PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

VENUS IN FURS

“A ideia de beleza em Vênus, por fim, tem este duplo aspecto do amor celeste e do desejo carnal”

Afrodite, deusa grega de origem asiática, surgida sob a influência do culto fenício de Astarte, e mais remotamente da Ishtar acádia e babilônica, são estas e a citada representadas como deusas do amor, relacionadas a ritos de fertilidade, Afrodite que na era romana ganhará o nome Vênus. E aqui temos além da ideia fundante do amor, também o tema da beleza e do desejo, formas que ganham tanto sua pureza celeste como o sentido literal do desejo carnal, e logo veremos que Afrodite representa tudo isso.
A versão mais conhecida de seu nascimento vem do autor Hesíodo, que nos conta que ela nasceu quando Cronos, tendo cortado os órgãos genitais de Urano, os lançou ao mar, e da espuma nasceu a já bela e adulta Afrodite. Contudo, temos também o relato de Homero, que coloca Afrodite como filha de Zeus e Dione. Por conseguinte, vista esta dupla origem, seu culto se dividiu em duas versões, a primeira da Afrodite mais antiga, era da origem descrita por Hesíodo, a Afrodite Urânia, e a outra, da versão homérica, a Afrodite Pandemos.
Uma das pinturas mais famosas que retrata o surgimento de Afrodite da espuma do mar é uma têmpera sobre madeira intitulada O Nascimento de Vênus de Sandro Boticelli, este um pintor italiano do século XV e XVI, vindo da Escola Florentina do Renascimento, influenciado na pintura do Quatrocento por Masaccio, recebendo também em sua pintura o Gótico tardio.
Boticelli explorou bem as cores frias, com a veia visionária das pregações de Savonarola, e tendo nas esculturas da Antiguidade também o seu culto de adoração e inspiração, participando da corte de Lourenço de Médici, com a pintura O Nascimento de Vênus, por sua vez, sendo uma das pinturas de Boticelli que surgiu sob a influência da ideia de amor neoplatônica do filósofo Ficino.
E uma das possíveis versões modernas da ideia de beleza produzida pelo mito de Vênus, por sua vez, pode ser traduzida no fenômeno das bombshells do cinema, com Jean Harlow, que recebeu o epíteto de blonde bombshell pelo filme Platinum Blonde de 1931, culminando com Marilyn Monroe, um dos maiores ícones femininos do cinema de todos os tempos.
Mas logo Hollywood expande o conceito da versão original loura, indo para versões exóticas e étnicas, fenômeno este que foi bem intenso entre os anos de 1940 e os anos de 1960. Depois tal intensidade da ideia de beleza feminina passou a ser consumida comercialmente no mundo pop em geral, exigindo do imaginário coletivo algo somente vendido como produto, mais um fenômeno midiático do que algo palatável aos pobres mortais, resultando numa idealização mais potente até que a figura dos poetas românticos do século XIX, pois agora a dinâmica passava o bastão da paixão pura e casta para o desejo sexual propriamente dito.
Venus in Furs, por sua vez, diz respeito tanto a uma novela do autor austríaco Leopold von Sacher-Masoch, publicada em 1870, como se refere a uma música da banda americana The Velvet Underground, música esta que figura no debut da banda, o álbum The Velvet Underground & Nico, e que tem toda a letra baseada nesta novela do autor austríaco, focando no aspecto masoquista da relação de Severin com a sua dominadora, Wanda.
A Vênus das Peles (Venus in Furs), por sua vez, é a obra mais conhecida de Leopold von Sacher-Masoch, que tem o personagem Severin, bem citado na letra da banda The Velvet Underground, como um jovem nobre, que conhece Wanda, e que então tem o começo de uma história que coloca o tema da paixão entre eles no sentido de uma relação que gerasse felicidade e que durasse.
Nessa busca da felicidade e de uma relação duradoura aparece então o tema da dominação, tema masoquista que a letra da banda The Velvet Underground enfatiza, na sua versão fetichizada da novela austríaca, e a figura de um martelo que golpeia uma bigorna passa a reger as ações das personagens. Severin pede a Wanda que ele mesmo se torne seu escravo, no que é feito um contrato e a história se torna a descrição de cenas torturantes de um Severin dominado por sua amante no culto do prazer através do sofrimento físico, tema do prazer em sentir dor e humilhação que ganhou o nome de masoquismo pelo psiquiatra Richard von Krafft-Ebing.
Portanto, o tema de Vênus tem no mito a sua origem, e que descreve também o fenômeno artístico da beleza como ideal da arte, passando pelo culto midiático desta ideia de beleza e culminando no tema levantado de Venus in Furs, tema final deste texto, que tem na relação masoquista também um dos segredos do desejo.
Aqui então passamos tanto pelo tema celestial da beleza, o tema do amor, como ao fim caímos na gandaia do desejo carnal como fonte primária das dores e prazeres recônditos que governam os instintos tanto da arte como dos humanos na vida comum. A ideia de beleza em Vênus, por fim, tem este duplo aspecto do amor celeste e do desejo carnal, a dupla face reina em seu duplo culto, Afrodite de Hesíodo e de Homero, a Vênus das Peles do autor austríaco e da letra de Lou Reed da banda The Velvet Underground.  

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/35917/14/venus-in-furs




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