espuma nasceu a já bela e adulta
Afrodite. Contudo, temos também o relato de Homero, que coloca Afrodite como
filha de Zeus e Dione. Por conseguinte, vista esta dupla origem, seu culto se
dividiu em duas versões, a primeira da Afrodite mais antiga, era da origem
descrita por Hesíodo, a Afrodite Urânia, e a outra, da versão homérica, a
Afrodite Pandemos.
Uma das pinturas mais famosas que retrata o surgimento de
Afrodite da espuma do mar é uma têmpera sobre madeira intitulada O Nascimento
de Vênus de Sandro Boticelli, este um pintor italiano do século XV e XVI, vindo
da Escola Florentina do Renascimento, influenciado na pintura do Quatrocento
por Masaccio, recebendo também em sua pintura o Gótico tardio.
Boticelli explorou bem as cores frias, com a veia visionária
das pregações de Savonarola, e tendo nas esculturas da Antiguidade também o seu
culto de adoração e inspiração, participando da corte de Lourenço de Médici, com
a pintura O Nascimento de Vênus, por sua vez, sendo uma das pinturas de
Boticelli que surgiu sob a influência da ideia de amor neoplatônica do filósofo
Ficino.
E uma das possíveis versões modernas da ideia de beleza
produzida pelo mito de Vênus, por sua vez, pode ser traduzida no fenômeno das
bombshells do cinema, com Jean Harlow, que recebeu o epíteto de blonde
bombshell pelo filme Platinum Blonde de 1931, culminando com Marilyn Monroe, um
dos maiores ícones femininos do cinema de todos os tempos.
Mas logo Hollywood expande o conceito da versão original loura,
indo para versões exóticas e étnicas, fenômeno este que foi bem intenso entre
os anos de 1940 e os anos de 1960. Depois tal intensidade da ideia de beleza
feminina passou a ser consumida comercialmente no mundo pop em geral, exigindo
do imaginário coletivo algo somente vendido como produto, mais um fenômeno
midiático do que algo palatável aos pobres mortais, resultando numa idealização
mais potente até que a figura dos poetas românticos do século XIX, pois agora a
dinâmica passava o bastão da paixão pura e casta para o desejo sexual
propriamente dito.
Venus in Furs, por sua vez, diz respeito tanto a uma novela
do autor austríaco Leopold von Sacher-Masoch, publicada em 1870, como se refere
a uma música da banda americana The Velvet Underground, música esta que figura
no debut da banda, o álbum The Velvet Underground & Nico, e que tem toda a
letra baseada nesta novela do autor austríaco, focando no aspecto masoquista da
relação de Severin com a sua dominadora, Wanda.
A Vênus das Peles (Venus in Furs), por sua vez, é a obra mais
conhecida de Leopold von Sacher-Masoch, que tem o personagem Severin, bem
citado na letra da banda The Velvet Underground, como um jovem nobre, que
conhece Wanda, e que então tem o começo de uma história que coloca o tema da
paixão entre eles no sentido de uma relação que gerasse felicidade e que
durasse.
Nessa busca da felicidade e de uma relação duradoura aparece então
o tema da dominação, tema masoquista que a letra da banda The Velvet
Underground enfatiza, na sua versão fetichizada da novela austríaca, e a figura
de um martelo que golpeia uma bigorna passa a reger as ações das personagens. Severin
pede a Wanda que ele mesmo se torne seu escravo, no que é feito um contrato e a
história se torna a descrição de cenas torturantes de um Severin dominado por
sua amante no culto do prazer através do sofrimento físico, tema do prazer em
sentir dor e humilhação que ganhou o nome de masoquismo pelo psiquiatra Richard
von Krafft-Ebing.
Portanto, o tema de Vênus tem no mito a sua origem, e que
descreve também o fenômeno artístico da beleza como ideal da arte, passando
pelo culto midiático desta ideia de beleza e culminando no tema levantado de
Venus in Furs, tema final deste texto, que tem na relação masoquista também um dos
segredos do desejo.
Aqui então passamos tanto pelo tema celestial da beleza, o
tema do amor, como ao fim caímos na gandaia do desejo carnal como fonte
primária das dores e prazeres recônditos que governam os instintos tanto da
arte como dos humanos na vida comum. A ideia de beleza em Vênus, por fim, tem
este duplo aspecto do amor celeste e do desejo carnal, a dupla face reina em
seu duplo culto, Afrodite de Hesíodo e de Homero, a Vênus das Peles do autor
austríaco e da letra de Lou Reed da banda The Velvet Underground.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/35917/14/venus-in-furs
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